Sete e meia da manhã. O despertador ao lado da cama, com seu bipe horroroso, fez Edgar erguer-se do travesseiro, ainda meio sonolento.
O moreno olhou ao redor do cômodo claro que ele já conhecia fazia anos, esfregando os olhos sonolentos por debaixo da franja longa.
O quarto não era grande, mas era o suficiente para que ele passasse seus dias ali; era recoberto de um papel de parede creme com pequenas listras verticais escuras. A mobília não passava de uma cama, um armário no canto da parede e uma escrivaninha diante da janela. Entrava uma luz calma e bonita através dos vidros. Cantavam os pássaros para saudar o sol que recobria o jardim naquela manhã. Era primavera.
Poe se levantou, desajeitado, e buscou pela mesma roupa de sempre no armário. Os cuidadores lavavam-na todas as noites para que ele pudesse usá-la no dia seguinte: a camisa branca com detalhes elegantes, a calça preta de alfaiataria.
E aquele par de tênis. Os tênis muito brancos da Coca-Cola.
Ele não sabia por que usava aquele tênis todos os dias.
Ele não sabia por que usava aquela roupa todos os dias.
Ele não sabia o porquê de mumurar "bom dia" para um guaxinim de pelúcia que ficava ao lado de sua cama.
Ele não sabia por que tudo sempre se repetia. Só sabia que aquilo lhe passava segurança.
Edgar observou sua silhueta no espelho. Talvez ele se descrevesse como bonito; de talhe esbelto, a franja castanha --"cor de chocolate", como talvez alguém tenha comentado-- muito longa, os olhos da cor do céu antes da tempestade. Talvez alguém uma vez tenha dito-lhe isso. Mas ele não se recordava.
Assim como a maior parte de seu passado.
Alguns anos antes, aproximadamente dois, Edgar simplesmente acordou naquele lugar e recebeu o diagnóstico. Perdera todas as memórias específicas, restando apenas aquelas que uma pessoa sem história de vida teria: seu nome, as coisas ensinadas na escola, os costumes que se repetiam incessantemente a cada dia. Nada além disso.
Assim ele acordava pela manhã. Assim ele ia se deitar pela noite. Sem saber ao certo quem ele era fora dos portões do Centro Geral de Recuperação de Yokohama.
Pegou o livro que ficava sempre sobre a escrivaninha. Era o livro que ele próprio começara a escrever em um tempo distante. Estava incompleto. Todos os dias ele tentava retomar a escrita, mas sem sua memória, não iria funcionar.
Todos os dias ele falhava na única coisa em que costumava ser bom.
Mesmo assim, com o volume manuscrito e a caneta na mão, Edgar deixou o quarto.
Não caminhou muito pelo corredor inundado de luz matinal até se deparar com a médica responsável por aquela divisão: Yosano Akiko. A moça, em seu jaleco de médica, tinha um sorriso suave no rosto, e quando avistou Poe deixar o quarto, se dirigiu a ele prontamente:
-Bom dia, Poe, como sempre acordando cedo assim! O café da manhã já está servido lá embaixo.
-Bom dia, senhorita Yosano. Tenha um ótimo trabalho hoje. -Ele replicou, educadamente.
Ela observou Edgar descer as escadas na ponta do corredor. Seu sorriso sumiu logo em seguida.
Poe era mais um dos que eles chamavam de "casos irrecuperáveis". Fazia dois anos que ele estava residindo na ala Sul do C.G.R.Y.
Não existiam familiares para cuidar dele. Ele era solitário, e seu caso de memória era um quadro irreversível.
A única solução era deixá-lo lá até o dia de sua morte.
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⋆°• Lovely Memories⋆⁺₊ ~{Ranpoe♡}~
FanfictionEdgar Allan Poe não consegue se lembrar de absolutamente nada do seu passado além das informações básicas. Seu nome, sua caligrafia, as coisas que aprendera na escola, bem como detalhes românticos da vida que ele não faz ideia de onde aprendeu; o me...