By The Grace Of God

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O capítulo passado... A Mhee é baseada em algumas coisas que eu vi da década de 70. As pessoas hoje em dia são muito de gritar muitas coisas, mas antigamente era normal. Não adianta ficar com ódio do que acontecia numa época onde as pessoas tinham outra cabeça. Se for assim, a gente vai odiar tudo do passado porque não tinham leis, nem educação, nada. Não tô dizendo que era certo, mas que fingir que não rolava é burrice e apagamento da realidade histórica.

2023, Convento na Itália

    Fui até à sala da madre superiora sabendo que ela me olharia atentamente. Aqueles olhos que envelheceram e escondem a mulher que, um dia, ela foi. Eu sei o que a transformou nessa mulher. Porém acho que não me convém falar isso. Os sentimentos de uma mulher que viveu muitas coisas e resolveu que o melhor seria se entregar para o Pai não podem mudar muitas coisas. E eu sabia muito bem o que causaria vindo aqui com essa aparência. Poderia ter escolhido outra, mas escolhi essa. Gosto muito dessa aparência em particular e a usei muitas vezes durante minha vivência no mundo mortal. Ainda mais depois de que o mundo se globalizou. Você pode ir para qualquer lugar com qualquer aparência que vai ser tranquilo. Ou você se passa por uma turista, ou se passa por uma moradora comum de uma cidade de um lugar onde a imigração e emigração aconteceu em larga ou baixa escala. No Brasil, por exemplo, não é muito difícil me camuflar pelas cidades de boa parte do país com essa aparência de mulher amarela porque os amarelos foram bem vindos ali. O mesmo acontece em muitos países pelo mundo. Ser amarela não é algo que me fecha as portas mais. Antigamente, era. Os amarelos eram da parte da Ásia e eu poderia ter essa aparência apenas por lá. 

    A verdade é que essa aparência é de uma mulher que conheci há muito, muito, muito tempo em uma província da região tailandesa. Era uma mulher de origem rústica que cortava bambus. Eu a vi e me interessei. Foi tão marcante sua beleza em minha memória que faço daquela a minha beleza. Uma beleza diferente. Pode se passar por uma menina gentil e fofa ou uma mulher dominadora e séria. Tem os olhos delicados e uma boca com o tamanho perfeito que faz um mulher querer beijar. A usei e a uso, também, como uma reverência à beleza daquela que se foi há tanto tempo. Ela ser olhada por mulheres em tantos anos é algo que a deixa feliz. Ela está no meu lar e me deu a autorização. Eu jamais usaria o rosto de uma mulher sem sua permissão. Apenas o Pai faria isso. Afinal, ele pensa que possui direitos por ser criador. Não entende que, ao criar uma criatura com vontades próprias, você perde o direito de ser dominador dela. Você apenas precisa viver em respeito à ela e ela em respeito à você. É uma troca de cortesias.
    - Muito bem, irmã. Soube boas referências de você. Cuida bem da horta, limpa bem os cômodos e sabe fazer orações que encantam os corações das pessoas. - A velha senhora disse e eu senti raiva de ter pedido para meu irmão Natanael ficar fazendo a mulher de burra. É claro que ele iria me trollar e falar que eu deveria orar nesse lugar. Odeio orações. Nós todos odiamos. Somente anjos dos céus oram. Nós, anjos caídos, jamais. É contra a honra da nossa existência.
    - Sim, senhora, madre. - Eu sorri com bondade.
    - Você possui parentes em Los Angeles? Uma mãe? Uma tia? Uma avó? - Mhee não muda, mesmo. Sempre com esse tom. Se entregar ao Pai não retirou dela esse tom de quem sabe das coisas e pode usar elas contra você a qualquer momento. O que me faz sorrir por dentro. Minha amiga está ali. Eu sei que está porque conheço ela. Mas ver ela sendo assim comigo me trás lembranças boas de um passado que jamais voltará.
    - Sim. - Digo para amenizar sua curiosidade.
    - Quem seria? - Ela pergunta em um italiano tão perfeito que não parece que é uma ianque que bebia cerveja no gargalo e até foi no festival de Woodstock curtir a vida como uma jovem deveria fazer.
    - Tenho uma prima distante que nem tenho contato. Por que seria a pergunta? - Jogo para ela.
    - É que senti seu rosto familiar. - Ela sorri e eu vejo minha amiga ali naquele sorriso. Finjo não entender o que significa aquele sorriso. Segredos de amigas são sempre segredos de amigas. Até mesmo essas amigas não poderão saber sobre eles. Entende?
    - Já me falaram isso antes. - Sorrio com bondade.
    - Muito bem. Já mandei irmã Maria Silvana sair da horta. Você cuidará da nossa horta de agora em diante. Colha sempre as alfaces antes do almoço e as couves antes da janta. Gostamos de sopa de fubá com couve no jantar. Ajuda a dormir. - Ela informa naquele tom de madre velha e chata que ela adquiriu.
    - Sim, senhora. - Eu concordo.
    - Vá... Com a benção de Maria. - Ela fala quando me levanto.
    - Com a benção de Maria. - Não tenho problemas em falar sobre a benção de Maria porque Maria não é o Pai.
    Saio da sala e me encontro com Mon. Ela passa por mim e une as mãos como se fizesse uma oração por mim. Espero que não ore por mim. Mas sei que ela ora e vai orar. Não é algo horrível ver o Pai recebendo uma oração por uma demônio. É que apenas eu não quero que ele saiba de minha presença aqui. Os anjos de Deus trabalham, sabe? Não quero um vindo aqui me vigiar pra saber o que eu faço em um convento específico. Não preciso de Miguel, Gabriel, Rafael, Léo, Mel, Fel aqui vindo me observar. Mas eles virão, não é? Eu sabia que me arriscava vindo aqui. Mas ela vale o risco. Eles não podem me expulsar da casa do Pai. Até mesmo eles sabem que as edificações são abertas para quem quiser entrar. Essas são as regras, não? O Pai fez elas serem assim. Talvez por pensar que nós nos arrependeríamos e viríamos em sua procura. Mas eles vigiam. Eles observam. Eles olham com olhos de águia o lar a procura de impostores. E eu sou uma. Eles não procuram impostores entre os humanos. Os humanos podem ser corruptos, assassinos, pervertidos, ladrões e cometerem todos os ditos pecados dentro das edificações. Eles não gostam de impostores como eu. Nós, demônios, podemos nos divertir dentro das edificações. Mas eles nos olham e vigiam para que nós não causemos estragos o suficiente para mostrar aos humanos que a casa de Deus é a mais corrupta, assassina, criminosa existente. Eles trabalham para que, mesmo que se saiba, ainda ela seja intocável perante os olhos dos homens. Tanto que se vê a maioria dos historiadores sendo cristãos. Eles sabem dos crimes, ensinam sobre eles, mas cultuam e frequentam o lugar como sagrado. Até mesmo diminuem as proporções dos crimes da Igreja para que não pareçam tão horríveis e pecaminosos. Os horríveis e pecaminosos somos nós.
    Sei que deveria me aproximar de Mon, mas ela é tão casta e intocável que eu preciso que ela se aproxime de mim. Porque a aproximação dela vinda de uma escolha dela, nem mesmo Deus poderá impedir. Eu apenas sei que ela tem os cheiros das rosas que ficam dentro das igrejas. O cheiro das velas que se acendem para os santos. Ela tem o cheiro da devoção eterna. Um cheiro que me irrita, mas que, vindo dela, me atrai. Porque ela é linda por dentro como jamais nenhuma mulher foi. Já vi tanta devoção. Mas, geralmente, a devoção é cega aos mandamentos. Mon, não. Ela acredita fielmente que possa salvar o mundo seguindo os passos do filho de Deus. Ela só ainda não percebeu que o dito filho de Deus andava com pessoas que a igreja pune. O próprio filho seria morto novamente hoje em dia. Falam tanto sobre como o filho do Pai foi morto pregando as palavras de amor, mas matam todos os dias quem faz o mesmo. E matam até de formas muito mais cruéis e em público do que Cristo foi. O ser humano precisa desse poder de matar quem ele acha que vai contra o que ele acredita. Mas Mon não é assim. Ela só é inocente. E se eu não conseguir trazer ela pra mim, sei bem que ela vai ser transformada na nova santa devota de algo que a Igreja inventar para agradar ao Pai. Só que a Igreja vai usar da imagem dela para matar mais pessoas todos os dias, indo contra o amor lindo que Mon tem dentro de deu coraçãozinho fofo e humano. Ela sonha em salvar o mundo pela oração. Eles vão usar das orações dela para matar mais pessoas que agirem de uma forma minimamente contra o que eles pregam. Eles pregam, todos os dias, a morte. Ela ora, todos os dias, pela vida.
    O dia corre tão rapidamente que eu acho estranho. Acho que estar perto dela como jamais pude estar, sem Deus me tirar e me jogar para fora, me dá uma alegria em viver por aqui. É um lugar bonito. Um pequeno convento em estilo bem antigo no meio do mato e com o mar lá ao fundo. Um mãe azul e lindo. As freiras andam por lá uma vez ou outra. Elas podem ver o mar. Podem chegar perto do mar. E eu vi quando Mon pegou algumas conchinhas, enquanto eu cuidava da horta. Depois, formos chamadas para orar em grupo. Não gosto de rezar. Já disse. Usei esse momento para falar com meu irmão Natanael e matar o infeliz por ele fazer aquela brincadeira idiota. Tive sorte de a madre não pedir que eu orasse as orações bonitas que ele inventou que eu fazia muito bem. Aquele diabo infeliz! Deixa eu voltar para o inferno pra ele ver. Vou pendurar ele pelos mamilos no teto e enfiar um negócio até o talo. Ele vai gostar, eu sei... Nenhuma punição no inferno é dolorosa. Eles querem fazer você acreditar nisso, que você vai sofrer muito... Mas como se pode sofrer quando se está recebendo prazer por prazer?
A hora de dormir é interessante nesse lugar. Algumas freiras, mesmo escondidas, fazem uns toques de violão nas partes íntimas. Algumas fazem até uns toques de tambor. Essas mulheres não possuem vergonha de pensar em coisas dentro da casa do Pai. Eu acho engraçado? Morro de rir. As vantagens de não dormir é que eu posso estar acordada sempre. Então, eu vejo essas coisas. Além de ver meus irmãos do sono vindo dar umas voltinhas por aqui.
     Incubus e succubus. O que seria? Os demônios que te comem enquanto você dorme. Comem no sentido carnal. Há os de nós que amam sexo. A vida é o sexo. E há as pessoas que querem ou precisam do sexo, mesmo que elas neguem isso. Invadimos os sonhos e brincamos um pouquinho com elas. Pensam que somos os demônios de chifrinhos fazendo sexo. Mas quem já sonhou com algum ser de chifres demoníaco fazendo sexo? Não, nós usamos de artifícios. Nós olhamos o subconsciente da pessoa e fazemos uma imagem conhecida ou desconhecida para fazer um sexo gostoso e prazeroso. É aquele sonho de sexo que você sente prazer com quem você ama, odeia ou até sente nojo. Vai depender do nosso humor. Há os de nós que amam fazer sexo com a alma humana fazendo-a acordar depois e sentir sujeira no sonho que sonhou. Aquilo ficar perturbando ela o dia todo. Há os que gostam de saber que a pessoa vai acordar e sentir prazer, sorrindo e imaginando realizar aquilo que se sonhou. Se eu já fiz isso de invadir sonhos? Oh, sim! Já! Eu invado sonhos e faço umas tentações. É divertido. Era mais divertido antigamente, mas ainda é. Mesmo sendo dois mim e vinte e três e as mulheres sejam mais abertas ao sexo, ainda temos mulheres que nos dão esse prazer de brincar com as emoções. Ainda temos mulheres que sentem nojo nos prazeres da carne. Ainda tem as que você sente prazer em brincar. Mon é protegida, eu já disse. Eu poderia entrar no sonho de qualquer mulher daqui e fazer ela ver meu rosto humano e depois ver como ela se sentiria ao me olhar, sabendo que sonhou comigo fazendo um sexo lésbico perfeito e cheio de tesão. Mas não posso... Acho que virei uma demônia fiel, afinal.

False GodOnde histórias criam vida. Descubra agora