Na toca do lobo

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Uma vez com a chave era fácil entrar sem levantar suspeita. Zeke e ele tinham alturas similares, então era aproveitar o frio para usar uma roupa mais coberta e pronto, era entrar e buscar qualquer pista sem levantar suspeitas. Isso era ao mesmo tempo fácil e difícil, pois temia o que poderia encontrar, qual seria minha reação caso encontrasse alguma pista que ligasse Mikasa e Zeke? Só de imaginar meu estômago embrulhava. Afastei qualquer dúvida enquanto vasculhava a casa, tudo parecia comum, simples e normal, porém normal demais e o que aprendi com meu irmão é quando mais normal, mais suspeito.

Entrei no escritório, nada de computadores, nada de arquivos, nada. Fui para os quartos e minha surpresa que um deles estava trancado. O primeiro que entrei era de Dinah, sem dúvidas, a decoração extravagante não negava seu habitante, nada que tivesse relevância, o segundo quarto, era de Zeke. Alguns troféus de baseball, alguns livros de medicina, nada relevante a primeira vista, exceto o quarto trancado. O terceiro quarto da casa era o único trancado, testei todas as chaves disponíveis ali e não obtive sucesso. Parei e pensei um pouco, se estava trancado e a chave não estava junto das demais, então ou estava com Zeke e Dinah, o que me restava apenas arrombar a porta ou deveria ter alguma reserva no quarto de Zeke Dinah, voltei aos quartos, agora sabendo o que procurar seria mais fácil.

Primeiro o quarto de Dinah, vasculhei tudo e nada. Nada de chave, nada que pudesse abrir o bendito cômodo. O quarto de Zeke parecia que teria o mesmo fim, quando depois de ter vasculhado tudo e já estava desistindo, Eren esbarrou em um dos troféus, fazendo com que um fundo falso se abrisse, caindo um pen-drive. Bem, ali tinham outros troféus e livros, não custava que eu procurasse mais compartimentos escondidos. Era o quinto ou sexto troféu que vasculhava quando achei finalmente uma chave, com certeza compatível com a porta daquele quarto fechado.

Eu tremia, por alguma razão ao entrar ali.

Diferente de todo o resto da casa, ali fazia meus sentidos gritarem. Era como se sentisse na minha medula que odiaria o que estava para encontrar. Com certeza estava tendo uma crise de pânico antes mesmo de conseguir a porta, algo me dizia para fugir, que não estava preparado para o que iria encontrar e realmente, aquele lugar poderia ser considerado meu pequeno inferno particular. A primeira vez que falei com Zeke, eu realmente achava que ele era um irmão, um filho abandonado de meu pai, mas conforme fomos envelhecendo e ele fazendo de tudo para ferrar minha vida, entendi que ele sempre me odiou e que só teria paz o dia que me eliminasse. Pode parecer estranho mas durante meu período de negação sobre conhecer meu irmão ou não, eu cheguei a cogitar que seria legal ter um, antes dele usar meus amigos, antes dele tentar ferir Mikasa, antes dele tomar tudo de mim, antes de toda a merda explodir, eu realmente pensei que seria legal ter um irmão. Mas essa porta, o que achei por atrás dela era apenas a comprovação que ele sempre me odiou.

O quarto tinha luzes de emergência que mantinham o ambiente com aspecto assustador, quase se que saído de um filme de terror, havia uma mesa com computador, algumas prateleiras com vidros que tinha certeza de que eram órgãos humanos. Pensei que era uma forma estranha de decorar um cômodo mas preferi ignorar, meu instinto estava gritando para sair dali, mas precisava de uma prova que ele não estava usando Mikasa para me monitorar, eu precisava de respostas. Estava me aproximando da mesa quando tropecei em cabos grandes que seguiam para uma espécie closet de frente para a mesa. Meu cérebro só gritava não abra, mas quando dei ouvidos a ele? Eu me arrependo até hoje, mas não podia desistir, não depois que estava ali.

Ao abrir a porta eu quase não acreditava no que estava vendo. Eu estava entre o choque e o horror. Ali diante de mim havia mais vidros com partes de corpos, dois vidros eram de cabeças, duas cabeças que tinham rostos que conhecia muito bem, dois rostos que não via há mais de nove anos, os rostos dos meus pais.

Eu fui jogado aquela noite em que recebi a notícia do acidente. A ligação da polícia, Levi chegando algum tempo depois, o enterro de caixão fechado pois falaram que eles estavam irreconhecíveis e eu como filho não precisava passar por aquele trauma e deveria manter as lembranças deles vivos e felizes. Eu tinha quinze anos e perdi meu chão e agora novamente sinto a mesma agonia daquela noite. Seus rostos distorcidos pelos anos e malconservados pelo formol estavam ali, um do lado do outro, na coleção insana de Zeke.

Precisava sair dali, já tinha o pen-drive e não achara mais nada, eu não podia continuar mais ali pois minha vontade era queimar tudo. Até hoje não sei como consegui me segurar da vontade de quebrar tudo e tacar fogo naquela casa. Fechei o armário e tentei voltar ao foco mas sentia os pares de olhos leitosos e estranhos as minhas costas, eu estava fudido. Olhei em volta buscando qualquer coisa que pudesse levar comigo e segurando a vontade de resgatar pelo menos a cabeça de minha mãe. Ela fora a mais inocente nessa história e não merecia ficar ali como um troféu barato para Zeke e sua loucura.

Sai da casa mas deixei o quarto aberto, assim como o armário, contando que a governanta simpática visse e chamasse a polícia e voltei para a faculdade. Não podia voltar para o apartamento direto e sabia que Hange provavelmente estaria nos laboratórios, ela sempre estava ali. Iria deixar o pen-drive aos cuidados dela e iria a Levi para que me ajudasse com a mudança, eu não iria esperar a análise, eu sentia que depois do que fiz, Zeke iria aumentar a caçada a mim e já tinha muita gente inocente envolvida, não poderia deixar mais troféus para Zeke.

Para minha surpresa Hange não estava no laboratório. Para uma mulher de hábitos, ela falhou no momento que mais precisava dela, eu realmente não queria falar com Levi antes de deixar o pen-drive com ela, ele iria partir pra cima de mim, afinal em vinte e quatro horas já provei que era irresponsável o suficiente. Vendo que não restava alternativa, me arrastei para o apartamento de Levi. A pior coisa quando se trata de Levi Ackerman é que ele quer resolver tudo no lute, geralmente sou sua vítima favorita, mas acho que minha miséria era tanta quando bati em sua porta que ele apenas olhou com desconfiança antes de me permitir entrar.

Assim como eu, Levi optava por manter o mínimo de coisas para sobrevivência em seu apartamento e passar pela porta e entrar no ambiente extremamente limpo era quase como entrar em seu próprio apartamento antes de Mikasa.

- Então Yeager, o que quer?

- Direto como sempre né, eu vim dizer que irei me mudar e... – Respirei antes de continuar. – Eu fui a casa de Zeke.

Eu acho que fechei os olhos esperando um chute que não veio, e me fez abrir os olhos e encontrar Levi me encarando como se esperasse que contasse alguma novidade. Vendo que ele não tinha uma reação, falei tudo. Porque fui a casa deles e principalmente o que achei naquele armário e sobre o pen-drive que encontrei e que fui em busca de Hange para pedir ajuda para identificar o conteúdo.

- Vá para a casa, durma e deixe que falo com Hange.

Eu obedeci, estava destruído e queria apenas um banho pra me livrar de tudo, queria que a água levasse toda agonia que estava dentro de mim mas não estava adiantando. Os rostos sem vida dos meus pais continuavam me assombrando, eu não conseguia dormir, minha cabeça dava voltas e fantasmas me assombravam. Eu havia desistido de dormir e estava olhando para o teto quando ouvi um som de porta, eu estava sozinho e ninguém além de Hange e Mikasa tinham minha chave. Estava pronto para ir para cima quando a luz acendeu e a vi ali, Mikasa estava de volta.

Ignorei tudo e me joguei em seus braços, mesmo que ainda não tivesse certeza de nada, mesmo que ainda fosse me mudar sem que ela soubesse, hoje, apenas hoje me deixei ficar em seus braços.

História Lembranças de um Verão PassadoOnde histórias criam vida. Descubra agora