Capítulo XVII: Autopunição

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Meu ódio crescia. Minha dor também.

Seu enterro foi em sua casa, em qual crescera com sua família, em Nakagawa. Seu rosto estava pálido como nunca antes, tão frio que nem parecia estar morta, ou talvez estivesse mesmo. Para mim ainda era algo difícil de se acreditar, para mim ainda não havia caído a ficha, apenas me sobravam lembranças dela, mas nenhuma supria sua ausência em vida.

Eu nunca mais poderia ouvir sua voz, apenas minha memória seria capaz de guardar essas lembranças, as quais poderiam se perder com o tempo ou com uma doença qualquer que nos priva de poder lembrar e sentir saudades de uma pessoa. O quão cruel isso poderia ser? Se eu soubesse que ela partiria tão cedo, teria feito de tudo para que ela ficasse mais próxima de mim, ou quem sabe nunca a deixar exposta ao perigo por minha causa. Me restavam lamentos e memórias que me machucavam, mas o que mais perdurava na minha cabeça eram os ‘’e se...’’, sempre caía nessa armadilha da minha mente e sempre com culpa me penitenciava, como uma criança que se culpa pela separação dos pais mesmo sem ter nenhuma culpa do egoísmo e falta de maturidade ao se envolver por impulso e colocar crianças no mundo as quais não pediram para nascer. Eu sabia desses abismos que minha mente criava, mas de certa forma eles faziam certo sentido, visto que se não fosse por conta da minha incapacidade de proteger a Zoe e todos os outros e acabar deixando esse trabalho nas mãos da Naomi, ou em outras vezes nas mãos do Akira. Talvez eu não devesse ter continuado com a minha vingança, talvez eu deveria ter deixado o escritório nas mãos do Myamura e do Kirigaya... Talvez... Talvez... Talvez eu nem deva estar aqui.

Meus pensamentos me afundavam e me chacoalhavam de lá para cá, de cá para lá, como um navio balança ao passar pelas ondas, um misto de sentimentos, dentre eles o enjoo, não somente metafórico, mas também no sentido físico da coisa, pelo visto tudo isso que aconteceu estava me deixando doente.

Por outro lado, eu podia ver a Zoe não conseguindo lidar bem com a morte da Naomi, visto que andava bastante triste e cabisbaixa, sempre chorando pelos cantos e nunca querendo sair do quarto, o que me deixava de coração partido, principalmente pelo fato dela estar me culpando muito por isso, tendo em vista a promessa que havia feito para ela, porém era algo que não podia reclamar pois além do fato de ela ser uma criança ainda havia o outro fato de eu ter prometido algo que eu não poderia cumprir com 100% de certeza. Isso me entristecia.

Luna, em contrapartida, estava exercendo o papel de terapeuta, ela quem estava me ajudando a lidar com tudo isso, bem como ajudando a Zoe a entender também o meu lado. A Zoe estava fazendo as sessões terapêuticas no quarto, agora tudo em casa, uma contramedida protetiva para evitar que algo acontecesse de novo, já que pelo visto o alvo era a Zoe e não a Naomi.

Hoje, resolvi não sair do quarto, não porque estava nevando, mas sim por não ter energias para levantar. Luna até tentou me fazer levantar, mas parou de insistir quando percebeu que eu queria ficar sozinha. Eu me sentia péssima, não era só a culpa que sentia, mas também o mal-estar geral do meu corpo, eu não dormia direito, quase todos os dias tinha pesadelos e me sentia doente. Eu estava doente, já faziam dias, eu estava doente e não queria falar para ninguém, mas hoje... Hoje eu estava bem pior. Hoje eu estava com febre e meu corpo inteiro doía.

Enquanto procurava pelo termômetro que havia deixado perto do criadomudo, acabei por encontrar o meu caderninho de anotações, o qual tomei em minha mão enquanto tirava a temperatura do meu corpo. Folheei o caderno como se folheia um livro, quase que sem parar para ler nada, até chegar na minha anotação do meu sonho, o que me fez parar e reler para relembrar o que eu havia escrito. Era quase idêntico, meu sonho me assustava de tão parecido com o que aconteceu com a Naomi, algumas coisas eram diferentes, mas a parte principal era igual, quase que uma profecia, mas, porém, eu não queria levar tudo isso para algo espiritual ou religioso, afinal, de nada adiantaria eu pensar muito sobre, não era algo que eu faria normalmente. Eu deixei de acreditar em Deus ou qualquer coisa que se comparasse.

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