Em meio a tempestade

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Não tinha noção de quanto tempo estava no banheiro a vomitar. Era muita informação para acreditar e assimilar. Meu pai havia realmente cometido aqueles crimes? Eu não tinha mais nada para pôr para fora, mas meu estomago não concordava com isso. Do lado de fora, ouvia uma movimentação, a campainha tocava de tempos em tempos, o telefone não parava de tocar. O local que sempre foi meu santuário, havia se tornado um inferno. Queria sumir, esquecer tudo que havia sido dito. Experimentos com humanos, tortura, mutações genéticas forçadas, tudo por motivações políticas e a ideia de ser tornar Deus por meio da ciência. Tudo parecia ter saído de um filme de ficção cientifica.

Ainda estava desolado com as imagens que não queriam desaparecer e que voltavam com força cada vez que fechava meus olhos. Se o que o jornal mostrou foi o mínimo não quero nem imaginar o pior como isso poderia ser real?

Quando finalmente meu estomago parecia ter se acalmado, lavei meu rosto e sai do cômodo. Armin, Levi e Mikasa me esperam do lado de fora. Estava tão atônito que permiti que me guiassem para a sala, eu era apenas uma casca vazia. Um filho atordoado pelos pecados do pai.

- Não vou perguntar como está, pois, tenho olhos e vejo que está na merda. – disse Levi e com isso recebendo olhares repreensivos de Mikasa – Porém precisamos saber o que fará agora. Os idosos já devem saber das notícias e vão interferir em breve. Eles já vinham querendo intervir, mas como vocês cumpriam a parte do acordo de não se meterem em problemas, eles não tinham argumentos. Agora usaram a situação como desculpa para levar Mikasa para juntos deles e é bom que estejam cientes.

- Não temos culpa! NÓS CUMPRIMOS NOSSA PARTE, e não temos culpa do que está acontecendo aqui!

- Mikasa, se acalme. – Armin, tentou segurar a jovem. Apenas conseguia ouvir sem reação. Era muita informação para assimilar.

- Além disso, todos da cidade estão desconfiados do que seu pai pode ter feito enquanto médico e antes da sua morte aqui, será muito hostilizado a partir de agora, é bom ter ciência disso. – O homem racional e frio a minha frente continuava falando, acho que nunca tínhamos trocado tantas palavras – E minha opinião é que vocês deveriam ir para um local mais distante, pelo menos por hora, se afastarem daqui.

- Senhor Ackerman, hum, acredito que agora não seja o melhor momento. – Tentou Armin. – Acredito que Eren precisa se recuperar antes de tomar alguma decisão.

- Vocês são pirralhos que não conhecem o mundo, não estão vendo o inferno que já está aqui? Estou deixando ciente da situação e que no final, uma parte da decisão é dele. É melhor que esteja preparado pois serão dias muito difíceis.

Novamente o silêncio.

Levi se levantou e caminhou até a janela. Ao que parecia muitas pessoas se reuniam fora da casa, alguns repórteres, vizinhos, ex pacientes clientes do meu pai. Eu ainda não tinha dito coragem de pegar o celular para olhar mais notícias, porém ele não parava de tocar. Um mesmo número insistentemente ligava, ameacei atender, mas Mikasa foi mais rápida e desligou. Seu rosto transparecia certa irritação, seja quem for que estivesse ligando, ela já havia atendido anteriormente.

- Sabe, eu tenho uma amiga que pode ajudar a entender a situação melhor, ela é uma rata de laboratório. – Acho que nunca tinha ouvido Levi falar tanto como nessa noite. – Hange é uma cientista, não me pergunte sua especialidade, mas é o mais próximo de alguém capaz de entender e explicar essa história. Se estiver de acordo, posso pedir para que ela venha conversar com você.

- Eu agradeço se puder. Estou tentando assimilar tudo e acredito que essa tal de Dinah tenha algo a ver isso. – Finalmente conseguindo expressar algumas palavras desde o noticiário. Levi resmungou algo que parecia uma confirmação.

- Darei notícias em breve. Mikasa, ligarei para você, Eren deixe o celular desligado, só assim terão alguns instantes de paz. Estou indo, qualquer emergência me avise.

- Também vou, meu avô nem sabe que estou aqui, sai correndo quando vi a notícia que nem avisei, ele deve estar preocupado.

- Ok, eu os acompanho.

- Melhor não Mikasa, apenas tranque todas as portas e janelas. Evitem serem vistos ou fotografados. Esses urubus devem cansar depois de uns dias. Até lá, qualquer coisa que precisem me peçam ou a alguém de confiança. – Ele estava mais sério do que de costume, esse assunto estava mexendo demais com todos.

Assim que ficamos sozinhos Mikasa me abraçou com força e me permiti chorar como no dia em que meus pais morreram. Sentia a mesma dor, mesma solidão, o mesmo vazio. As vezes achava que a felicidade não era algo para mim pois para cada momento alegre existiam uma correnteza que me arrastava para uma escuridão infeliz.

***

Ao contrário do que Levi previra, os repórteres e curiosos continuavam acampando em nosso entorno por quase uma semana, mesmo quando não estavam visíveis, sabíamos que estavam escondidos pela vizinhança, segundo relatos recebidos de nossos amigos. Estava sendo uma agonia ficar preso dentro de casa por obrigação. Era sufocante demais! Por mais que Mikasa estive ao meu lado, eu estava a ponto de explodir de irritação, eu começava a aceitar que meu pai era um merda e isso estava me sufocando.

Enquanto aguardávamos mais notícias de Levi, tentei me entreter buscando em casa qualquer indício dos experimentos do meu pai e para aumentar mais a minha frustação não encontrei nada que indicasse os seus feitos passados, e cada minuto alternava entre raiva e alívio. Seja o que fosse, meu pai realmente parecia ter abandonado tudo quando veio para esta cidade. A alternativa seria falar com a Dinah, mas não aguentava pensar nessa alternativa.

- Nada ainda. – Perguntou Mikasa me abraçava, era tão bom sentir esse calor, o pouco de normalidade que me restava.

- Não sem pistas. – Me permiti que aproveitar o momento. Esses dias foram tão loucos, que quase não aproveitamos nosso relacionamento. Éramos para no mínimo ter saído para um encontro e estávamos trancados dentro de casa. Apoiei meu rosto na base de seu pescoço, pousando ali um beijo leve e sentindo seu perfume, era delicioso, poderia ficar assim pelo resto da minha vida. – E Levi? Deu algum retorno? – Mantive meu rosto na mesma posição ao falar, e pude sentir as mudanças em sua respiração, tinha certeza de que estava corada.

- Nada ainda, Armin também continua pesquisando, avisou que está em alguns fóruns sobre o assunto mas tudo ainda é muito superficial.

Isso era o mais frustrante. Por mais que as notícias relatassem experiências assustadoras, ninguém sabia mais nada. As vítimas estavam vivas? Tinham sequelas? Onde estavam essas pessoas? O quanto tudo isso tinha afetado suas vidas? Meu pai continuou com isso realmente? Ou fugiu depois que viu os resultados e passou a viver como médico para pagar por seus crimes? Muitas perguntas e poucas respostas.

- Sabe Eren, eu não sei se devia te contar isso, mas agora você está mais calmo. – Começou Mikasa mostrando sinais de nervosismo enquanto se posicionava de uma maneira que conseguisse olhar diretamente nos meus olhos. – Desde o dia que saiu a notícia, tem um homem que insiste em falar com você. – Respirou fundo antes de completar. – Diz ser seu irmão e também uma das vítimas do seu pai.

História Lembranças de um Verão PassadoOnde histórias criam vida. Descubra agora