O momento de agir

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Ray suspirou e coçou a nuca sem saber direito o que fazer.
-Elie... Por favor saí daí... Vai acabar se cortando!-

Ela apenas rolou nos cacos se deitando em posição fetal como se não tivesse nada ao seu redor
-Foda-se! Mais um corte não vai fazer diferença...-

O homem cobriu a boca tentando não perder a paciência, até que chutou com raiva os pedaços de espelho na frente dele.
-Escuta aqui, pirralha!
Tem três vidas em risco que já saíram das suas mãos, enquanto você está aí se lamentando! Então você vai se levantar e vai terminar o que começou!-

A garota finalmente olhou para ele um pouco impressionada com a irritação dele. A fantasma se sentou, olhou para os milhares de reflexos distorcidos e multiplicados pelo espelho. A sua imagem nunca a agradou, e agora gostava bem menos dela...
Ela finalmente ergueu o olhar e se levantou.
-Tudo bem... Eu já sei o que fazer!-

No quarto, Lucas estava cuidando do machucado de Nicolas.
Tentava ser o mais gentil possível, sabia que as crianças deveriam estar a beira do desespero nessa situação.
Sua presença até dava um pequeno conforto, nunca chegaria aos pés de Clara mas o cheiro de livro velho e jeito reservado dele remetia a um mordomo de conto de fadas.

Thomas, sentado na beira da cama, segurava a mão do seu melhor amigo rezando para que ele acordasse logo e se perguntando o que tinha acontecido enquanto todas as palavras que Elie havia dito corriam pela sua cabeça.
Uma luz se acendeu na sua mente e ele murmurou alguma coisa.
-Théo não sabe piscar...-

-O que?-
Os outros dois se viraram confusos para o ruivo. O que isso tinha haver com a situação? Será que ele estava ficando doido?

-Théo não sabe piscar!-
Ele se levantou com os olhos arregalados de alguém que acabou de desvendar um dos maiores mistérios do universo.
-Quando eu e Théo estávamos na cozinha, ele piscou para mim meio que brincando... Ele não sabe piscar! Já tentou várias vezes e nunca conseguiu!
E antes disso, quando eu fiquei preso naquele mundo, apareceu... Apareceu...-
Ele olhou para Nicolas e Lucas um pouco nervoso porque não tinha contado essa parte antes, mas ainda assim respirou fundo e completou.
-Tinha um cara exatamente igual a mim mas com os olhos brilhantes... Ele tentou me convencer a ficar lá e disse que só assim as coisas iriam melhorar... Ele disse isso e piscou para mim também...-

O moreno recuou um pouco, se lembrando do que Biatriz tinha dito a ele:
"Aquela não era eu, Nicolas! Do mesmo jeito que esse não é você..."

Tudo fazia sentido agora! O tal do Parasita consegue entrar na cabeça das pessoas se disfarçando de subconsciente...
Tinha uma grande chance de não ter sido Elie!
Talvez os meninos tenham cometido um erro...

Até que Nicolas ergueu o olhar perguntando da Clara, já que ela e Théo estavam sempre juntos, ela deveria saber de alguma coisa.

Os dois se entreolharam e falaram ao mesmo tempo.
-CADÊ CLARA???-

No momento mais conveniente, Ray abriu a porta ofegante e preocupado assustando todos que estavam no cômodo.
Lucas se levantou alarmado, e as únicas palavras que saíram da boca do policial foram:
-Vocês precisam ver isso!-

As crianças ficaram bastante relutantes... O principal motivo de tudo que aconteceu foi por terem se separado. Não queriam cometer o mesmo erro.

Até que Nicolas olhou para trás esitante antes de sair correndo porta afora.

O que viu deixou ele mais abalado ainda. Outros pedacinhos da sua esperança tinham se desfeito com quando pós os olhos na boneca quebrada.

Ele apressou o passo para se ajoelhar diante dela. Seus olhos negros tinham um brilho penoso... Mas não conseguia chorar. Isso era até meio frustante....

Ele voltou para o quarto de Elie com a chave na mão, e sobre a camisa esticada, o amontoado de porcelana e tecido que havia sobrado da única adulta realmente confiável daquele lugar...

Thomas não entendeu direito o que era aquilo que ele segurava tão triste...
Até que seus olhos ficaram assustados e sentiu um choque pela segunda vez naquela noite.
Se é que ainda estava de noite!

Ele não saiu do lugar mas seu lábio tremeu enquanto balançava a cabeça.
-Não... Não...-
O garoto afundou o rosto na colcha da cama, e a única coisa que saía da sua boca era vários "nãos" baixinhos e chorosos...

Nicolas colocou os cacos cuidadosamente em cima da cama e chegou perto dele meio sem saber o que fazer.
Ele mordeu o lábio e coçou a nuca com um olhar de pedido de ajuda, olhando ao redor.

Até que ele cutucou a cabeça do ruivo. Quando Thomas se virou desanimadamente e viu a chave na mão dele, o menino finalmente levantou o olhar.
-De onde veio isso?-

-A gente... Tava no meio dos pedaços da Clara...-

Lucas percebeu a dificuldade de Nicolas para explicar e completou a fala se aproximando um pouco.
-Pelo visto ela era uma dos guardiões das chaves. Aberrações que escondem elas...
Sinto muito. Ela não morreu, mas se espatifou tanto que não dá nem mais para montar denovo e o Parasita já deve tá sabendo...
Ela sabia que iria terminar assim, Clara se sacrificou para dar isso a vocês!-

O garoto de cachos ruivos segurou a chave contra o peito e agradeceu denovo, não só para o bibliotecário mas também para Nicolas e Ray. Agradeceu por tudo o que fizeram até agora. Finalmente tinha caído a ficha de que ele poderia estar morto se não fosse toda a ajuda que havia recebido desde o dia que pisou naquele lugar amaldiçoado.

Nicolas balançou a cabeça e se sentou ao lado do amigo, colocando a mão no ombro dele.
Agora tudo estava resolvido...? Agora eles finalmente iriam embora dalí.

Enquanto isso Elie iria colocar o seu plano em prática, mas precisava dos meninos para isso.
Ela suspirou profundamente enquanto arrastava atrás de si o machado que balançava um pouco com o desnível das tábuas de madeira. Denovo, não tinha nem a aura sombria e nem o sorriso no seu rosto...

A fantasma bateu na porta cuidadosamente e Ray abriu, ficando um pouco surpresa ao realmente ver-la alí, mas deixou ela entrar.

A menina entrou sem falar nada e olhou para os meninos com um olhar calmo e compreensivo e ainda segurando o machado.

Eles estranharam e já iam perguntar o que ela estava fazendo com aquilo, quando ouviram Théo arfar e se mechendo um pouco.
Logo o menino se levantou ficando sentado na cama com os olhos assustados e confusos e meio ofegante.

-THÉO!!??-
Todo mundo no quarto exclamou, surpreso.

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