Let It Be

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Essa é uma música do Beatles... Vamos pedir para a mãe Maria deixar estar, não é?

    Ah, o amor! Regojizo-me com tamanho amor neste Natal! Essas freiras que estão amarguradas querendo sorrir pela vida do Senhor sendo celebrada, mas jogando praga em todo mundo! O padre ali pensando no coroinha que ele vai abusar assim que a missa acabar, pois já faz anos que ele faz isso. A senhora da fileira dois que jogou chumbinho pra matar o gato da vizinha está pedindo para o Senhor abençoar sua vida de devota amorosa. A mãe que bate na filha em casa e que pensa que um aborto teria resolvido. Teria... Mas ela teve e não quis dar a criança para adoção porque a sociedade não gosta de mulheres que não sejam mães de seus filhos. A Igreja prega que não pode abortar e não pode não querer ser mãe. Afinal, que feiúra não querer ser mãe. Até a mulher virgem foi mãe do filho de Deus. É obrigação da mulher ter um filho que não pediu pra ter e cuidar. Então, temos mais uma amargurada que desconta a raiva de ter tido uma criança que não queria na própria criança. Não querer ser mãe não dá direito a mulher nenhuma de abusar dos filhos. A criança não pediu pra nascer. Cuida e trata, mas não maltrata. Odiar uma criança por algo que ela não tem culpa... Isso, sim, é feio, pois... Temos uma criança traumatizada que vai crescer cheia de problemas que poderá ser depressiva, viciada ou abusiva com outras pessoas. Ou tudo isso. A culpa não é apenas da sociedade. As pessoas possuem o discernimento de saber que uma criança é inocente. Adultos não são. E aquele homem ali... Tão devoto e amado por todos. Bate na esposa e abusa da filha dela, que é filha de outro homem. O outro homem sumiu e nunca assumiu. Ele assumiu pra fazer dela a esposa dele que ele come e ter a esposa que ele usa como empregada e que pode fazer de saco de pancadas quando bem quer. Ele sabe que o Pai perdoa homens de seus pecados e que ele tem o direito de fazer o que bem quer.
    Que crianças estão criando os seguidores do Senhor? Uma abusada pelo padre, uma pela mãe, uma pelo padrasto. O Pai diz que as crianças são do céu, mas ele dá o inferno para elas aqui na Terra. As que sobrevivem à isso viram adultos que sofrem uma vida de desgraça até serem mandadas para o meu lar. Mas diante dos olhos do Pai, isso é o correto. Pois é o amor! Quanto amor! O amor que o Pai prega. Que amor? Isso tá mais pra ódio, punição eterna. A punição eterna que ele diz que tem na minha casa. Como eu disse, meu pai, seu pai, o pai nosso gosta do ódio e não do amor. Quem vive na escuridão não somos nós! Nós vivemos nas cores do arco-íris.
    E o que é o arco-íris? A luz separada em suas cores. Somos luz, mas eles não deixam que a gente diga ou sinta isso. O Pai diz que é luz, mas não aceita que a luz são as cores do arco-íris. Pra ele, a luz é branca como ele. Branco! Ela não pode ser de várias cores. Só branco! A luz sempre tem que ser masculina e branca. Machista e branca. Nunca feminina, nunca colorida. Mesmo que a cor seja feminina. É a cor. Mesmo que seja colorida em sua essência. Não apenas branca. Somos caleidoscópio! Multicolor! Não apenas brancos. O que é o escuro que ele tanto diz não condiz conosco. Condiz com ele.
    Apenas Mon é luz multicolor nesse lugar humano e sujo. Mon e sua devoção linda e fofa. Beberica as palavras do padre maldito como se fosse a coisa mais linda que ela poderia ouvir. É a única nesse lugar que quer o mundo melhor e que não deseja o mal, nem faz o mal pra ninguém. Ela é linda, maravilhosa. Possui a alma mais bela que eu já vi em toda minha existência. O coração mais lindo que já pude ver. Essa é a Mon. Delicada e existe! Está ali na frente e eu a observo com calma e alegria. Acredite, eu sou a única alegre em vê-la. Meus irmãos estão em volta dela com suas asas como se a protegessem do mal horrível que eu sou. Mas eu vejo ela através de suas asas. Mon é radiante. Nem mesmo aquelas asas feias poderiam retirar da minha vista o que Mon é. Afinal, se vê de longe o que ela é. E eles não vão colocar escuridão em volta dela. Eles falam que colocam luz em volta dela, mas eles estão sugando a luz que emana dela. Ela é luz! Luz ofuscante! E eles sentem inveja de sua luz. Sim, inveja! Quem não tem luz, inveja a luz vinda dos outros. Gostam de sugar para suas vidas opacas, a luz de outras pessoas. Não são capazes de emanar luz, então tentam roubar dos outros. Invejosos! Sempre os invejosos! E eu não a invejo. Eu a amo.
     Uma pena que ela prefira acreditar que quem a ama é quem a inveja e não eu, uma alma demoníaca. Ela acredita mesmo que quem é do Senhor não sente inveja. Mas sentem até mais do que quem não é. Os bonzinhos demais são os piores. Sorriem com seus sorrisos falsos, jogando praga em sua alegria. Roubando sua luz porque não possuem luz própria. Cravando suas facas afiadas nas costas de quem dizem amar. Falando mentiras pelas costas. Devotos! Seguram a bíblia e choram falando que os atacados são eles. Igualmente aos meus irmãos ali. Não são? Eu sei que são. Eu não. Eu digo na cara. Melhor dar um tapa na cara olhando na cara da pessoa, do que dar uma facada nas costas, sendo uma covarde, uma falsa. E a falsidade anda de mãos dadas com a inveja. Elas são invenções do Senhor, não de Lúcifer. Lúcifer nunca invejou a criação. Ele não achava certo o que o homem recebia diante de nós. Apenas isso. Não concordar com algo errado não é inveja. Mas o Pai ensinou que a contestação do que é errado o que ele decide é inveja e não apenas falar que ele erra. E o ser humano pegou isso pra si. Usa todos os dias e em todos os momentos possíveis. Virando o jogo pra se livrar da responsabilidade... Usando a inveja como desculpa para sair impune dos próprios erros. Tanto que meus irmãos dizem que eu sou invejosa, não eles que sugam a luz de Mon todos os dias.
    O que é o amor senão apenas querer ver a pessoa feliz, mesmo não sendo ao seu lado? O que é o ódio, senão desejar que a pessoa seja infeliz mesmo sendo ao seu lado? O egoísmo! Ele está em todas as estruturas da casa do Pai. O ódio! Impõe o amor. Impõe a dor. Papai é sadomasoquista e abomina o sadomasoquismo. Ele fala que isso é coisa do meu lar. Rancoroso, meu pai. Adora ver a dor da criação. Diz que seus servos devem praticar o auto-flagelo quando pecam. Eles praticam, pois foi ordenado através da ameaça. Somente para que você veja aí de cima, Pai. Gosta de olhar sua criação se machucando para caber em seu mundo. E teme que Mon possa me preferir no final. A vigia vinte e quatro horas, sugando sua linda cor. Sabe que ela é colorida. Sabe porque a criou. Pai, por que age assim? Cria-nos para sermos o que somos e depois nos pune por sermos o que somos? Pare de cortar nossas asas! Eu sei que não vai me responder. O silêncio é algo que o senhor dá sempre. Diz que um sopro responde por ti. Um sopro! Que porra de sopro!
    A missa acaba e vamos para o orfanato. É uma casa simples com muitas crianças e muitos quartos com camas beliches pra suportar o tanto. Mesmo em uma cidade pequena, ainda se tem muitas crianças sem pais. Os órfãos são muito mais existentes do que se diz por aí. Os órfãos de pais e os órfãos do Pai. Sinto que sou órfã também. Talvez, por isso, Mon gosta de mim. Ela ama ajudar órfãos. Meu pai me abandonou porque o contestei. Ele não gosta de mim. Me machuca sempre que pode. Me ataca sempre que quer. Isso não é ser órfã? Os órfãos são os que não possuem pai, mãe ou os dois. Abandonados de alguma forma. Quantas crianças não são órfãs de pai? Quantos adultos não são? Pais que somem por aí e não reconhecem seus filhos. Eles fizeram, mas não querem. Os órfãos são mais existentes do que dizem. Muito mais do que dizem. E eu sou uma. Sou, eu sei. Você também pode ser. Não é? É?
    Vejo Mon entregando os presentes para as crianças. Presentes que ela fez com todo amor em seu coração. Eu a ajudei em parte deles, mas muitos ela fez sozinha. Eu sinto amor no amor que ela sente. O amor dela se torna meu ao ver a cena da felicidade dela. Ela sorri e vê a cara de cada criança. Se ela me entregasse um presente, eu amaria com todo meu coração. E algumas aqui vão amar. Fico tão feliz por ela. Pena que meus irmãos estão sugando cada irradiação que sai de seu corpo e sua alma. Ela não percebe, mas eu vejo o que eles fazem. A inveja está até nas coisas do Pai. Está, principalmente, nas coisas do Pai. São poucos os que são como a Mon. Que estão ali para o bem e ver a felicidade. São raros. A grandiosa maioria faz o bem querendo uma retribuição. Um ganho. Vou fazer essa caridade porque meu lugar estará garantido no céu. Não é pela alegria. Não é pela sensação de ver alguém feliz. É pelo lugar. Um lugar comprado. Mas meu pai não vende lugares, meu amor. Não assim... Ele vende lugares quando a pessoa faz o que ele gosta bem. Aí ele abre uma brecha. Você vai pra minha casa. Tenho irmãos que vão até te buscar. Tenho uns irmãos que gostam de gente que gostam de comprar um lugar no céu. Eles lambem os beiços e... Vai ser divertido pra você. Mas você vai ver... Não se compra lugar no céu fazendo caridade. Nem na Terra se compra. Os cristãos podem até te odiar. Cristão que é cristão odeia caridade. Não odeia? Dizem que caridade é coisa de comunista e não coisa que o Senhor disse que era pra fazer. Meu pai criou a criação do jeito que ele gosta, mesmo. Mandou ter caridade e deixou claro pra não fazer. É isso o que meu pai faz. E depois a má sou eu.
    Meus irmãos ficam em volta de Mon e eu não consigo me aproximar. Então, só observo de longe seu sorriso de felicidade. Ela me olha e sorri para mim. Eu sorrio também. Parece que esse sorriso nos faz partilhar algo nosso. É nosso trabalho simples e humilde que está sendo entregue aqui. Um sonho que ela partilhou comigo e só comigo. Foram dias sentadas naquela mesa e colando. A maioria das vezes, a gente mal falava uma com a outra. E eu estava feliz com isso. Não é sobre conversar. É sobre eu poder estar perto dela pela primeira vez. Eu não sou mais expulsa. Entende o que isso significa? Nós duas fazendo objetos para humanos e eu amando estar ali fazendo aquilo porque era com ela. E agora eu vejo ela feliz. Sei que ela partilhou comigo bem mais do que parece. Muito mais do que eu mesma conseguia enxergar. O coração dela sabe que sou eu. Ele sabe... Ela veio porque, como eu disse, ela também é cheia de cores. A alma colorida reconhece a outra. E eu tenho alma, também. Não é humana, mas é. Uma alma colorida assim como a dela. Ela gosta de mim. Eu sei que gosta. Ela dividiu comigo algo grande pra ela. Mais uma vez! Uma na praia e outra aqui. É como diria a Taylor Swift, sim eu amo a Taylor! Até demonias como eu gostam de Taylor. Mas enfim, a Taylor diz sobre as linhas invisíveis que nos unem a outra pessoa em Invisible String. Talvez a jornada da Mon foi infernal, mas trouxe ela para o paraíso que sou eu. Ou a minha jornada foi infernal nos braços errados para encontrar os braços certos do paraíso que é ela. Linhas invisíveis... Não são?

False GodOnde histórias criam vida. Descubra agora