CAPÍTULO 1

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L E T Í C I A 

Meus olhos estão cheios de lágrimas mau contidas. E tomo seguidos suspiros cortados, tentando instabilizar meu descontrole com a cena a minha frente. Minha perna — ou o lugar onde deveria existir —, é apenas a memória do que já esteve ali, e isso me dói a alma, porque elas são essenciais na minha vida, e agora, nada mais me define.

— Quando você estiver recuperada, podemos conseguir uma prótese tão moderna, que será quase como a original. — Minha mãe usa seu estranho carisma forçado, para tentar me animar.

— Poderei surfar usando-a? — inclino minha cabeça para o lado, tentando provocar sua revolta.

— Claro que não. — Opôs apresada, e olho para ela com ironia. — Não me olhe assim, garota. — Devolveu estupefata, e apenas cubro meu rosto com o lençol branco, tentando esquecer a situação de merda que estou no momento.

Estava dando aulas de surfe para as crianças, e quando finalizei meu horário com elas, estendi meu tempo nas ondas, até que tudo aconteceu. Eu estava sentada sobre a prancha, o sol brilhante e alaranjado se perdendo atrás das águas, quando o ataque veio, sem que tivesse percebido a presença do tubarão. Por pouco minha vida não foi completamente tirada, mas, isso não diminui a sensação assombrosa que é, me ver sem minha perna.

— Maldito tubarão. — Xinguei, minha cabeça doendo com a lembrança do ataque. — MALDITO! — Gritei, colocando o travesseiro no meu rosto, para impedir o barulho mais alto.

Parece que não existe mais motivos para levantar, tanto que batalhei por meu lugar, e agora apenas isso e minha recompensa. O mar me acalma, porque em alguns momentos tudo o que desejo é a sensação da água salgada me envolvendo e me trazendo uma paz que não consigo discernir, mas, me pega e me seduz como um manto terno, e agora, tudo acabou.

Como vou me equilibrar sobre uma prancha?

E minhas crianças?

Tantas perguntas me fazem encolher em fúria, e queria correr na praia, até esquecer a minha vida. Sentir os músculos das minhas pernas doendo e doendo, com o esforço, mas, isso não será mais possível.

[...]

A muleta maltrata minha axila, enquanto observo a distância o mar brincando a minha frente. Nem mesmo caminhar na praia, consigo, devida a moleta e ainda pior meu equilíbrio com ela. Inspiro profundamente o cheio da maresia, tentando aplacar a angústia da depressão que tanto me aperta, sendo que hoje estou melhor que os dias anteriores.

Ei! — Uma garota sorri, sentando-se ao meu lado.

— Ei. — Devolvo, soltando um suspiro profundo, sem olha-la.

— Porque não vai até lá? — indicou o mar, sua cabeça deitando de lado com um sorriso calmo em seu rosto quase infantil.

— Tá de brincadeira, né? — meus lábios entortaram em desgosto, por sua brincadeira de mal gosto.

Tudo o que eu queria era me afundar nas águas e sentir o aconchego morno que tanto me faz falta, mas, isso seria um passo para o fracasso, porque são consigo segurar uma pequena onda nas minhas pernas, quando me falta tanto o equilíbrio, devido meu único pé sobrevivente, foi quase completamente reconstruído.

— Claro que não. — movimentou a mão com desleixo, sem realmente me olhar.

— Não sei se percebeu, mas, falto uma maldita perna. — Minha cabeça dói, raiva borbulhando em minha mente como um descontrole que apenas o mar era capaz de me acalmar.

— e eu falto minhas córneas. — Mudo meu olhar para seu rosto, percebendo o opacidade dos seus olhos. — Não significa que estou deixando de fazer nada que desejo ou tenho vontade. — Deu de ombros, seu corpo caindo para trás na areia.

A COMPANHEIRA DO SHARKOnde histórias criam vida. Descubra agora