32 - Contando a verdade

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-- Então foi apenas um susto? -- Marília perguntou pela quarta vez ao médico, fazendo Rosália - ou Ruth - revirar os olhos. 

-- Mas se ele já disse que sim por que insiste nessa pergunta, criança? -- Perguntou. Marília a olhou rapidamente. 

-- Quero me certificar de que esteja bem. Só me deixe fazer meu trabalho. -- A moça disse séria e a mulher mais velha assentiu resignada. 

-- Ela está perfeitamente bem, sua pressão apenas caiu e a dor no peito deve ter sido emocional. Provavelmente fazia algo importante demais para ela, o que resultou a dor psicológica, já que nos exames não apontou nada. -- Maraisa, quem estava mais atrás encostada no batente da porta, automaticamente pensou na caixa. Ruth deveria estar vendo fotos de Marília minutos antes e por Marília ter mencionado sua mãe para a mulher no dia anterior isso provavelmente aumentou a pressão psicológica em sua mente. 

-- Certo. Então posso voltar a trabalhar hoje? -- A mulher mais velha, que estava recostada na cama, perguntou apressadamente. 

-- Sugiro que repouse o dia de hoje para amanhã estar nova em folha. -- O médico disse. 

-- Eu não lhe permitiria trabalhar hoje de qualquer forma. -- Marília disse. 

-- Enfim. Já que não precisam mais de mim vou me retirar. Tenham um bom dia, senhoras. -- O médico disse saindo do quarto da mulher. Ruth suspirou e olhou para Maraisa, quem lhe sorria mansa. 

-- Marília... -- A voz da mais velha saiu incerta e Marília percebeu a insegurança em sua voz, a olhando confusa. 

-- Está tudo bem? Precisa de algo? 

-- Estou bem, hijita. Apenas... -- Tomou ar e se ajeitou na cama. -- Precisamos conversar. 

-- Sou toda ouvidos. -- Disse se sentando na beira da cama. A mulher lhe encarou fixamente. Com olhos nostálgicos um sorriso lhe brotou no rosto. 

-- No dia em que você nasceu chovia tanto. -- Marília a olhou surpresa. Rosália nunca lhe contava nada de sua infância. -- Eu me perguntava como seria seu rostinho. -- Falou sorrindo. -- Passei os nove meses imaginando como seriam seus traços... Como seria o som do seu choro... Como seria a maciez de sua pele... Se você gostaria da cor das paredes do seu quarto. 

-- Eu fico feliz de saber que você acompanhou a gravidez da minha mãe. -- Marília disse inocente. 

-- Eu acho melhor eu... -- Maraisa começou, mas foi interrompida pela mulher mais velha. 

-- Prefiro que fique, querida. -- Seu olhar de súplica fez Maraisa entender que ela queria Maraisa ali para confortar Marília. Maraisa apenas assentiu e permaneceu no lugar. 

-- O que está acontecendo? -- Marília perguntou. A mais velha suspirou e lhe tocou as mãos. 

-- No dia que conheci seu pai eu fiquei encantada. -- A mulher disse nostálgica. -- Imagina só. Um militar lindo daquele jeito me cortejando. 

-- Você foi apaixonada por meu pai? -- Marília perguntou sem reação. A mulher apenas apertou o toque em sua mão e prosseguiu. 

-- Na época eu não sabia que ele era rico e poderoso. Ele para mim era apenas ele. Apenas Mário. -- Falou calma. -- Por um minuto eu pensei que o lixo de vida que eu era obrigada a ter poderia ficar no passado. "Oh, alguém me deu atenção. Devo valer algo, devo ser mais do que um encosto na vida dos outros. Alguém se importa comigo." Eu pensei. 

-- Rosália... 

-- Ele me cortejou por meses. -- Falou com a voz embargada. -- Eu parei de fazer o que fazia porque ele jurou que me protegeria de qualquer um e eu? Bem... Eu acreditei. -- Disse enxugando uma lágrima teimosa com uma de suas mãos, enquanto a outra ainda segurava a de Marília. -- Eu fugi de onde eu estava e caí nos gracejos do seu pai e me entreguei a ele... de corpo e alma, mas um dia... -- Suspirou. -- Um dia ele se apaixonou por outra. 

-- Minha mãe, certo? -- Marília perguntou apenada. A mulher apenas mordeu o lábio e continuou. 

-- Meu tio, que era o homem de quem fugi, me achou... -- Seus olhos desviaram para Maraisa, quem também não conhecia a história. A menina lhe sorriu e assentiu, como se dissesse para prosseguir. -- E eu fui espancada a chibatadas por uma semana. -- Os olhos de Marília se arregalaram, uma mistura de raiva e surpresa faiscaram de seus olhos. -- Mas duas semanas depois as marcas sairiam do meu corpo e eu teria que voltar ao trabalho. -- Marília escutou um soluço vindo de sua esposa, mas não sabia o que dizer. Estava horrorizada. Jamais havia escutado sobre o passado da mulher por quem tinha tanto apreço. 

-- Por que você... 

-- Mas não deu tempo de voltar ao trabalho, graças a Deus, porque... um dia eu comecei a passar mal e meu ciclo estava atrasado. Foi aí que resolvi fazer o teste de gravidez. -- Marília entortou a sobrancelha em confusão. Ruth engoliu em seco e fitou sua filha nos olhos. Viu confusão, mas também viu uma mulher linda e honrada. Nada poderia ser mais gratificante. Perderia sua filha, mas não abriria mão da felicidade dela com Maraisa. Jamais! -- E então descobri que a prostituta estava grávida. 

-- Não pode... Não pode ser. -- Marília disse soltando a mão de Ruth e se levantou atarentada. -- O que você... o que está me dizendo, Rosália? 

-- Que você foi o melhor presente que seu pai poderia ter me dado em toda a vida miserável que eu tinha... Filha. -- Marília balançou a cabeça em negação e olhou para Maraisa. 

-- Diz para ela que não, Mara. -- Pediu com os olhos já cheio de lágrimas. -- Diz que não pode ser. -- Maraisa pressionou um lábio junto ao outro e pelo olhar Marília soube. -- Você... -- Olhou para Rosália - Ou Ruth. - E logo para Maraisa novamente. -- Você sabia! -- Não foi uma pergunta. Maraisa tentou se aproximar, mas Marília saiu correndo do quarto da mulher. 

Lágrimas eram o que mais se via em Ruth, mas mesmo assim, quando Maraisa lhe olhou desnorteada, criou coragem para dizer algo firmemente. 

-- Vá! Acerte-se com ela. 

-- Mas você... 

-- Eu ficarei bem. -- Maraisa lhe olhou ainda sem saber se deveria ir, mas Ruth voltou a falar. -- Eu só contei por vocês, criança, então preciso que se acerte com ela para eu ver que o que fiz valeu de algo. -- Maraisa se aproximou e beijou seu rosto. 

-- Desculpe se eu te forcei... 

-- Ninguém me forçaria a isso. Meu coração precisava dessa paz. -- Sussurrou a última parte. -- Agora vá. -- Maraisa assentiu, limpando as lágrimas com as mãos e saindo correndo disparada atrás de Marília.

Over the Rainbow - MalilaOnde histórias criam vida. Descubra agora