Peter e eu

107 11 0
                                    

Era manhã de um dia frio e Amber corria de um lado a outro do quarto. Mr Comudus iria nos visitar hoje e cortejar minha irmã, o seu pai e o nosso combinaram desde meninos que seus filhos casariam entre si. E o que parecia uma bobagem até aquele momento realmente se realizou. Eu não posso reclamar. Não vejo a hora em que Amber se case e eu também possa, já que na nossa sociedade uma moça só pode se casar depois que suas irmãs mais velhas se casem. Eu ainda não sei como farei para que nosso pai aceite que me case com Peter Ponan, ele é um moço de bom coração mas sem dotes. E como se sabe, um homem sem dotes nos dias de hoje não é visto como homem. Peter é aprendiz no jornal da cidade, apesar da pouca idade, 21 anos, é um rapaz muito inteligente. Ele cuida sozinho da mãe e de duas irmãs, seu pai foi a guerra e nunca mais retornou. Peter faz o que pode para sustentar as três, mesmo assim ainda arruma tempo para mim. Nos conhecemos quando fui entregar um manuscrito para o jornal, na tentiva falha de tentar com que reconhecessem meu talento de escritora. Bobagem. Uma mulher escritora? Que devaneio! Seria melhor se eu fosse uma bruxa, seria mais bem vista. Para minha sorte, Peter convenceu o dono do jornal local, Mr Bloom, a publicar ao menos o prólogo, e para minha surpresa foi um sucesso. Peter disse ao Mr Bloom que ele mesmo escreveu. E partir daí eu me tornei escritora, mesmo que oculta, do jornal semanal da cidade. Peter é um bom rapaz. E eu tenho certeza que se explicasse ao meu pai tudo o que ele fez por mim, ele certamente se compadeceria. Mas não custava nada esperar que Amber se casasse com o misterioso Mr Comudus, para que finalmente Peter pudesse pedir minha mão. Nos encontrávamos todas as segunda na livraria local, onde Peter ia entregar os escritos e onde eu ajudava minha tia Gladys, proprietária do local. Eu contava as horas até segunda-feira, esperava ansiosamente para ver o rosto de Peter. Os olhos verde limão, seus cabelos loiros e a mandíbula marcada tinham a visão do paraíso. Peter era muito cobiçado, apesar de pobre. Joana, meu desafeto de infância, fazia questão de ir ao jornal todos os dias com a desculpa de ver o pai, Mr Bloom, para na verdade ver Peter. Ele nunca admitiu, mas eu sei que é verdade. Uma vez em um evento na cidade eu vi seus olhos queimarem a pele de Peter enquanto ele estava do meu lado. Eu não sei dizer se Joana nutre sentimentos por ele ou se simplesmente me odeia o suficiente para tirar ele de mim. Aquilo ainda era uma incógnita.
***

Eu entro na livraria e o olhar de Peter se ilumina, enquanto ele vai para os fundos organizar os livros novos. Corro ao seu encontro antes que tia Gladys apareça.

-Você demorou hoje, Darla. Achei que tinha desistido finalmente de mim, - Ele faz biquinho e me abraça.

-Acho que isso não poderia acontecer nunca. Nem mesmo se quisesse. E não diga bobagens, está cada vez mais perto de nós casarmos.

-Então quer dizer que o riquinho já foi cortejar sua irmã?

-Foi esta semana. Mas eu não cheguei a vê-lo. Só sei que seu nome é Mr Comudus.

-Deve ser um senhor. O nome parece nome de senhor, - Peter da risada e mostra seus dentes impecáveis.

-Ora, que seja, desde que eles se casem e eu possa me casar com você. -
O olhar de Peter escurece um pouco e ele pega minha mão.

-Olha, Darla, tem certeza que me quer como marido? Sabe, eu não tenho muitos recursos, você é uma mulher acostumada com coisas caras... Coisas que eu não poderei dar.

Eu solto sua mão e digo com raiva:
-Nem mesmo se você fosse um indigente, ainda sim me casaria com você. E não diga mais uma coisa dessas. Nunca mais se diminua assim.

Peter aperta minhas bochechas entre as mãos e me beija na boca, sinto sua boca invadir a minha e cada parte do meu corpo se acender como luzes de natal. Eu correspondo o beijo. É rápido e sedento. Eu me afasto sem fôlego.

-Precisamos parar, Peter. Eu sou uma moça respeitável, esqueceu? Vamos ter muito tempo para isso.

-As vezes tenho dúvidas se você é real, Darla. E o que fiz pra merecer alguém assim como você gostando de mim.

-Está fazendo de novo, Peter. Eu já disse...

-Tem razão, Darla. Pararei com isso. Pedirei sua mão em casamento. Você será minha esposa. A mãe dos meus filhos.

-Isso mesmo. Já esperamos dois anos, Peter. Logo, logo estaremos a caminho do altar.

Peter se senta no chão da livraria e eu o acompanho.

-Conte mais sobre Mr Comudus. Ele parece ser podre de rico.

- Nem fale. Papai disse que ele é filho de um dos homens mais ricos do Sul, o pai faleceu há pouco e o fez prometer que se casaria com a filha de seu melhor amigo, no caso, meu pai.

-Seu pai deve estar feliz de casar Amber com um homem tão rico.

-Penso que ele não está feliz só pelo dinheiro e sim porque estimava muito seu amigo, e esse é um jeito de manter sua memória viva.

-Ainda bem que ele escolheu Amber para se casar. Já imaginou se fosse você?

- Amber parece feliz com a ideia de se casar. Mesmo que seja com um estranho.

-Não ficou com curiosidade em saber como ele é?

Sinto uma pitada de ciúmes na pergunta de Peter, aperto sua mão e respondo.

-Então está com ciúmes? - Eu rio e Peter cora, então continuo - Não, Mr Ponan. Não tive curiosidade em vê-lo. Deve ser um velho como diz. Além do que, só tenho olhos para você.

-Venha. Quero mais um beijo antes que Gladys nos veja. Terei que aguentar a semana toda para que possamos nos ver novamente. -Peter me beija e eu correspondo. Dessa vez o beijo é terno, como se ele quisesse se desculpar.

-Na próxima vez em que Mr Comudus for a minha casa, irei espiar para saber se ele é um príncipe ou um sapo.

Ele me belisca e me traz para perto.

-Não me faça odiá-lo antes de conhecê-lo, Darla.

Eu sorrio e escuto um estrondo vindo da frente da livraria.

-Darla? - tia Gladys grita meu nome enquanto eu levanto de um pulo e corro em sua direção.

Casamento Arranjado - Um Breve ContoOnde histórias criam vida. Descubra agora