Oito

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A nuvem se desfez em raios, vento e dor. Desmaiei logo depois. Minha sorte é que era sexta-feira, porque fiquei desacordada por vinte e nove horas. Acordei na metade do domingo, um tecido molhado sobre a testa. Estava vestida com o robe de algodão azul, sem nada por baixo. Um lençol também azul bem leve estava sobre mim, do peito para baixo, então estava protegida de olhares alheios.

Lembrava de ter desmaiado na cozinha, mas despertei em meu quarto, a janela aberta, a luz do meio-dia se infiltrando pela cortina fina. Pisquei, com dor de cabeça, toquei o tecido. Estava com frio e calor ao mesmo tempo. Febre, talvez.

Olhei em volta. Tate dormia no sofázinho de leitura que tenho logo embaixo da janela, encolhido por ser maior que o móvel. Sobre a mesa de cabeceira, um arranjo de flores coloridas e pequenas, com uma etiqueta com o nome de Tysde. Quase peguei o cartão, mas meu corpo todo doía. Soltei um gemido e meu irmão prontamente levantou a cabeça. Os olhos cor de gelo levaram um momento para focar em mim. Tate fungou e se levantou, ou melhor, rolou para fora da cama, caindo no chão com as pernas separadas, parecendo uma criança. Vestia calça de moletom e camiseta preta, o cabelo escuro estava bagunçado pelo sono e pela leve brisa que passava pela cortina.

— Oi — disse ele, devagar — Deve ter doído.

— O que aconteceu? — Minha voz soava toda errada, minha garganta ardia. Tossi, e rapidamente Tate levantou e pegou um copo de água para mim.

— Sua Ascensão. Tysde disse que nunca viu nada parecido.

— Em que sentido?

— Poder. Dor. E tempo. Ainda faltam semanas pros seus quinze anos. Ele chegou a dizer que seus poderes se igualam aos dele, mas não sei se é verdade. Quer dizer, você nunca tentou. Não dá pra ter certeza.

Acho que se eu estivesse bem, empinaria o nariz e m sentiria orgulhosa de ter Impulsos tão fortes. Mas no momento, só sentia dor. Voltei a dormir sem perceber, só acordando pouco antes do jantar. Mantive os olhos fechados, sentindo Drik deitado ao meu lado, acariciando meu cabelo.

— Eu disse que seria ruim — ele sussurrou — Ela é forte demais.

— Sempre soubemos disso — essa voz era de Tysde — Mas nunca achei que Ascenderia tão cedo. Nunca aconteceu antes.

— É complicado, não podemos escondê-la para sempre. O Círculo já está por aqui, inclusive.

— Sei. Eu sei. Tem que ensiná-la a usar os Impulsos. Auristela tem capacidade pra destruir cidades inteiras. Sabendo controlar seus poderes, o Círculo vai ser só uma pedra no sapato. Bem, tenho que ir. A notícia de uma Filha com poder de Setedys já chegou no Conselho. Preciso apaziguar a situação. Confio que você e os gêmeos têm o necessário para ajudá-la.

— Sim, nós damos conta.

Tysde saiu pela porta como uma pessoa normal. Abri os olhos, observando o maxilar rígido de Drik. Toquei-o, e meu irmão deu um salto surpreso.

— Ah, oi.

— Solta a mandíbula, vai machucar.

— É, tem razão. Como se sente?

— Diferente.

E era verdade. Eu via os reflexos dos meus Impulsos no teto, no rosto de Drik, mas não sentia nada. De alguma forma, eu sabia quando aconteciam, mas não sentia. Era estranho não doerem. Abri e fechei as mãos.

Drik continuou passando os dedos pelo meu cabelo, perdido em pensamentos. Estava cansado, aparentemente, e talvez estivesse fazendo hora extra no trabalho. Era o que fazia quando estava sobrecarregado, se sobrecarregava mais ainda. Não tinha como fazê-lo parar.

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