02 | Dois passos para um beijo de ajuda

23 4 9
                                    

Certo

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

Certo. Eu nunca tive de fato boas experiências com relacionamentos. Ser lésbica, em Meia-Norte, era basicamente ter que se relacionar virtualmente com outras meninas.

Ao ouvir a pergunta, ou melhor, espécie barata de provocação (que infelizmente funcionou), senti todo o meu sangue ferver em vergonha e as pernas quererem vacilar mais ainda.

Loira ondulada, parda, estilo despojado largo, olhos esverdeados, estatura menor e um maldito sorriso ladino. Todas essas características compõem Isabella Maia. E é claro, a típica bolsa de pinguim, jogada para o lado. Sim, não bastava a blusa, ela tinha uma bolsa de pinguim, também.

Cada um com suas fixações.

- Ou eu entendi errado?

O sorriso aumentou. Eu precisava ser firme uma vez na vida, não é? Respondi:

- Não entendeu, não.

E, por algum milagre divino, ou só o tempo mesmo, Lina apareceu atrás de Maia, com a sobrancelha arqueada enquanto fechava a tampa da garrafa vinho que acabará de ser enchida.

- P-preciso ir - minha voz vacilou e a vontade de morrer aumentou gradativamente. Fui até Lina, agarrei em sua mão e saí em passos apertados, em um certo pânico, deixando novamente Isabella plantada em algum canto da escola.

(...)

- O que foi aquilo?

Lina praticamente me obrigou a pararmos em uma sorveteria pequena para tomarmos gelado enquanto eu contava o que havia acontecido. Quando terminei, a garota bateu a mão destra na própria testa, negativando em movimentos com a cabeça.

- Não acredito, podia ter rolado algo e eu interrompi!

Por um segundo, jurei que havia visto um sorriso intencional nos lábios de Lina, mas logo, ela voltou a falar:

- E agora?

Tombei a cabeça para o lado enquanto colocava a colher com o sorvete sabor morango com chocolate na boca. Não pensei no que seria após aquele diálogo e, sinceramente, apenas gostaria de fugir daquilo, pois sequer sabia se Maia queria me beijar ou apenas estava tirando uma com a minha cara.

- Acho que ela quer te beijar. Se não quisesse, não teria ido te provocar. - Lina comentou. Simplesmente comentou, fazendo com que eu arregalasse os olhos e me engasgasse com o sorvete. Em seguida, continuou: - Aé, esqueci que ti nunca beijou alguém.

Ok. Eu nunca havia beijado alguém mesmo. Nem uma garota sequer, mesmo aos 17 anos, porém eu havia deletado completamente isso da minha mente.

- Tenho uma idéia! Que tal se eu te ensinasse a beijar? Na amizade, claro.

- O que?!

(...)

Me sentia a beira de um colapso nervoso. Lina estava a dois passos de distância, se preparando para me ajudar.

Ela havia deixado claro que era apenas para eu ter um conhecimento breve antes de beijar Maia e eu nem sabia se isso iria acontecer de fato, mas aceitei, apenas porque seria uma experiência que eu nunca havia tido. E sim, talvez eu quisesse muito beijar uma garota.

Engoli a seco enquanto sentia o rosto de Lina se aproximando do meu; as respirações se misturando, os lábios juntando e iniciando um simples selar calmo.

A boca de Lina ainda tinha o gosto do sorvete de doce de leite que ela havia tomado mais cedo. Estavamos no quarto dela após sairmos da sorveteria, liguei para o vô, o avisando que ficaria um tempo na casa da minha melhor amiga e logo voltaria para casa.

O suéter em que eu vestia parecia ter esquentado meu corpo até demais. As bochechas queimavam, toda a pele queimava, os dedos se mexiam inquietos pelo nervosismo.

Lina me guiou. Pegou ambas mãos minhas e as posicionaram na cintura, sugerindo que eu apertasse um pouco. Eu apertei. Ela sorriu em meio ao selar e aprofundou o ósculo, inserindo a língua enquanto levava os braços ao redor do meu pescoço.

Era real? Beijar uma garota era tão extraordinário assim?

Sim, era. Ou, pelo menos, beijar Lina foi tão extraordinário.

O beijo acabou um tempo depois. Nos afastamos aos poucos. Meus lábios estavam entre-abertos: os olhos brilhando, em êxtase, e Lina não estava diferente, somente com o adicional de estar com um sorriso grande na face.

- Pronto, agora você sabe como vai beijar a Maia!

(...)

Repeti a cena em que beijava minha melhor amiga e experimentava o sabor de seus lábios diversas vezes em minha mente. Passei a noite em claro apenas pensando nisso e na possibilidade de beijar Isabella.

As seis da manhã, horário em que normalmente saia do banho, recebi uma mensagem de Maia no instagram.

Meu coração acelerou, até que bastante. Cliquei quase de imediato, não me importando muito se pareceria emoção ou não.

@maiabella: bom dia, marianna :)

@maiabella: ainda pensando em me beijar? ou já perdi a oportunidade?

Minha respiração prendeu por completo. Me revirei por toda a cama enquanto balançava os pés em um pânico lésbico involuntario.

Tirei print e mandei para Lina, em seguida, voltei para responder a mensagem de Maia.

@mariamendes: talvez tenha perdido. interessada?

@maiabella: talvez, e você, dá uma chance?

@mariaamendes: vou pensar no seu caso, Maia

Quem diria que uma fala totalmente impulsiva gerada por uma fala negativa anterior daria um flerte com uma garota da mesma cidade que eu?!

Mesmo com muito sono, a manhã inteira em Santamora passou comigo agitada, dando pulinhos pelos cantos e balançando os pés em ansiedade. Eu não havia dado nenhuma resposta ainda. Lina disse que era para eu a responder e que era para eu dar uma chance apenas se eu quisesse, sem pressão.

Eu já me sentia muito pressionada por mim mesma apenas de saber que sim, eu queria beijar Isabella Maia.

Mesmo se ela estivesse vestindo aquela blusa infantil de pinguim.

É apenas um beijo, não se emocione tanto assim.

Impossível! Era beijar, pela segunda vez, e beijar a garota mais odiada da escola após eu arrumar encrenca com ela.

Me toquei novamente de estar pensando no possível beijo sem sequer ter a respondido. Puxei o celular da bolsa – estávamos na última aula – e decidi dar uma resposta definitiva.

@mariamendes: pensei aqui no seu caso e acho que tem uma chance sim

Apenas alguns minutos depois, Maia respondeu. Senti novamente meu sangue ferver em ansiedade ao ver a resposta.

@maiabella: será que eu poderia utilizar da minha chance no parque central depois da aula?

@mariamendes: pode ser, me encontra no segundo bebedouro do lado esquerdo

Sorri, agitada.

- Lina! Tenho um encontro marcado! Não é de fato um encontro, mas Maia me chamou para ir para o parque depois da aula.

A de fios castanhos virou rápidamente, me encarando com a expressão assustada, qual logo se transformou em um sorriso amarelado e palmas falsas. Lina não parecia, de fato, estar feliz por mim.

- Isso aí, Anna! Me conta tudo depois, hum?

- Pode deixar, Lina! - sorri, batucando as unhas longas na carteira enquanto fantasiava sobre as seguintes horas.

Dois Passos e o Conto de InvernoOnde histórias criam vida. Descubra agora