[ua] O terno azul

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Ramiro desceu do jatinho em pleno aeroporto de Congonhas em São Paulo. Via a selva de pedra com seus próprios olhos pela primeira vez e não acreditava na magnitude daquilo. O cinza, o barulho, o vai e vem de aviões, carros quase o deixaram tonto. Seguiu Antônio para um carro suv todo preto.

O carro passava com pressa pelo trânsito e ele nunca imaginou que existisse tantos carros! Ficou admirando os prédios, alguns tortos, outros redondo a maioria de vidro. Não podia acreditar estar ali, sempre foi um homem simples e da roça. Jamais trocaria um cantinho de terra por um cantinho enfurnado em uma jaula na capital.

O carro deu seta e adentrou em uma garagem subterrânea. Ramiro inconscientemente prendeu o fôlego, nunca antes esteve de baixo da terra!

Quando abriu a porta para sair do carro o moreno estava uns três tons mais branco.

- Deixa de frescura, Ramiro. - Antônio saiu do carro percebendo o estado do homem - Eu vou pra reunião. Trate de não me importunar - Colocou o chapéu - E vê se liga pra sua mãe que eu não tô com cabeça pra lidar com os chiliques da Irene - Saiu com um segurança vestido de terno em seu encalço.

- E eu faço o que? - Ramiro falou alto para o homem ouvi-lo a distância.

- Como se eu me importasse... - As duras palavras foram ouvidas mesmo o velho já estando dentro do elevador.

Ramiro suspirou derrotado. Não podia esperar nada menos de seu padrasto, entrou no carro novamente, onde o motorista se mantinha atrás do volante.

Sim, ele era o primogênito de Irene. Que escondeu esse segredo por mais de três décadas. De todos. Inclusive dele. O que mais saiu machucado dessa situação, já que trabalhava para Antônio e sempre foi mau tratado pelo patrão quando menino. O tratamento direferenciado começou após seus vinte anos. Quando já havia se formado na escola há algum tempo, Irene que mantinha o segredo intacto o fez prestar uma prova para ir a faculdade de agronomia. Ramiro nunca gostou de estudar. Mesmo sempre estando entre os melhores da classe. Preferia a prática do que a teoria. Se formou mas ninguém entendia a preferência da mulher do patrão pelo peão. Surgiram boatos de que eram amantes. E todas as teorias foram por agua abaixo quando Antônio desconfiado fez um teste de DNA em segredo.

E lá estava a prova incontestável.

Ramiro era filho de Irene.

Com receio do que essa informação poderia fazer na vida de Ramiro, Irene comprou um pedaço de terra com uma fazenda para o filho. Ramiro não conseguia encará-la. Se jogou na estrada com uma caminhonete roubada da fazenda, pois a sua era velha e não aguentaria a viagem sem destino que pretendia fazer, e nem pensava em voltar. A caminhonete verde foi a única coisa realmente sua que entrou na fazenda que no papel era dele. Nunca entrou pela porta. Não parecia certo. Não parecia seu. A caminhonete surrada, não tinha ar condicionado, um vidro estava emperrado e tinha um problema crônico no câmbio. Mas era sua. Comprada com seu suor e suas lágrimas. Comprou para as diversas viagens entre Nova Primavera e a cidade que estudava.

Hoje sua relação com Irene havia mudado drasticamente. A mulher que o encontrou bêbado em um fim de mundo após seu sumiço repentino não parecia a mulher que se habitou a chamar de patroa. Aquela mulher parecia mais humana sem as joias e a maquiagem, o cabelo antes sempre solto e bem definido foi amarrado de qualquer jeito com uma prisilha. Essa mulher sim o tirou de uma escuridão em sua mente, e o convenceu a voltar a Nova Primavera para trabalhar num cargo menos precário.

Depois de viver o inferno dentro da própria cabeça é que entendeu a situação de Irene que trabalhava como mulher da vida no bar que Ramiro frequentava meramente por aparência. O naintandei.

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