It's All Coming Back To Me Now

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Pode não parecer mas o nome dos capítulos são nomes de músicas. Acho que é uma marca minha colocar. Prefiro colocar nomes de músicas porque tem pessoas que lêem capítulos só pelo nome deles. Se as pessoas lerem minhas histórias indo por nomes de capítulos, elas vão ter azar. É só quando tenho boa vontade que eu coloco algo condizente com o capítulo. A música desse é da Celine Dion. Eu sinto que vou ao céu com ela. Parece que anjos me pegam e me levam. Eu choro sem perceber toda vez que ouço. As lágrimas escorrem. Então, escolhi ela para esse. Porque são anjos cantando.

    Os santos... Eles viveram em santidade, é o que a igreja diz. Se você viver em santidade vai para o reino dos céus assim como os santos. Não, mas você vai ver a imagem dos santos e eles estão sempre com aquela cara de quem levou uma facada no bucho lá em Petrolina ou Caruaru. Beijos, Brasil. Já disse que o Brasil é um lugar lindo e gostoso. Nem vou contar o que acontece lá em Pernambuco. Mas os santos... Eu estava aqui falando sobre eles. Os santos com sua cara de quem comeu uma buchada de bode em Salvador e não caiu bem. É sempre uma cara de dor e sofrimento. E vocês ainda juram que é meu lar onde há sofrimento. Olhem a cara de quem está no céu. Olhem só para a cara dos santos. É um eterno pedido de ajuda. Eles gritam, me tirem daqui! E vocês, humanos, juram que eles estão felizes nas portas de ouro do céu com nuvens branquinhas e céu azulzinho. Eles estão sofrendo, implorando ajuda. Socorro! E ainda juram que os gritos do meu lar são de socorro. Oh, não! Todos amam estar ali! Dos mais pervertidos aos safados, dos mais amargos aos rancorosos. Eles todos estão felizes, pois são quem gostam de ser. Damos a liberdade que o Pai não dá. Você pode ser seu pior com felicidade. Pode ser seu melhor também. Nunca nada é imposto. Os santos da igreja parecem pessoas que trabalham no mercado no dia de Natal. Você chega lá pra comprar sua Coquinha porque acabou do churrasco e eles lá com aquela cara de dor. Nenhum trocado vale tanto sofrimento. Muito menos no dia do nascimento do Senhor. Mas vai você falar isso pra um cristão, que os santos tão infelizes com o céu. Eles te dão uma facada no bucho igual gente raivosa lá do Sergipe quando o bolo de puba não sai no ponto como o gosto. Brasil, meu Brasil! Que lugar! Povo mais interessante e feliz... Por mim, eu só viveria naquele lugar. Quem sou eu pra falar isso? Sou Samanel, um anjo. Eles nos representam como algo monstruoso e pervertido dentro de um lugar cheio de fogo e queimação eterna. Não é? Posso dizer que nossa representação ainda é bem mais atrativa do que santos sofrendo em cima de nuvens por toda eternidade. O fogo te queima, mas você não vê as representações de nós com sofrimento. Ainda há uma alegria. Mas eles fingem que o Pai é melhor. Que aquele sofrimento santo vale à pena. Como se almas dolorosas e sofridas fosse melhor do que apenas viver.
     Anjos não possuem sexo, não é? Nisso eles não mentiram. O Pai não nos criou dizendo que éramos femininos ou masculinos. Somos apenas seres. Lúcifer, o mais brilhante e belo de todos estava cansado de tantas coisas. O sofrimento só é belo aos olhos do Pai. Quando Lúcifer nos chamou, nós entendemos. Uma pena que a grande maioria não entendeu. Eles aceitam serem retratados como homens em sofrimento em imagens. Nós, não. Preferimos ser vistos como almas demoníacas feias do que ser retratados como humanos sem nossa vontade. Eu me refiro a mim no feminino, uma demônia, mas a verdade seja dita... Anjos não têm bingulim e nem chaninha. Nós é que decidimos qual forma tomar. A forma feminina ou masculina escolhida à nós por humanos é uma forma de desrespeito. Não gostamos e não aceitamos. Nós escolhemos quem somos. Ou somos ela ou ele ou nenhum. É uma escolha própria. Algo que o Pai não aceita. Ele deixou-nos ser representados como homens para dar ao masculino um poder de divindade maior do que ele possui. Não existem arcanjos femininos porque o feminino só pode ser santo se seguir à risca os passos do Pai. Mas o masculino pode ser quando quiser, basta pedir um perdão. Eu gosto mais da forma feminina. Ser uma mulher é mais prazeroso, mesmo o mundo humano sendo tão injusto para elas. E é justamente por isso que eu prefiro ser uma mulher. Você aprende coisas quando está olhando tudo pela visão feminina do que na masculina. Homens sempre podem e mulheres não. A forma que elas chegam ao meu lado, em meu lar... Tão maltratadas. Tão destruídas, apagadas, sujas... Eles as sujam para dizer que a sujeira é delas. É deles. Elas recebem nos nossos braços todo o amor que o Pai negou à elas. Nós sabemos cuidar de verdade. Nós sabemos dar amor para uma mulher. Dizem que o Pai é amor. Que amor é esse? Ele impede as mulheres de amar, sentir, serem quem elas são. Qual amor que apaga, destrói, humilha, rebaixa a criação feminina, enquanto exalta e perdoa todo ato de horror da masculina? Não direi mais nada. Vou apenas dizer que as coisas são assim no lar do Pai não no de Lúcifer.
     Olha, eu vejo isso estando aqui. Mon tão fechada em sua devoção. Ela me guia pelos cantos desse lugar tão frio e seco. As paredes de um lar dedicado ao Pai. Uma coisa tão sobre ele. Fria e seca. Ele deve sentir que é bem a casa dele esse lugar. Freiras ali com seus corações renegados. Freiras de lá com seus corações em mágoa. Freiras acolá com seus sentimentos pervertidos que elas se recusam a sentir e são amarguradas por isso. Freiras aqui em todo esse lar se sentindo infelizes. Não Mon... Ela é realmente feliz. Ela é feliz nesse lugar tão oco por dentro. Eu não sei como poderei quebrar isso, mas tentarei. Como você mostra para uma pessoa que ela pode ser mais feliz do que já é? Vou tentar descobrir. Eu nunca lidei com alguém assim. As pessoas estão sempre tristes demais. É mais fácil dar a felicidade pra quem não sabe como ela é. Como aquela freira ali... Parece ser a única negra aqui. Algo como Woopy Goldberg no filme. A única negra no meio de um monte de brancas ou duas amarelas. Eu sou uma freira de aparência amarela. Senti que seria mais aceita por Mon se me parecesse fisicamente mais com ela, pois ela é uma descente de amarelos.

     Uma coisa que sempre me admirou foram os olhos das mulheres negras. Olhos de uma raça que sofre tanto, mas são tão calorosos com quem elas gostam. Eles possuem aquela forma e beleza natural deles. Nunca entendi como muitos humanos não conseguem olhar os olhos de uma mulher negra e não achar lindo. São olhos que te olham de uma forma que outras mulheres jamais vão olhar. Não querendo diminuir mulheres por suas cores. Apenas estou dizendo que a maior qualidade da mulher negra está no olhar dela. Um olhar tão marcante. Eles são grandes geralmente... E tem aquela... Os cílios são marcantes. E a cor marrom dos olhos. Olhos lindos. Eu amo os olhos das negras e vou dizer pra quem quiser ouvir. São lindos. Por que ninguém faz um post em uma rede social com olhos femininos de negras com aquele olhar lindo? Oh, não! Eles fazem posts racistas! A humanidade não muda. Dois mil e vinte e três e a humanidade ainda nessa. Ainda acham sexy maltratar uma mulher só pela sua pele escura. Não pensam que mulheres negras são mulheres, mas só com uma tonalidade de pele diferente. O sabor é tão saboroso... Perde quem não quer, né? E amar Mon não me faz ser burra. Se eu sou capaz de ver, mesmo amando alguém. Por que as pessoas não são? É apenas uma escolha ser nojento assim. E aquela freira negra sofreu racismos demais. Algumas negras acreditam que a única forma de proteção é se entregar ao Pai. Mas que Pai é esse que protege? Ele ensinou que sua religião é pecado e vai te mandar para o antro maldito que é meu lar. E você acredita, apaga sua crença e acredita que vai aos céus. Que céu? No fim, você vai para o meu lar ser aceita por ser quem você é. E se não for, vão te transformar em uma santa preta para servir de exemplo para mais pretas... Uma santa preta com olhar triste. Você sabe qual é a tristeza, não é? Eu não preciso te falar.
    - Essas são as acomodações, irmã. - Mon fala em sua voz leve e angelical. Se eu pudesse dizer que há um anjo entre os humanos, esse anjo seria Mon.
    - Obrigada, irmã. - Agradeço tentando fazer uma voz como a dela para parecer mais real.
    - Estaremos esperando no horário das refeições. Como chegou após o café da manhã, o horário do almoço é dez e meia. Não é tolerado o atraso. A madre está esperando para passar suas tarefas. Precisarei ir. Se precisar de ajuda, irmã Maria Rosa está ali no corredor. Está limpando o chão. Pode chamar que ela vem. Que Deus abençoe. - Eu não respondo e ela sai. Me deixa olhando para o quarto frio de paredes frias e marrons. Marrom! Eles colocaram a cor marrom!
    Sento na cama e suspiro. Eu consigo ouvir os gritos das almas desse lugar. Nem todo o mar ali adiante... Nem toda a natureza desse lugar... Nada é capaz de mudar os corações flagelados de mulheres que passaram a vida toda sofrendo. E isso me afeta. Não é algo que eu não me importe. Há demônios que não se importam? Há. Há muitos. O cansaço com o poder dado ao homem nos corrompe, muitas vezes. E são esses demônios que cuidam das almas terríveis. Os céus aceitam almas terríveis quando o Pai as aceita, mas há almas que nem os céus são capazes de aceitar. Elas vão para os nossos que aceitam essas almas. Gostam delas. Eu sempre fui mais o tipo de demônio que gosta de viver entre os humanos. Eu gosto de ver a vida deles. Gosto de pensar sobre o amor que eles sentem. Gosto de entender a humanidade. Viver entre os humanos é sempre um prazer inenarrável. Não há palavras pra eu poder falar. Você sabe que gosta e ponto. Eu não gosto dos homens, gosto das mulheres. Elas são meu amor maior. Já provei de todos os sabores femininos. Se tem alguém que conhece o corpo e o coração de uma mulher, sou eu. Só que Mon é algo que eu nunca perdi meu tempo tentando descobrir. Uma mulher tão devota ao Pai... Um Pai que não a ama. Eu sempre deixava esse tipo de mulher pra lá. O tipo de mulher que se contenta com migalhas. E o que mudou? Ah, é uma loucura como o coração pode agir até mesmo em anjos renegados como eu. Amar mulheres era uma divindade pra mim. Mas amar Mon foi uma surpresa. Diante de tanta vida, tanta existência de minha parte, nunca pensaria que me encantaria com o coração puro de uma donzela. E eu conheci Mon não tem tanto tempo assim. E foi da forma mais estranha possível. Da forma mais incomum possível. Algo que eu jamais iria prever. Calma, eu vou contar. Mas antes, eu preciso ver a madre. Ela parece estar inquieta. Viu minhas credenciais e eu passei. Óbvio, senão nem estaria aqui. A inquietude da senhora é que eu a faço se lembrar de algo. Um alguém... Um alguém lá do passado. De uma época que ela era outra pessoa.

False GodOnde histórias criam vida. Descubra agora