Quinze

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O ginásio estava destruído. O Círculo não estava em lugar nenhum. O Conselho estava. Eu não sabia quantos eles eram no total, mas ali se apresentavam dez. Reconheci Tysde, obviamente, Opras, o Setedys das pedras e Euryke, a mãe de Ana.

Meu corpo estava tomado em cicatrizes. Como se raios vermelhos corressem em toda minha pele. Sangue ainda pingava do meu nariz em grande quantidade. Tentei dar um passo à frente, mas meu corpo colapsou, e caí de cara em alguém. Tim, que estava perto o bastante para me ajudar.

— E agora? — perguntei, com dor. O gosto de sangue me dava ânsia.

— Auristela Kiran — chamou Nipris — E Timothy Sanches. Por favor.

Nós dois demos alguns passos à frente. Duas violações.

— Timothy, nascido fora do regime dos cinco anos, Filho de Syhrea.

— Sim, senhora.

— E Auristela, minha Filha, e Filha de Tysde, com dois Impulsos.

— Sim.

— Esse tipo de coisa não acontece há séculos, e certamente nunca dois casos distintos ao mesmo tempo.

Antes que minha mãe pudesse continuar nossa suposta punição - embora não sei se devêssemos ser punidos já que nenhum de nós cinco, Eu, meus irmãos ou Tim, pedimos para nascer - avistei o corpo. Com um buraco do tamanho do meu punho no peito, e tanto sangue em volta que parecia mergulhado em tinta, estava Thales. Soltei um grito e corri até lá. Então foi ele. Ele quem se atirou na minha frente quando Renan usou o vento. Ele se sacrificou. Ajoelhei sobre o sangue, ao lado do corpo, e toquei suas costas, a pele ainda morna. Em sua mão, um papel dobrado. Peguei. Era uma pequena nota.

"Auri. Me perdoe."

Só isso. O sangue que pingava de meu nariz se misturou ao dele no chão, e também minhas lágrimas. Até que alguém me puxou gentilmente e me afastou da bagunça que era o corpo de Thales.

Timothy me acomodou em seus ombros enquanto eu chorava a perda de um grande amigo. Bem, de alguém que pensei ser meu amigo.

— E agora? — repeti, me sentindo cada vez mais exausta — E agora?

— Se acalme, Stela — pediu Tysde, gentil — Está tudo bem agora.

— O que fizeram com o Círculo?

— Minha pequena Tormenta — minha mãe se aproximou, sua pele brilhava como o sol, radiante agora que sua fonte de energia estava livre — Sabe o que acontece quando um Filho morre? Ele volta para nós como partes de nossos domínios. Meymir agora é névoa, Renan é uma brisa. Não se lembrarão de suas vidas mas pode ser que um dia voltem a viver.

— Vocês simplesmente os mataram?

— Foi uma escolha deles. Perder seus Impulsos ou começar de novo como humanos.

— Achei que todos perdiam ao serem rejeitados.

— Oh, isso faz parte do "histórias do irmão mais velho para manter o mais novo na linha" — comentou Drik — Desculpa.

— Mas Thales não tem poderes.

— Ele tem — Alya se pronunciou — Mas também era um caso à parte. Seus Impulsos não se desenvolveram como deveriam.

Fiz careta, cansada demais para retrucar.

Alya, a mãe de Thales, se aproximou do corpo e beijou-lhe a cabeça, irradiando um brilho frio que logo tomou todo o cadáver. Thales se tornou uma estrela, e desapareceu. Enxuguei uma lágrima, tentando me convencer de que estava em um lugar melhor.

Eles nos explicaram que apenas poucos membros do Círculo seriam lembrados, uma vez que alguns como Renan, Julia e Alista não tinham mais família e viviam apenas para o Círculo. Meymir e Thales tinham amigos, pais adotivos, irmãos até, e seria difícil demais acabar com a memória de todos. Eles seriam dados como mortos em um acidente de carro durante uma viagem, junto com Dail, um outro membro do Círculo que teve uma filha para se lembrar dele.

— Como vocês não têm culpa das condições que nasceram — Syhrea se manifestou — Não podemos puni-los por isso. Mas podemos oferecer um acordo. Se quiserem vidas normais, podemos pegar os Impulsos de volta.

— Eu quero — disseram os gêmeos ao mesmo tempo.

— Eu tô de boa — disse Timothy, ainda me abraçando — Gosto de poder respirar debaixo d'água.

— Eu gosto dos Impulsos — disse Drik — Prefiro mantê-los.

— Eu também — sussurrei — Os dois.

Com um sorriso, Tysde se aproximou de Tate e Nipris, de Louis. Tocaram suas testas nas dos garotos, e sussurraram alguma coisa. Os dois soltaram gemidos de dor, mas em poucos segundos, estava feito. Humanos normais. A única coisa que mudara era que agora, Tate e Louis tinham olhos castanhos. Não mais o azul esbranquiçado e frio que eu e Drik exibíamos. Pareciam mais leves, isso eu podia dizer. Sem pensar, apertei Timothy em meu abraço.

— Achei que você não ia aparecer. Não do nosso lado.

— Seus irmãos são legais — Tim deu de ombros — E não me denunciariam para o Conselho por ter nascido antes dos cinco anos. Dois Impulsos... isso é bem interessante. Quem estou querendo enganar, eu adoro estar com você.

Timothy segurou minhas bochechas e me beijou. Sim, ele me beijou! Era mais tímido, mais leve, mais... oh bem, eu tenho quinze anos. Só tinha beijado uma vez. Não sei como tinha sido para Timothy mas ele pareceu me entender. Nada de língua, nada de movimentos estranhos. Mesmo assim, meu coração disparou.

Com um revirar de olhos divertido, me afastei e me deixei cair nos braços de Tate. Ele apertou como se não não nos víssemos há dias e bem, era isso mesmo. Três dias tinham se passado na escuridão, e eu apagada.

— Podemos ir pra casa?

— Tem certeza de que quer manter os dois Impulsos, Tormenta? — perguntou papai.

— Sim. Quero ver o que posso fazer.

O Conselho meneou a cabeça e da mesma forma dramática como apareceu, se foram. Com um suspiro, virei para meus irmãos, sentindo um alívio tremendo ao vê-los ali, vivos e inteiros.

— Eu amo vocês.

— Eu também? — Tim exclamou — Que fofura! Também amo você, ou seu ato heroico, mas dá no mesmo.

— Cala a boca.

Juntos, nós cinco fomos para fora, já que estávamos exaustos. Tinha um carro esperando nas proximidades.

— Como foram os dias de Noite?

— Frios. Muito frios — resmungou Tate — As pessoas não entendiam, os jornais não sabiam explicar o fenômeno, várias cidades entraram num estado de histeria coletiva.

— É, ainda está um pouco gelado.

— Vai melhorar. Nipris tá fazendo o melhor que pode pra que a Terra volte ao normal de maneira segura. Euryke vai ajudar com as plantas que morreram... todos os Setedys unidos pela humanidade. Lindo, não?

— Como um cartão de natal.

— Aliás — Louis, ao meu lado, me estendeu uma caixinha — Feliz aniversário.

Abri. Um colar com um pequeno pingente - um sol com um raio no centro - feito de cobre. Sorri.

— Mas como... nem eu sabia dos dois Impulsos.

— Nem nós. Era uma representação do papai e da mamãe, mas acho que pode ter outro significado agora.

Agradeci. Drik deixou Tim em casa, que sorriu em agradecimento e apertou minha mão. Então, voltamos para Ana e Nero, nossa família. O ginásio destruído, as pessoas que morreram, era tudo uma preocupação para outro dia.

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