Cinco

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Quinze meses depois

Estava tudo bem. Ana e Nero já não me causavam arrepios, Drik e Louis ganhavam uma boa grana, até o suficiente para Tate voltar a estudar. Eu começaria a escola nova em uma semana, mas não sentia nada de entusiasmo. O ambiente escolar sempre me pareceu hostil.

No primeiro dia de aula, Louis me levou. Tínhamos feito um tour uma semana antes, então ele só me entregou a mochila, beijou minha testa e desejou boa sorte. Eu devia ir até a sala da coordenadora para a orientação. A camisa coçava, a saia parecia curta demais, mesmo que chegasse aos meus joelhos e eu usasse shorts por baixo. Quase gritei por meu irmão, mas não era novidade. Eu mudava de escola uma ou duas vezes por ano, mas nunca estudei num lugar tão... renomado.

Passei um ano estudando em casa. Nero tinha medo de que meus Impulsos me levassem a reagir agressivamente, quando doesse demais para me conter. Tinha uma pulseira agora que sempre que um Impulso era demais, ela absorvia parte do impacto. Era até estranho a calmaria depois que me acostumei. Era um cordão de pedra preta, que Ana disse ser anotetista, criada pelo próprio Opras, a personificação das pedras. Acho que nem eles, Setedys, sabem porque os Impulsos causam tanta dor.

A coordenadora era uma mulher pequena e bonita, com cabelos ruivos e óculos de aros grandes e redondos. Ela sorriu para mim, procurou meu nome no sistema e entregou meu horário junto com alguns livros didáticos.

Poderia esperar muitas coisas do ensino médio. Estar com o uniforme torto, o cabelo sujo, errar a sala de aula, até ter Impulsos fortes demais. Mas nada me preparou para o que aconteceu.

Encontrei a sala 202, onde teria as aulas de matemática e biologia, e logo após, intervalo. A maioria já tinha seus grupos, conversando e rindo, atirando papéis e canetas por aí. O professor de matemática, sr. Vastro, tinha cabelos ralos e parecia ter a idade de Nero. Usava camisa social e uma gravata da cor da minha saia, e parecia deslocado. Como se seu lugar fosse numa instituição acadêmica mais adulta, não um colégio.

A cadeira ao meu lado foi preenchida por outra garota, que chegou poucos segundos depois do professor. Ela tinha cabelo colorido, verde, rosa e azul, e usava óculos de aro redondo. Linda, simplesmente linda, e precisei me lembrar de fechar a boca antes que me encarasse. Ela exalava frio, e não tive dúvidas. Ela era como eu. Tinha Impulsos.

— Oi — disse ela — Você é nova, né?

— Ahn, sou.

— Meu nome é Meymir.

— Bárbara.

Ela me olhou de cima a baixo, o ar gélido ao seu redor pareceu me engolir. Torci para nenhum Impulso se apoderar de mim agora. Apesar do casaco e das meias 7/8, eles costumavam correr por meu rosto, e isso eu não tinha como esconder nem com maquiagem. A pulseira de anotetista estava escondida sob a manga da blusa, e entre cinco pulseiras da mesma cor. Talvez uma tornozeleira por dentro das meias fosse melhor. Tamborilei os dedos sobre o livro de geometria, esperando.

— Bom dia, turma — disse Vastro, sorrindo — Temos uma aluna nova esse ano em nossa sala. Senhorita Bárbara Alles, poderia se apresentar?

— Alles? — exclamou alguém — desde quando os Alles têm filhos?

A família com quem eu morava era a mais bem sucedida do país na produção de vinhos, muito provavelmente por causa dos Impulsos de Ana. Respirei fundo, enfiando as mãos nos bolsos da saia para evitar que tremessem.

— É. eu — pigarrei — Sou adotada. Meus pais não... eles... bem, não estão aqui.

Alguns murmúrios de choque ou pena foram ouvidos por mim. Meymir me encarava com um sorriso de canto, e lentamente voltei a sentar em minha cadeira. Vastro conseguiu o controle da sala novamente, mas parece que era um consenso de que Ana e Nero eram um casal recluso, talvez até vampiros, e não fazia sentido adotarem uma pré-adolescente. Franzi as sobrancelhas e abri o livro na página indicada, batendo a perna na mesa com um Impulso na minha coxa. A anotetista não os impedia, apenas diminuía a incidência.

As aulas demoraram mais do que era certo. Parecia que as horas se estendiam por mais horas e que nunca iria acabar. A professora de biologia falava tão baixo que quase mudei de lugar para ouvir melhor. Fui à procura do meu armário - divisão A3, o de baixo, no fim da fileira. Suspirei, sob o peso de todos os livros que carreguei até ali, já que não tive tempo de procurar antes.

O metal era azul e tinha uma placa com meu nome. Bem, com o nome Bárbara Alles escrito em um pedaço de papel. Me ajoelhei e enfiei os volumes de um jeito meio aleatório, além de um caderno e de uma troca de roupa, que Tate me convenceu que seria útil em algum momento. Colei uma cópia do meu horário do lado de dentro do armário, coloquei a mochila nos ombros e levantei. E então o vi.

Ele estava mais alto. Disso, eu tinha certeza, porque quando o vi pela primeira vez, tínhamos a mesma altura. Ainda tinha aqueles olhos verdes como esmeralda, o cabelo escorria pela testa. O pingente do Círculo pendia de seu pescoço. Dei um passo para trás, mas ele estendeu o braço.

— Não corra — sua voz era mais grave do que deveria.

Olhei em volta, a respiração fora dos eixos. Meu coração batia rápido demais. Espalmei uma mão no armário ao meu lado, a outra criou uma barreira entre nós.

— Não pode ser... — murmurei — Eles... não pode ter sido tão rápido. Como... como?

— Garanto que foi coincidência. Eles não sabem que está aqui.

— Não sabiam, você quer dizer.

— Stela, pode deixar eu...

— Não — apontei um dedo para ele — Esse é seu primeiro aviso. Não chegue perto de mim novamente.

— Ah, não? — o garoto estalou a língua, o pingente refletiu a luz do teto. Ele aproximou dois passos, ágil demais.

— Segundo aviso. Pare.

Ele sorriu. Seus olhos brilharam. Um Impulso passou por meu rosto, e quase disparei o raio no garoto.

— Não chegue no terceiro — falei, e saí correndo.

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