Capítulo 8- Sonhos e Limitações

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O final de semana passou tranquilamente. No final do sábado, Adhara concentrou-se nos estudos, uma vez que o curso de medicina demandava bastante esforço. Já no domingo, ocupou-se realizando um trabalho sobre a nomenclatura e identificação dos ossos humanos. À noite, acompanhou seu pai e madrasta até a igreja, deixando o irmãozinho em casa com o avô, que se queixava de dor de cabeça.

Ao retornarem, Ana e José se reuniram para discutir as contas do mês, pois era a semana de pagamento do salário de José.

-Esse mês fechou. Não sobrou, mas também não faltou para nada. "Glória a Deus!" - exclamou Ana após concluir a separação das contas.- E você sogro, já separou seu dízimo?

-Não, continuo aguardando alguns valores- respondeu o avô, deitado no sofá, assistindo televisão. -Inclusive, acho que tem alguém querendo abandonar o carro na oficina.

-Como assim, pai? - perguntou José, curioso.

-O dono do carro vermelho. Esteve aqui outro dia e deu a entender que queria que eu ficasse com o carro. Disse que procurava um comprador, já que o motor ficou muito caro, insinuando que queria que eu o ficasse - esclareceu o avô.

-Mas valeria a pena? - indagou José.- Dependendo, se ajustarmos um pouco, poderíamos pagar a diferença e vendê-lo depois de consertado.

-Eu pensei em dar para Adhara - sugeriu o avô, chamando a atenção da garota que interrompera os estudos para pegar um pouco de água. Mesmo não estando na sala, as paredes eram finas o suficiente para que ouvisse toda a conversa. Seu coração saltou de alegria com a ideia de ter um carro. Ela sabia qual carro vermelho era, um VOLKSWAGEN GOL 2009, um carro simples, flex, câmbio manual, perfeito para ser seu primeiro veículo, ou melhor, para alguém que nunca teve um. Ela conseguia imaginar-se dirigindo até a faculdade, sem precisar enfrentar um ônibus lotado ou fazer uma viagem de quase duas horas, o que um carro diminuiria para cerca de 25 minutos.

-Não, não temos dinheiro para isso - interrompeu Ana, fazendo as expectativas da garota ruírem. -Além disso, teríamos que gastar mais com ela? Já estamos custeando a faculdade, que é extremamente cara, fora os materiais que compramos e ainda tem parcelas até o próximo ano...

-Mas é só um carro... - tentou argumentar José com a esposa.

-Endoidou? - exclamou Ana exaltada. - "Apenas um carro", Como se o dinheiro crescesse em árvores? Nós deixamos de viajar para a nossa lua de mel depois de anos juntando dinheiro, para pagar a matrícula de quem? Da sua filha!- Acusou.

-Tente entender, ela merece, passou em segundo lugar na prova da (...)- Ana novamente o interrompeu.

-E eu não merecia minha viagem? E meu filho que teve que ir para uma escola pública para arcarmos com os materiais da faculdade da irmã? Todo mês é um material novo que ela precisa ou dinheiro para passagem, dinheiro para o almoço... O que vai ser agora? Gasolina?

-Não misture as coisas... - José tentou argumentar.

-Então, que ela espere até começar a trabalhar e ter o próprio dinheiro. Já gastamos tanto. Ela está estudando à nossa custa, e ainda querem dar um carro a ela?

-ANA! - Alberto interrompeu o casal. -Você não trabalha para cuidar da casa, então também está à nossa custa!

Falou firme sentindo que deveria proteger a neta que nem estava presente na conversa (era o que pensavam).

-Minha neta continuará estudando e gastando o que for preciso até se formar, mesmo que eu pague por tudo para ela. E não quero mais ouvir reclamações sobre isso - declarou o avô Alberto, encerrando o assunto, já que era o principal provedor da casa com a oficina, assegurando que a neta tivesse tudo o que necessitasse. Ana revirou os olhos, claramente desanimada para prosseguir a discussão.

-Este mês, mal tivemos o suficiente para pagar as contas, não temos condições de dar um carro para ela- finalizou Ana, com mais cautela, pois não se atreveria a discutir com o sogro.

Ela se importava com Adhara e, às vezes, até lhe dava presentes, como ter organizado um jantar de comemoração para o aniversário da garota, mas achava um exagero a quantia que gastavam com a enteada. Um carro era excessivo.

No fundo, havia, sim, um pouco de ciúme pelos mimos e privilégios que a garota recebeu a vida inteira, ainda mais agora que estava na faculdade.

A menina sempre fingiu não se importar com esses lapsos de atitudes da madrasta, o que melhorava e muito a convivência entre elas. No entanto, era a primeira vez que ouviu a madrasta falar dos gastos com sua faculdade, todos sempre pareceram estar muito orgulhosos. Sabia que, depois de se formar, poderia ter um bom emprego, mas sentir-se um fardo era terrível.

Encostada do outro lado da parede, Adhara sentiu-se o pior ser humano do mundo.

Embora nunca tenha faltado nada e tivesse sempre suas necessidades supridas pelos avós e pai, não gostava de pedir dinheiro, nem mesmo para as necessidades básicas. Eles sempre a deram como se adivinhassem o que ela ia precisar. O curso era em tempo integral, ela sabia que não poderia ser independente e ajudar nas despesas da faculdade, que eram realmente caras, e muito menos comprar um carro.

Além disso, não havia emprego que se encaixasse em sua rotina de estudos. Havia trabalhado como ajudante na oficina por um bom tempo, mas o avô já tinha outros dois ajudantes, além do pai dela. Retornar ao trabalho na oficina não faria sentido, ela não poderia cobrar um salário de seus provedores.

Na manhã de segunda-feira, naquele semestre, ela tinha uma lacuna entre as primeiras aulas, o que significava que poderia sair mais tarde de casa.

-Bom dia, família - cumprimentou sem nenhuma empolgação, o que não era o seu normal.

-Bom dia - responderam todos à mesa enquanto tomavam café da manhã.

-Por que toda essa falta de ânimo, querida? - perguntou dona Ana.

-Eu queria poder trabalhar - respondeu de forma direta.

-Em breve, você terá a oportunidade de fazer uma residência, estágio ou algo do tipo" - sugeriu a madrasta para animar a garota.

-Não, isso ainda vai demorar - expressou, sendo encarada por José e Alberto. Ana, sentindo-se péssima, nunca havia falado nada diretamente com a jovem.

-Você não tem tempo para trabalhar, tire essa ideia da cabeça - afirmou José.

-Eu sei, pai, mas ainda assim, eu gostaria de arranjar algo.

Ana desviou o olhar e balançou os ombros quando os homens a fitaram novamente, imaginando se ela havia dito algo para a garota.

-Você sabe que sempre pode me ajudar na oficina- tentou consolar o avô. -Mas prefiro que se concentre nos estudos. Se precisar de qualquer coisa é só me pedir."

O que não contam sobre os estudantes de medicina de famílias de classe média é todos os sacrifícios que fazem. Adhara se sentia ainda pior, uma vez que estava apenas no primeiro ano da faculdade e teria que depender por pelo menos mais cinco anos. Ela descobriu que incomodava a madrasta nessa situação e sabia que o dinheiro gasto em seus estudos poderia ser investido em tantas outras coisas na casa.

SUBLIME- A Caminho Da MesaOnde histórias criam vida. Descubra agora