Ele está se esforçando

62 9 8
                                    

***
Já é tarde da noite e Otto ainda não veio para cama.

Apesar da raiva que sinto por ele ter me afastado de Peter, sinto pena por ele. Sinto-me culpada pelo que aconteceu, e começo a pensar seriamente nas palavras que ele me disse. Será verdade o que Otto falou? Parando pra pensar agora, até que faz sentido. Se Peter me amasse verdadeiramente teria me arrancado daquela igreja. Não me deixaria casar com ele, me condenando a um destino infeliz.

Otto disse que não tocaria em mim mas me beijou, entendo que ele estava com raiva, mas agora sinto medo que ele queira um pouco mais do que um beijo. Não que tenha sido ruim, pelo contrário, mas a fúria em seus olhos quando ele descobriu Peter me fez ter medo. Posso não conhecer o homem com quem estou casada. Ainda sim, sinto empatia por ele. Apesar do meu sentimento por Peter, tudo o que fiz não foi certo. Ambos. Os três estamos sofrendo. O meu sofrimento não é maior que o de ninguém. E eu não posso ser tão egoísta a ponto de me coroar mocinha e Otto vilão. Nem tão pouco, Peter. Ambos estamos sofrendo com toda essa situação. O desequilíbrio de Otto é compreensível. O meu ódio por ele é compreensível. A insistência de Peter é compreensível.

Peter deve achar que passei a noite de núpcias com meu marido, mesmo assim não se importou e veio até mim. Ele ainda me quer. Apesar de achar que me entreguei a outro homem. Ele não me humilhou perguntando o que aconteceu. Ele só queria me ver, olhar para mim.

O relógio da mesa do quarto aponta as duas da manhã, me pergunto se Otto saiu a procura de Peter. Meu coração bate forte e sinto uma dor aguda.

Caminho pela casa a sua procura, vasculhando cada cômodo. Quando chego a sala vejo Otto a luz da lareira, sentado em uma poltrona de couro vermelho, a camisa entreaberta e duas garrafas de vinho jogadas no chão. A taça está na sua mão e ele olha fixamente para o fogo. Ele nota a minha presença e então se vira.

-Sinto muito se a assustei mais cedo. Apesar disso, quero que saiba que jamais faria mal a você.

-Tudo bem, eu também tive culpa.

-E o beijo sobre o beijo... Não voltará a se repetir.

Ele se vira para a lareira de novo e dou meia volta para o quarto mas então me viro e digo:

-Não chamei Peter aqui. Disse para que ele fosse embora, mesmo você não acreditando.

-Já sabia que isso ia acontecer hora ou outra. A senhora minha esposa tem repulsa de mim e está apaixonada por outro homem.

-Não tenho repulsa de você, Otto.

Minha fala é calma, ele olha nos meus olhos. A raiva de mais cedo desapareceu, agora ele só parece triste. Uma tristeza sem fim.

-Não precisa mentir, Darla. A senhora diz o tempo todo que me odeia.

-Digo porque você me tira do sério.

Eu olho para o seu peito e vejo um corte grande, que o nervosismo não me deixou reparar antes. É um corte profundo, talvez causado por vidro. E vejo que uma garrafa está quebrada.
Eu corro em sua direção e ponho a mão em seu peito. Ele geme de dor.

-Como isso aconteceu?

Eu digo, surpresa.

-A senhora fez isso comigo. Se pudesse arrancaria meu coração fora.

O homem que tinha ódio nos olhos agora a pouco, parece mais um animal ferido nesse momento. Vulnerável diante dos meus olhos.

-Não pode se machucar assim.

Eu pego um lenço e limpo o machucado. Ele agarra minhas mãos e diz:

-Não precisa fazer isso. Sei que custa muita para a senhora me tocar.

-Não diga bobagens. O senhor não é nem de longe um homem que causa repulsa em mulheres, pelo contrário.

-Mas eu causo na única mulher em que tenho interesse.

-Talvez o seu erro foi só escolher a mulher errada. Outra o amaria ardentemente.

-Acha que conseguirá me perdoar um dia?

-Não saberia dizer. -eu tiro minhas mãos do seu peito.

-Não sou um alcoólatra, Darla. Nem um homem violento. Mas a senhora me leva ao extremo.

-Sei que não sou fácil.

-Nem de longe.-ele ri.

Eu levanto para ir embora e então ouço um latido fino.

-O que é isso?-pergunto surpresa.

-É o seu presente. Não tive tempo de entregar devido os acontecimentos.

Eu sigo o barulho e vou até a cozinha. Um filhote de pastor alemão em uma cesta, ele é frágil e indefeso. Como um animal ferido. Como Otto nesse momento. Eu pego o filhote no colo e o levo até Otto. Meus olhos brilham e ele percebe a minha felicidade.

-É seu. Pode dar um nome a ele.

-Papai nunca deixou que tivéssemos cachorros. Mesmo eu e Amber querendo muito.

-Eu sei. Ele me disse.

Fico surpresa com a resposta. Ele realmente está se esforçando.

-O que acha de Bartolomeu?

-Acho que é um nome de velho pra um cachorro. Ainda mais um filhote.

-Comudus também é nome de velho e você está muito bem obrigado.

Digo sem pensar e sinto minhas bochechas queimarem. Otto sorri e me olha subir as escadas para o quarto.

-O senhor devia vir também, já está muito tarde para bebedeiras.- eu digo subindo com Bartolomeu para o quarto.

Otto vem logo atrás de mim e se deita ao meu lado.

Casamento Arranjado - Um Breve ContoOnde histórias criam vida. Descubra agora