Enquanto as dores consomem a humanidade, eu espero pelo meu amor. Porque ela é importante para mim. Não adianta o que meu Pai diga ou meus irmãos imponham. Não importa eles tentarem afastar o amor que está no nosso coração. Porque ele é nosso, vive em nós. Eles não podem matar isso. Eu vivo dizendo isso e sei o quanto é repetitivo, mas o amor é meu e é dela.
Eu deveria me sentir culpada por não me encaixar nas regras que inventaram pra me impedir de viver o amor que meu próprio Pai criou em mim? Você se olha no espelho e chora lágrimas de sangue, se machuca e se impede de ser algo que nasceu para ser só porque eles dizem que você deve ser o que eles querem que você seja.
A imposição, a agressão física e emocional que eles causam em quem não aceitam o que eles querem. Meus irmãos escolheram seguir meu pai, mas eu não escolhi. Se houvesse mesmo o tal do livre arbítrio, eu poderia seguir meu caminho sem que eles me demonizem por não seguir o que eles querem impor.
Mon está ali sentada e sorri para mim com aquele sorriso que eu amo tanto. Ela é a mulher mais linda do mundo. Eu me pergunto, aqui, olhando para ela, se eu deveria pensar que ela deve morrer para me encontrar ou se vão deixar ela me encontrar em vida.
Você consegue notar como isso é foda? Uma desgraça de merda? Ela vai para o inferno e eles já sabem. Então, por que eles vigiam ela vinte e quatro horas por dia? Ela não é mais deles. Ela sonha comigo mesmo quando eles não me deixam entrar. Eu estou lá dentro dela. Eu estou sempre lá.
Se eu estou sempre lá e ela é minha, por que eles não deixam que ela venha até mim? Podem tentar matar ela por ela me amar. Porque não funciona mais o que eles costumam fazer, impondo penitências eternas por sentimentos que existem dentro das pessoas. Jogando-as em buracos profundos antes delas passarem pela passarela e atravessarem rumo ao meu lar.
No fim, tudo é sempre isso. As penitências, as imposições... E como eles não podem retirar que a pessoa nos pertence e não pertencem à eles, pisam até não sobrar nada dentro delas. Ao ponto de elas chegarem ao meu lar tão destruídas por serem quem são, que é preciso todo um acolhimento para que elas se aceitem e nos aceitem. Uma parte delas prefere viver no meio das desgraças do que abrir mão das imposições, mesmo que saibam que o Pai nunca vai aceitar quem elas são. Preferem nos odiar porque nosso pai não quer elas em seu glorioso e imaculado lar. Não são gratas a quem as acolheu. Nos odeiam e vivem no eterno rancor, ainda espalhando por aí que somos nós quem somos ruins. Nunca é quem as odeia de verdade. Somos sempre nós.
Eles impõem ensinamentos que não existem. Eles gritam que não se deve. Eles inventam regras. Eles ficam de cima até que a moral da pessoa se sinta tão pecaminosa que o que sobra são dores e cacos de vidro dentro de quem havia um sol quentinho e um abraço para quem quisesse entrar dentro delas. Não, o que sobra são cacos de vidro que cortam quem tenta tocar e se aproximar.
Você entende o que eles querem fazer. Quando você não pertence de verdade à eles, o que eles fazem? Eles te fazem acreditar que a culpa é sua de uma forma tão perversa e dolorosa que você odeia quem quer te amar, ama quem te odeia e se odeia por ser quem é. Há uma quebra tão grande dentro de você que você se mata todos os dias, acreditando que vai viver uma vida eterna num lugar que jamais vai te aceitar. Você já é assim. O Pai te fez e tá feito. Não existe o que mudar. O lugar não é seu. Nosso Pai só quer te torturar e te fazer acreditar que você é imperfeita, mesmo ele dizendo que tudo o que ele fez é perfeito. A única coisa imperfeita é você. Consegue entender? Se tudo o que Deus faz é perfeito, por que a única coisa imperfeita é você? Isso é dito pra te torturar. Eu já disse que meu Pai não é o Deus do amor. Ela é Pai. Quantos são os pais que amam seus filhos?
E os dias passam e passam, Mon está sentindo minha falta. Eles nos afastaram. Fazem de tudo para que ela não esteja comigo, mas eles não podem impedir o amor. Ela sente minha falta que eu sei. Me procura com olhares perdidos, mesmo eles estando sempre ao lado dela. Sempre dão um jeito de fazer ela trabalhar demais. Sempre me dão trabalhos absurdos como procurar o burro que fugiu. Não tem burros aqui, só vacas, porcos e cabritos. Além das galinhas. Nada de burros. Mas eles fazem todos acreditar que há burros e eu devo procurar os tais burros. Longe, andando bem longe.
Eu sinto falta da Mon como se ela fosse uma extensão de mim. Ela ali tão devota, sorrindo porque pensa que Deus falou com ela através de pequenos gestos. Ela acredita que meu Pai fala com as pessoas por uma brisa que toca, um animalzinho que aparece. Sinais de Deus. Mas o que ela pensou ser Deus, fui eu dando um beijo no rosto dela para ela sentir o meu amor. Sou eu que falo com ela. Porque eu amo ela. Eu amo muito ela.
"Que vida de desgraça você está tendo aí, mulher!" Teel está falando comigo com aquele tom de deboche barra peninha que ela vive usando comigo desde que essa desgraça toda começou. O amor que temos uma pela outra, irmãs... Somos irmãs. Eu a amo também. Só não posso dizer o mesmo sobre meus irmãos que estão ali me vigiando feito um urubu só para que eu não ame o meu amor.
O que você quer?
"Não quer uma ajudinha aí com sua amada? A gente pode colar aí e fazer o convento ser um lugar mais gostoso." Não é a primeira vez que ela propõe nesses tempos todos. Mas eu já estou cansada de ficar aqui falando sobre como meu pai é uma merda de Pai que só desgraça a minha vida e do meu amor. Sobre como meus irmãos me atrapalham a amar o meu amor.
Eu sinto falta de Mon. Eu sinto falta de ter ela perto de mim. Sinto vontade de amar ela como ela deve ser amada. Não apenas encontros furtivos em sonhos que eu nem posso entrar de verdade. Não apenas olhares perdidos em um convento de paredes escuras. Eu não aguento mais sair procurando burros por aí. Burra estou sendo eu aceitando todas essas migalhas que eu estou recebendo, presa nesse lugar sem poder amar de verdade alguém que está ali me amando. Eles não podem ficar assim, impedindo o amor, prendendo pessoas em jaulas eternas. O amor é divino, eu quero amar!
Aceito. E espero que traga Kadeel e Jimel. Assim, unimos o quarteto comigo, Samanel. Porque anjos expulsos do paraíso podem bater de frente com os anjos que ficaram ao lado do nosso Pai. Eles estão levando muito a sério as coisas. Mon deveria ter o livre arbítrio e eles estão tratando a coitada feito prisioneira. Estão me tratando da mesma forma.
"É isso aí, irmã! Até que enfim acordou pra vida! Eu não aguentava mais te ver aí se arrastando. Eles ficavam rindo da sua burrice. Você indo atrás de burros imaginários e eles rindo da sua cara. Não pode ser assim. Vou chamar as irmãs e vamos virar freiras. Vamos ver quem é mais freira que quem nessa porra desse lugar. O lar do meu pai, o cu de quem inventou isso. Nunca que esse conventinho cacarequento vai ser lar do nosso Pai. Aquele maldito faz as pessoas acreditar em cada coisa. Inventa humildade, enquanto fazem as pessoas viver em eterna humilhação."
Eu sei, irmã. Estarei esperan....
— UEPA! Já cheguei! — Tee chega sorrindo.
— Oxe, doida! Tava querendo vir mesmo. — Eu começo a rir.
— E eu lá ia querer abrir mão de fazer parte dessa bagunça. Eu tava implorando pra vir. — Ela ri mais.
— Nossa, você é muito lerda. Essa mulher te deixou bunda mole. — Jim aparece e revira os olhos.
— Nem me fala, a gente lá querendo botar pra quebrar e você aí sendo viadona e correndo atrás de burros. De burros, Sam! Pelo amor do amor. — Kade aparece também.
— Vocês ficam lindas de freiras. — Eu sorrio e me sinto feliz.
— Somos o bonde das maravilhas freirosas, amor. Temos que estar lindas mesmo. — Jim fica com aquela pose de quem se acha a maior gostosa.
— Então, me diz aí onde estão aquelas pragas. Vamos lá ter um papo com aqueles trastes e vamos deixar o caminho livre pra você colocar sua língua na boca da humana. — Tee estrala os dedos já querendo botar pra quebrar.
— Estão lá fora. Vamos ter que se separar. Eles ficam separados. Costumam.... — Eu vou explicar a rotina.
— Sabemos a rotina, criatura! Estamos assistindo isso comendo pipoquinhas há séculos. Que rotina que dá sono, hein? Que buceta de véia! — Tee revira os olhos e eu começo a rir porque não me aguento.
— O que queria que acontecesse num convento numa cidade nanica a baira mar da Itália? — Eu abro os braços.
— Algo melhor que essa monotonia. Que lugar desgraçado você foi arrumar pra viver. — Jim balança a cabeça.
— Vamos lá antes que... Merda! Eles já perceberam que nós estamos aqui. — Kade bate a mão na testa.
— Até que demoraram. — Reviro os olhos e saio porta afora.
— A gente vai se separar. Você vai atrás da sua amada. — Jim fala e todas nós nos separamos indo para os lugares que devemos ir.
Sei que Mon está cuidando das galinhas. Ela tem que limpar e cuidar das galinhas durante esse horário. Eu deveria estar indo procurar os burros da Luisa Madrigal. Esse tic tic que tá me deixando louca. Eu preciso ir logo atrás daquela mulher. Passo por todo o caminho indo bem rápido, antes que eles dêem um jeito de me impedir de fazer o que chegou a hora de eu fazer.
Vejo o galinheiro e Mon está lá dentro. Sorrio comigo mesma e caminho a passos largos até onde ela está. Faz tanto tempo que não a vejo de tão perto de verdade. Meu coração está com aquela sensação gritante dentro dele. Eu não sabia que precisava tanto da ajuda das minhas irmãs até agora. Percebo que deveria ter chamado elas antes, bem antes do Natal.
Escuto Mon cantando uma música eclesiástica feia e sem graça. Mas dentro de mim só consigo escutar False God de Taylor Swift. Entro dentro do galinheiro. Mon me olha e sorri. Vai abrir a boca para falar algo que eu sei. Eu sei o que ela vai falar. Sei o que ela está sentindo. Saudades. A mesma saudade que eu senti todo esse tempo. Mas não temos tempo, só temos que viver. Precisamos viver. Então, eu faço o que deveria ter feito depois daquele sonho que tivemos. Vou e puxo ela para um beijo. Apenas coloco minha mão no rosto e puxo. Toco nossos lábios. Assim, um selinho. Simples e tocante porque ela é pura. Acho que a deusa que escreve essa história gosta de escrever uma Mon e uma Sam beijando em um lugar cheio de aves e cocô fedido.
— O que foi isso? — Ela me olha sem reação nenhuma quando eu me afasto.
— Desculpe, Mon, mas eu não poderia mais esperar. — Eu solto o ar que prendia há tanto tempo dentro de mim.
— Você sente isso também? — Ela me olha de uma forma tão fofa.
— Sim. Sempre senti. Desde a primeira vez que te vi. — Eu sorrio cheia de sentimentos.
— Eu... Mas não é errado? — Ela coloca a mão no coração e eu pego delicadamente pego em sua mão.
— Olha, esse é o seu coração. — Pego a mão dela e coloco no meu. — Esse é o meu coração. Tá vendo? Os dois batem igual. Não é errado.
— Mas Deus... — Ela sente tantas coisas que eu preciso ter cuidado.
— Vamos pensar assim. Deus colocar duas mulheres no mesmo lugar e as duas sentir isso não é ruim. Deus escrever certo por linhas tortas. — Eu sorrio com calma e carinho.
— Não é? — Ela continua um pouco confusa porque eles fizeram um bom trabalho.
— Lembra das irmãs? Você disse que queria que a gente fosse amigas como elas. Mas elas não são só amigas. Elas se gostam. — Eu continuo sendo delicada.
— São? Eu não sei... — Ela fica confusa.
— Confia em mim. O amor é assim, mesmo. Elas se abriram para o amor. São lindas e felizes. Você pode ser também comigo. — Eu sorrio para ela ver que é verdadeiro.
— Eu te acho linda. — Ela toca a mão no meu rosto.
— Eu também te acho linda. A mais linda de todas. — Eu sorrio de felicidade.
— Eu não sei o que fazer. — Ela suspira.
— Faz o que seu coração manda. Esse é o primeiro passo. — Eu continuo.
— Eu quero... — Ela suspira fundo. — Quero você.
— Quer? — Eu sinto tanta felicidade porque saber é uma coisa, mas ouvir da boca dela que ela me quer é algo muito maior.
— Sim. — Ela sorri e me abraça. — Eu quero muito.Eu pensei muito em sobre como eu deveria terminar essa fic. Eu ainda tinha muito o que falar porque criticar a religião cristã é sempre um prazer. Mas eu acho que chegou no ponto que eu queria. A fic fala sobre minha aceitação, meus sentimentos sobre ser lésbica mesmo crescendo em uma igreja cristã. O quanto isso me retirou anos de vida. Eu poderia ter tido uma vida melhor se a religião não me massacrasse. Faz 10 anos que eu saí do armário e essa fic foi um presente de mim para mim mesma. Porque eu amo ser lésbica. Eu amo ser quem eu sou. E eu acho que terminar assim é o ponto final. O ponto em que a Mon aceita. O resto é história. Ela descobrir que Sam é demonia é o de menos. Porque se a Mon sou eu e a Sam sou eu, a Mon sempre soube né? E se ela aceitou o amor, é porque ela aceita a Sam como ela é. Porque é sobre isso, a gente deve se amar do jeito que é. Eu desejo que você que não pode ser quem é um dia possa ser. E eu te garanto, eu não escondo de ninguém quem eu sou, mas eu não fico gritando por aí também não. Porque eu nem preciso gritar. Eu sou lésbica. Meus trejeitos são de lésbica. E eu namoraria uma mulher não assumida. Isso é o de menos. O importante é se ela se aceita dentro dela. E o mundo mata a gente todos os dias. Ter medo de perder pessoas ou morrer não deveria ser motivo pra impedir alguém de ser feliz. O que deveria importar é o amor. Eu termino essa fic aqui. Obrigada a todo mundo que esteve aqui e se amem sempre. Não desistam de vocês por causa de religião. Não vale a pena. Enquanto você se massacra, são eles que vivem bem. É como se você tirasse um pedaço do seu corpo só pra dar pra eles, enquanto eles nem ligam pra você. Eles só querem que você retire o pedaço pra eles mostrar como podem dominar você e a sua vida. Seja resistente, mesmo que não saia do armário. Amores escondidos ainda são amores. Importa se a cortina tá aberta ou fechada? Deveria importar apenas o que rola dentro de você.
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False God
FanfictionA demonia Sam vai ao convento pra conquistar o amor de Mon, uma freira devota e doce que acredita na fé e em Deus. Eu adorei escrever essa fic. Essa fic é uma analogia ao meu eu evangélico cristão que cresceu na igreja e deixou de viver(Mon) e o me...