15 - Chocolate quente

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Enquanto Maraisa mordiscava algo sem ânimo aparente, Marília criava teorias mirabolantes sobre o que acontecia dentro da cabeça de sua esposa. Maraisa andava quieta ultimamente, mais do que o normal. Ela parecia triste, como se as horas não importassem; como se tudo tivesse perdido a graça. 

-- Você está bem? -- Marília perguntou, visivelmente preocupada. Haviam se casado quatro dias atrás e o aparente "entusiasmo" de Maraisa quanto a isso era notório. 

-- Sim. -- Maraisa se limitou a dizer apenas isso. Seus olhos acompanharam o exato momento onde Marília se levantou, deixando suas coxas à disposição dos olhos de Maraisa novamente. Usava apenas uma camisa larga que ia até o meio de suas pernas e o que usava por baixo disso não dava para ser visto; provavelmente um short curto. 

Marília caminhou até a geladeira e pegou leite, entornando o líquido numa leiteira e pondo a mesma para esquentar. 

-- O que está fazendo? -- Maraisa perguntou curiosa. Rosália geralmente era a única pessoa da casa a tocar no fogão, mas a mulher havia ido à feira de domingo e por isso não estava presente. Marília não gostava de ter outros empregados na cozinha, Rosália mesmo fazia questão de ser a única a cozinhar e, caso houvesse casos onde Rosália saía, Marília não se importava de cozinhar. Havia aprendido muita coisa com a doce senhora, afinal, passara maior parte de sua infância com a mulher. 

-- Meu pai me dizia quando eu estava triste... -- Deu uma pausa para pegar mais algumas coisas. – Que um pouco de chocolate quente ajuda. 

-- Mas não estou triste. -- Maraisa protestou. 

-- Isso é o que você, minha cara, diz. -- Marília disse sorrindo e Maraisa suspirou, fitando-a. 

-- A Mai costuma dizer que chocolate quente é a melhor coisa do mundo. -- Maraisa disse sorrindo amplamente diante da recordação da amiga. 

-- Mai? -- Marília perguntou confusa, enquanto entornava uma barra de chocolate na leiteira, juntamente com um pouco de açúcar e começou a revolver o líquido. 

-- Sim. Minha melhor amiga. -- Explicou. 

-- Estava no casamento? Eu a vi? 

-- Não. Mamãe achou melhor ela não aparecer por lá. -- Disse. 

-- E por quê? -- Perguntou ainda sem entender. 

-- Ela não se encaixa na nobreza, de acordo com a minha mãe. 

-- Vocês... se conhecem há muito tempo? -- Perguntou assim que despejou o líquido na xícara e estendeu para Maraisa. A mesma ia beber um pouco, mas Marília se apressou em falar. -- Cuidado! Está quente. 

-- O nome é "chocolate quente" Por alguma razão. -- Maraisa disse brincalhona e Marília sorriu, vendo Maraisa rir antes de começar a soprar o vapor de cima do líquido, experimentando logo em seguida. 

-- E então? 

-- Uma delícia. -- Maraisa disse sorrindo. -- E quanto a sua pergunta...Conheço desde que tinha treze anos. 

-- Parece gostar muito dela. -- Marília analisou. 

-- A amo. -- Apontou. -- Como a irmã que nunca tive. 

-- Quase consigo imaginar vocês duas correndo entre as barracas do povoado enquanto sua mãe gritava seu nome enfurecida. -- Falou rindo. -- "Maraisa, volte aqui sua insolente. Não foi essa a educação que eu te dei."

Fez uma voz imitando Almira e Maraisa arregalou os olhos, rindo. Eram exatamente as palavras de sua mãe. 

-- Isso era algo que ela diria, com certeza. -- Sorriu. -- Maiara, nome da Mai, sempre foi aventureira e, bem, correr da minha mãe era uma das melhores aventuras. -- Marília não podia imaginar o porquê da mãe de Maraisa impedir sua amizade, mas ela não se importava com a mesma, porque era nítido a importância da garota para Maraisa. Sem perceber levou sua mão até uma das mãos de Maraisa e apertou, de uma maneira respeitosa. 

-- Você fica tão mais linda sorrindo. -- Disse genuinamente. -- E não estou tentando parecer galanteadora, pois falharia miseravelmente. -- Assumiu rindo. -- Digo porque é a mais singela e pura verdade. -- Maraisa enrubesceu e baixou seu olhar para sua xícara. 

-- Obrigada. -- Maraisa não desfez o contato das mãos. Marília tinha um aperto calmo e mãos macias, deveriam tranquilizá-la, mas a imagem de Marília a desejando como esposa ainda a assustava, apesar de jamais ter sido desrespeitada. Marília nunca havia dito que se interessava por ela, mas a forma como a olhava deixava bem nítido isso. -- Me sinto em débito com você. -- Maraisa confessou sem perceber que as palavras saíam em voz alta. 

-- Por quê? -- Perguntou surpresa. 

-- Você se casou comigo, porém não tem uma esposa que cumpra...você sabe. -- Terminou corando. 

-- Mas tenho uma esposa que cumpre o papel de amiga. Estou mais do que satisfeita. -- Maraisa se sentiu pior ainda. Não tratava Marília como uma amiga e sim como uma ameaça. Dizia para si mesma que deveria se sentir confortável perante àqueles olhos intensos, mas não conseguia nada além de sentir-se intimidada. 

As palavras de Marília, ao invés de trazerem conforto, vieram como um soco na boca do estômago de Maraisa. Claro que havia momentos onde ela esquecia que era casada e ria com leveza das coisas ditas por Marília, mas isso era apenas em uma fração de minutos. Logo estava ela sofrendo interiormente de pânico pela aproximação ou por algum toque de Marília. Um simples esbarro em suas mãos já fazia Maraisa achar que Marília mudaria de ideia e reclamaria seus direitos como esposa. 

-- Ambas sabemos que não sei exercer esse papel com você. -- Maraisa confessou envergonhada. 

-- Ainda. -- Marília não disse mais nada, apenas tratou de se concentrar em não encarar Maraisa. Sabia que seus olhares assustavam a garota, no entanto, não podia evitar sempre. Às vezes se pegava fitando os lábios de Maraisa enquanto ela falava alguma coisa. 

-- Ainda. -- Maraisa repetiu após algum tempo, decidida a tentar dar a Marília sua amizade. Tentaria se livrar de seus medos e confiaria que Marília realmente só quer sua amizade, sem maldade, sem segundas intenções. Apenas sua amizade, no jeito mais puro e sincero. -- E você, não vai tomar chocolate quente? 

-- Depois. 

-- Por quê? Não te agrada chocolate quente pela manhã? -- Perguntou curiosa. 

-- Adoro chocolate quente a qualquer hora do dia. -- Sua risada rouca fez Maraisa sentir-se confortável com sua presença. -- Mas a última barra de chocolate preparei para você. Vou esperar Rosália retornar. -- Maraisa não entendia como Marília podia ser tão prestativa e gentil o tempo inteiro. Se permitiu examinar as feições da mulher sentada a sua frente e enxergou satisfação. 

Como poderia ela estar satisfeita tendo casado-se com alguém que não a ama, quase foge dela e ainda toma sua última barra de chocolate com leite? 

Desviou o olhar de Marília quando viu que a olhava por tempo demais. Era natural olhar para Marília, Maraisa pensava. Todos ali perdiam longos minutos fazendo isso com suas expressões embasbacadas, provavelmente um efeito colateral por ter essa beleza cativante, pensou novamente Maraisa, voltando a tomar seu chocolate quente no silêncio intimidador do ambiente.

Over the Rainbow - MalilaOnde histórias criam vida. Descubra agora