Catorze

6 2 0
                                    


Acordei no colégio, mais especificamente na quadra. Ao me sentar, meus tênis guincharam. Nenhuma luz entrasse pelas janelas, tudo era iluminado pelos refletores de jogo, com uma nuance fraca o bastante para não me fazer fechar os olhos. Me coloquei de pé, ainda desnorteada. Aos tropeços, me aproximei do relógio digital enorme acima da tabela de basquete: 9h da manhã, três dias depois do meu aniversário. Franzi a testa. Estava escuro como se ainda fosse madrugada. A Noite sem Fim tinha mesmo começado. E há bastante tempo. Meu corpo tremeu, finalmente registrando o frio do lugar.

Olhei em volta. parcialmente iluminado e vazio, o ginásio parecia quase assombrado. Uma massa no chão se assemelhava a uma pessoa, e a figura se mexeu. Prendi a respiração. Tateei o corpo, e encontrei meu celular. Minha bolsa não estava em lugar nenhum então quem quer que nos trouxe até aqui, confiscou ou largou no táxi. Mandei uma mensagem rápida para meus irmãos.

Auri: Estou no ginásio do colégio, não sei o que aconteceu

Drik: Sais, você tá viva! Que bom, que bom, já faz três dias

Drik: escuta, não temos tempo. A Noite aconteceu.

Auri: Percebi. O que eu faço?

Drik: Preciso que os enrole. Não sei o que podemos fazer, Tysde está no Conselho e...

Drik: Parece que Nipris foi sequestrada. Sem o sol, ela fica fraca.

Auri: apagaram o sol?!

Drik: algum Filho da noite está com o sol sob uma massa de escuridão. Enfim, se projeta. Estamos indo.

Apaguei a tela ao ouvir um gemido. A pessoa se virou, ao mesmo tempo que um único holofote se iluminou ao máximo. Fechei os olhos, acostumada ao escuro, com dor de cabeça pela mudança repentina. Agora a figura no chão estava sentada. Thales. Enfiei o celular de volta no bolso de maneira discreta - afinal provavelmente estávamos sendo vigiados - e corri até ele.

— Ei, Thales. Nossa, pegaram você também.

— Auristela.

Foi aí que percebi que tudo estava errado. Meu coração se partiu como um fio de cabelo puxado com força demais. Eu nunca disse a ele meu nome de nascença. Retesei a coluna, pronta para o fim da frase:

— Eu sinto muito.

As demais luzes se acenderam, e por fim, quem eu evitei por anos apareceu. Renan, o Filho do Vento, e toda sua trupe que chamava de Círculo. Engoli em seco, buscando rapidamente por Tim, que não estava ali. Mas Meymir estava, os olhos manchados de preto, o sorriso afiado como navalhas. Fechei os olhos, frustrada, magoada e também, desafiada. Estava sozinha nessa.

— Não achei que seria tão fácil manipulá-la, querida — Renan se aproximou, vestido exatamente com a mesma roupa do dia que invadiu minha casa dois anos atrás — Uma amiga, um namorado, e pronto?

— O que Thales tem a ver com isso?

— Ora, Stela — Meymir parou ao meu lado, percebi que o Círculo fechava... um círculo ao meu redor — Ele sempre soube de tudo. Sabe como é fácil para um Filho da noite... manipular?

Thales rodeou a cintura de Meymir com os braços e a beijou profundamente. Senti meus lábios se repuxarem em nojo. Thales mentira pra mim. Lágrimas quentes escorriam por meu rosto, Impulsos cobriam meus braços. Estava quente, tudo estava quente. Minha pele, meu sangue, meus ossos.

— Eu poderia até dizer que meu maior dom é a hipnose.

Resisti a um soluço. Thales parecia distante, mesmo com os dedos ao redor da mão de Meymir. Estaria ele em um transe? Como se uma resposta à minha pergunta interna, ele chacoalhou a cabeça, voltando a si. Olhou em volta, assustado, e soltou a mão da garota com certa força.

IMPULSOSOnde histórias criam vida. Descubra agora