Ramiro caçou a noite toda. Existiu um tempo em que Nova Primavera inteira temia ouvir o barulho de sua caminhonete pela madrugada, mas era um passado distante agora. Reservava a caça para momentos difíceis, como quando Raimunda fugiu com outro homem, ou quando sua mãe se negou a se mudar para Nova Primavera. E agora, que não tirava o maldito ruivo da cabeça, gostava de Kelvin, gostava mesmo, e sabia de seus desejos por homens desde novinho.
Mal tinha chegado à puberdade quando, por algum motivo, ficou obcecado por um dos atores de uma novela. Pensava nele como nunca, tinha Lázaro Ramos, que jurava admirar pela luta e o trabalho, mas sabia que tinha algo a mais ali, ainda mais porque tinha inveja da esposa bonitona dele. Os casos que tinha, para alívio, sempre foram algo rápido e com pessoas que podiam se esconder, entendiam que ia ser aquilo, alguns amigos até casarão.
Ouviu um barulho de galhos; sabia, pelo som, que era um porco do mato. Armou a espingarda, abaixou-se à espera. Mas Kelvin era algo. O que Ramiro não sabia dizer, nem sobre a mira de uma arma, mas em pouco tempo, Kelvin curou buracos dentro de seu peito, nunca ninguém cuidou dele como o ruivo cuidava. Ao mesmo tempo que pensava que pagaria milhões para sempre ter a sensação que teve aquela tarde, aquilo que foi mais que alívio, foi mágica.
O porco apareceu, na hora que Ramiro ia atirar, o som do ruivo gemendo veio em sua mente. O porco grunhiu correndo em direção a Ramiro, acertou um tiro certeiro na testa dele. Arrastou o corpo até a caçamba, o corpo dele fazia companhia a duas capivaras e uma anta.Aquilo não era uma caçada de ódio ou raiva. Era de paixão, um paixão que negava admitir a si mesmo. Não estava chateado por Kelvin ter se entregado ou avançado, estava chateado por Kelvin fazer aquilo porque achava que tinha "que fazer". Era isso que revirava o estômago de Ramiro. Queria um cervo, isso sim. Se engrenhou no mato mais uma vez atrás dele.
Era lento, mas sabia que os olhos do ruivo não tinham amor, tinham obrigação. Ramiro era muita coisa nessa vida, mas não um cafetão, nem um aproveitador. Se Kelvin não o queria, por que ainda estava de joelhos? Por que ainda tinha aquela mão dentro do short, aqueles olhos castanhos claros que lembravam o céu em tempestade.
Respirou fundo, tentando encontrar pegadas de cervo. Nada. Pela primeira vez na noite, o silêncio invadiu sua cabeça. Lembrou dos benditos sanduíches, de como ele deve ter feito como fonte de manipulação. Kelvin era meio ingênuo ao achar que Ramiro não percebera isso. Betânia na TV, o tereré, os pãezinhos. Riu para si, mas logo lembrou de fazer silêncio. Kelvin devia pensar que Ramiro nunca tinha lidado com aproveitadores antes.
Fazia apenas seis anos que tinha herdado suas terras, mas eles vinham como praga, muito pior que os vermes na plantação. E Rams, de certo modo, queria acreditar que todo aquele afeto era genuíno, queria mesmo. Tomava o tereré mesmo não estando certo, dava tudo que ele queria, todas as roupas, Berenice. Mas não era um abestado; podia ler as entrelinhas, via a cobiça nos olhos de Kelvin, via como usava o corpo. Mas o que podia esperar de uma puta.
Ajustou a arma, mas nada de pegadas ainda. Seguiu mais para dentro da mata, nunca se perderia ali; já caçou coisas mais inteligentes naquela floresta. O que mais machucava o homem que agora estava quase na mata fechada não era ter sido manipulado, mas saber que estava sendo e mesmo assim cair, por escolha própria, por simplesmente não conseguir resistir ao ruivo.Pensava em apenas se entregar, que fosse manipulado e feliz, mesmo que o mundo se acabasse, que Kelvin der um homem fosse um fato irrelevante. Mas aquilo não combinava com o coração de ouro que tinha.Viu a luz preenchendo a mata, a lama secar. Era dia, precisava ir para casa. Saiu derrotado sem seu cervo.
Precisava falar com Kelvin, oferecer um bom dinheiro para que ele fizesse uma vida longe dali. Ia ser honrado, quebrar seu próprio coração, mas manter sua honra, seu lugar de macho, e não se deixar ser manipulado de novo.
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Purgatório
FanficRamiro resgata kelvin da prostituição o tornando seu braço direito na Fazenda La selva, que recebeu de herança.