La La La

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Essa música é do Sam Smith. Escolhi ela porque ela é boa e porque ela diz sobre tentar impor um novo Messias. Eu tampo meus ouvidos e fico falando la la la...

     O arrebatamento... Ah, o arrebatamento! Enquanto eu olho Mon colhendo conchas na areia fina da praia e o mar corre para lá e para cá, escuto os crentes pedindo o arrebatamento! Não existe um arrebatamento. Só há a casa do Pai, a minha casa e esse mundo. Jesus não vai vir amanhã. Ele não veio durante as guerras mais terríveis e monstruosas que o mundo inteiro já teve. Não virá agora. O homem vai matar seu mundo vivente e depois vai viver cultuando ao Pai pela eternidade ou viver no meu mundo. Não existe um lugar ou uma realidade onde as pessoas sobem como nos filmes de naves alienígenas. Uma luz que te puxa para cima. Os anjos que agora descem, vindo para cá para me vigiar, não estão em luz firme e ofuscante. Eles estão vindo, eu sei. Vão querer proteger o coração puro de Mon. Ela não busca o arrebatamento. Ela busca pelo amor do Pai. Um amor que ela jamais vai ter porque o Pai só ama o masculino. O feminino é a mãe do filho... A mãe que ele engravidou virgem porque gosta da pureza. Uma puta jamais poderia ser a mãe do filho do Pai. Mas o filho salvou uma puta, indo contra as crenças que o Pai disseminou. Algo que não foi bem visto lá em cima, mas que foi visto como puro aqui embaixo. Então, valeu à pena. Um filho homem que foi usado como o exemplo de onde se vai... Coroado como rei, enaltecendo o Pai. Mas morto de forma simplória para que o homem, o masculino, sentisse que o dever... A rendição da alma... Mas sabendo que o pecado era livre, se apenas pedisse o perdão em sua morte. Você pode passar sua vida em desgraçamento, cometendo coisas horríveis contra outras pessoas, mas você poderia ir ao lar eterno de luz esplendorosa se apenas pedisse perdão antes de morrer. E viraria santo. 

    Mas a mulher... Apenas as mulheres que fizessem à risca cada ensinamento teria o mesmo direito. Arrebatamento dito por mulher é tão idiota quanto um cachorro dizer que sente prazer pela ninhada de pulgas em sua carne. É uma idiotice passar por dor e coceira eterna só pra dizer que o Pai vai buscar no final. Se ela não cumprir um ou dois requisitos, vai ser pra minha casa que ela vai ser mandada. Vão viver lá como muitas, arrogantes, ignorantes, rancorosas... Alguns irmãos meus amam essas... Eles fazem a festa com elas. Mas elas serão felizes em seu rancor. Algumas pessoas são felizes sentindo essas coisas. E está tudo bem. Ruim são as que não assumem nem mesmo no final. Mas para essas... Existem os que dão a falsa ilusão e a falsa idealização de um lugar. Elas pensam mesmo que estão lá, mas estão em outro lugar. Não somos ruins como pensam. Já diversidade demais no meu lar. Alguns arrebatamentos vão parar lá, se é que me entende... Não vão parar na casa do Pai. Nem mesmo ele gosta de gente assim. Não está na bíblia. Se não está, ele não gosta. O Pai gosta das coisas muito bem escritas e seguidas. As palavras ditas por ele não podem ser reinventadas nem mesmo pelo homem.
    - Essas conchas estão lindas. - Mon sorri ao olhar algumas bem rosas.
    - O que você faz tanto com essas conchas? - Eu pergunto, fingindo não saber a resposta. 

   Ouvir a voz dela falando comigo é a coisa mais linda que eu poderia viver. E ouví-la é um prazer maior ainda do que qualquer sexo que eu já tenha feito em minha vida. É verdade quando dizem que o sexo não é tudo. Quando você ama, o sexo é importante pra conexão corporal, mas conexão de dentro do peito é outra coisa. E o amor só vale à pena quando você escuta a sua amada falar com amor sobre algo que ela ama. Ver os olhos brilhando, o sorriso de alegria, ela querendo te mostrar como ama aquilo e você ama aquilo junto com ela porque ela ama. E o amor dela por aquilo te toca, te contagia, te preenche onde você nem sabia que poderia preencher. São espaços vazios dentro da gente que a gente já se acostumou tanto com aqueles micro-vazios que a gente nem nota que eles estão lá. Isso até a gente ver o amor nos olhos da mulher que a gente ama. Te preenche inteira. E, pela primeira vez na vida, você sabe que está completa. Sim, só por ver o amor que ela tem por aquilo. Porque o amor dela entra dentro de você e se torna seu, assim como é dela. Você está, finalmente, completa de amor. É assim que eu me sinto... Completa de amor!
    - Eu pego algumas e faço coisas para as crianças órfãs ganharem no natal. Algumas nunca ganham nada. Eu passo meu tempo livre fazendo coisinhas de artesanato e depois entregamos no Natal. Daqui uns dias vai ser Natal. Eu já tenho algumas. As crianças do orfanato daqui vão amar. - Ela sorri aquele sorriso que você sorri junto porque a alegria dela se torna sua. E ela é tão linda em sua devoção, seu amor pelo próximo, sua empatia sem fim. Não é a toa que os anjos estão chegando. Acredite, perder a Mon é uma perda irreparável. Pelo menos, eu vou sofrer por milênios até me recuperar da perda dela. Porque há mulheres que a gente perde e que levam com elas coisas de dentro da gente que são difíceis de recuperar. E Mon é isso... Uma mulher que levará com ela para o céu... Os preenchimentos. Eu ficarei vazia nos lugares que eu era acostumada a ter vazios, mas ela os preencheu. E se ela se for, os vazios retornarão, mas eu saberei que eles eram totalmente cheios. Saberei também, que nada vai preencher novamente. Então, eu passarei a eternidade com o doloroso vazio da perda. Minha existência jamais será a mesma.
    - O Natal é uma época bonita e cheia de luzes. - Eu falo sorrindo porque eu acho mesmo bonito. O ser humano criou uma época bonita. Pena que o Pai mandou matar crenças que não o incluía para que isso pudesse existir. Uma época onde há o amor em muitos lugares, mas que está em cima de um banho de sangue e destruição de muitas religiões. Então, eu sorrio porque ela é feliz nessa data, mas meu coração sabe que onde há o amor vindo do massacre, não há felicidade de verdade. Há apenas apagamento. E apagamentos são cruéis e desumanos. Quantas festas foram feitas em cima de túmulos?
    Entenda, Mon não é uma pessoa ruim por amar o Natal. Foi-se feito um mundo onde se apagou a história e se reinventou outras histórias para que houvesse o Pai nelas. O que não se tinha o Pai não era aceito. Ou era morto, ou era apagado, ou era reescrito para haver, mesmo que sendo mentira. As pessoas, hoje, acreditam no amor do Natal e a igreja alimenta crenças inventadas. E o ser humano costuma seguir o que suas crenças dizem. Eles seguem sem titubear ou pensar se aquilo é verdadeiro ou não. É a verdade porque a igreja diz. E Deus não mentiria. Sinto dizer, mas mente. Ele disse que cuidaria de você... Ele tem cuidado ou é você mesma que se cuida e procura acreditar que há um Pai lá em cima cuidando? As pessoas querem acreditar que Deus está lá porque ele é amor. Mas que Deus do amor é esse que mata crianças despedaçadas ou que deixa bebês nascerem com câncer? Ele não cuidou dessas pequenas humanidades inocentes e indefesas, vai cuidar de marmanjo? A visão seria outra se pensasse o óbvio... Você batalha, se cuida, enfrenta as adversidades da vida todos os dias. É uma burrice acreditar que o Pai cuida da criança da favela e da criança do bairro nobre. Se Deus fosse amor, ele cuidaria de todas igualmente. 

    E não deveria existir essa crença de que Deus faz coisas pra testar o homem porque Jó perdeu tudo... Que Pai é esse que te tira tudo por prazer só pra ver se você crê nele? O Pai conhece o coração da criação. Ele sabe que o filho crê nele. Ele só faz coisas ruins para se divertir. Qual é o pai que você conhece que quebra todos os brinquedos dos filhos só pra ver se o filho tem fé? Isso é doentio. Mas vamos ver por outra ótica... Qual é o pai que tem dois filhos gêmeos e dá tudo do bom e do melhor para um e deixa o outro na miséria? Os dois filhos sendo crianças. Uma criança comendo fartura e o outro morrendo de fome. O que você pensaria desse tipo de pai? É esse o pai que você acha que cuida de você por você estar viva vivendo uma vida de cão.
    - O Natal é o nascimento de Cristo. Uma época cheia de bençãos e amor. Louvamos ao Pai por nós. Maria nos enche com seu manto e cuida. Os reis que vão ver o verdadeiro rei. É minha época favorita do ano. Está frio, inverno. E ajudar as pessoas é muito bom. - Mon sorri mais ainda e eu tento não olhar pra ela com carinho porque seria estranho demais.
    - Qual foi o melhor Natal da sua vida? - Pergunto.
    - Eu tinha sete anos. Fui no presépio e tinha uma menina lá que estava triste. Ela tinha perdido a mãe. Era o primeiro Natal sem a mãe. Nós sentamos e conversamos. Eu falei com ela sobre como Jesus estava com a mãe dela no céu. Ela ficou mais feliz. Sorriu e me abraçou. Eu vi como fazer isso era bom e todo Natal eu ajudava órfãos. Eles estão sozinhos e tristes. São muito esquecidos. Vemos tantos filmes de família nessa época. Mas eles são sozinhos. Não possuem família. Eles são a própria família. É diferente quando damos amor para aqueles coraçõezinhos lindos em uma época que eles ficam tão tristes. Entende? - Ela me olha naquele jeito dela tão lindo e meu coração bate em ritmo da Grande Rio com a Paolla Oliveira dançando de tigresa. Brasil, meu Brasil... Já tô adivinhando o futuro? Não! A fantasia da Paolla já está pronta agora em dezembro pra ela usar no Carnaval de dois mil e vinte e quatro, daqui dois meses. Mas a mãe da menina que sofreu está lá no meu lar. Está feliz, até. Desculpe estragar os sonhos de você que imaginou ela lá no céu... O inferno também é gostoso. Você vai ver quando for pra lá.
   - Eu entendo e acho lindo o que você faz. Queria ter talento de fazer artesanato, mas só sei cuidar de hortas. - Fico meio sem graça.
    - Eu posso te ensinar e nós fazemos juntas. - Mon sorri e meu coração está dançando agora a Paolla e a Viviane Araújo juntas.
    - Claro... - Eu sorrio.
    - Tudo bem. Me ajuda a escolher umas e eu te ensino. - Ela se anima e eu vou ajudar. Meu coração está com Paolla, Viviane, Sabrina na Gaviões... E vai Corinthians!

False GodOnde histórias criam vida. Descubra agora