CAPÍTULO 2

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Jorge

Antes...

Não era nem a quarta ou nona vez que o tubarão cabeça-chata me encarava com demasiada desconfiança, estava sendo difícil deixar ele calmo, mesmo que grande parte do pessoal da reserva tenha gostado e simpatizado comigo.

Corrigindo: foram seduzidos por mim.

Não era nem por maldade, algo mais irresistível no meu charme de bom moço, e eu era uma pessoa boa dentro do que eu considerava ser bom, e por medo de viver sozinho me acostumei a ser simpático com todos, uma vida solitária não era algo que eu almejava continuar tendo.

O Shark continuava teorizando que eu era algum tipo de charlatão prestes a engana-lo e a arruinar sua vida. O que não era de um todo mentira, mas passear pelo seu território não estava na linha dos planos de alguém, tampouco dos meus, mas cá estava eu pela terceira vinda a praia logo após o primeiro incidente naquele fatídico dia onde quase fui interrogado até a morte e mesmo assim o tubarão não tinha ficado satisfeito, além de me proibir chegar a cinco metros de distância da sua companheira.

— Aqui, coma mais um pouco. — Eu deixei a porção bem arrumada de camarão sobre a mesa e ele me olhou com várias dúvidas rodeando a sua cabeça.

O Shark estava tão desconfiado que tentei deixar ele relaxado com comida, isso sempre dava certo.

— Onde aprendeu a cozinhar? Enganando seus irmãos postiços para serem devorados?

— Só por que sou uma criatura híbrida não significa que consigo comer outra coisa além de krill. A minha baleia não tem dentes, portanto sou incapaz de morder algo maior do que uma estrela do mar, quer dizer, também não posso dizer que mordo. E nem adianta fazer essa cara feia para mim, já vi shifter de peixe abissal, oh troço feio, que a minha irmã Beny me perdoe por falar mal dela, tadinha. — Me sentei de frente para ele e abri um sorriso divertido.

— Ainda não respondeu a minha primeira pergunta.

Oh peixinho difícil de conquistar!

— França, eu deveria ter uns vinte e três anos, fiz gastronomia por oito anos, daí larguei para estudar num colégio militar por dez anos, quando saí estudei e me formei em Harvard em arte, daí me cansei da vida de pintor e passei um tempo entre a Tailândia e as Filipinas estudando muay thai, depois fiquei bastante tempo na Antártida. — Fiz um resumo pequeno.

— Então você teve uma vida bastante emocionante, não é?

Emo... Ção?

Olhei para o prato na típica mesa de plástico de bar e pensei um pouco antes de responder. Por mais que eu tenha dado essa resposta inúmeras vezes a várias pessoas diferentes, dessa vez eu senti que precisava colocar o tubarão para pensar.
Ele era alguém que exalava um cheiro de solidão, não por dentro, seu interior estava repleto de amor possessivo por sua fêmea, mas por fora, as marcas em seu corpo e na sua expressão denunciavam as cicatrizes de uma vida que esteve vazia por muito tempo.

— Antes de eu responder a sua pergunta, qual foi o dia ou o momento mais emocionante da sua vida? Me refiro a emoção que você fez questão de guardar e sente como se isso fosse algo que você jamais desejaria que sumisse.

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