-Por um momento pensei que não iria te achar- Yosano brincou, mas não havia nada em sua fisionomia que acusasse divertimento ou um tom descontraído.
A enfermaria estava inusualmente fria. Atrás da escrivaninha, a médica encarava Poe com análise. Algum aparelho de monitoramento cardíaco apitava no fundo, criando um pouco de ruído. A cor gélida das paredes dava ao paciente uma sensação de estar sendo preso por correias frias invisíveis. Tudo soava tão perturbador, tão inusitado, mesmo que igual às outras um milhão de vezes. Mas aquela não seria como uma dessas um milhão de vezes.
Tentou relancear um olhar para além de uma estreita janela basculante na distante parede da sala. Só uma coisa se passava naquela mente petrificada: todos nós vamos morrer.
A pouca quantidade de luz de temperatura amena que aflorava pelo vidro lutava em vão para inundar a enfermaria. Ali não entrava luz que não fosse a provinda dos LEDs dos aparelhos e lâmpadas encolhidas no teto.
Poe ficou imóvel em sua cadeira, de frente para a doutora, tentando não transparecer a ansiedade. O choque de instantes antes, no jardim, ainda lhe provocava um desconforto interior, aquela ânsia inexplicável que fazia qualquer pensamento além sucumbir ao mal-estar ao qual se entregava o doente. Aquela dança tinha significado algo muito importante, mas ele não sabia dizer o quê.
Aguardar as próximas palavras de Yosano era o que lhe restava. Eram tantas coisas confusas rondando-lhe os pensamentos que ficava insuportavelmente difícil reagir.
-Eu... gostaria de saber, Yosano-san, o que poderia ser tão urgente por ter ficado transtornada em minha procura- em outras circunstâncias, o pedido seria considerável quase um descaso, já que notoriamente, Yosano esclarecia um desejo por respeitoso silêncio na maior parte do tempo. No entanto, depois de dois anos observando a honesta forma de expressão que Edgar demonstrava, era inevitável sorrir tristemente, sabendo que nunca seria possível dar-lhe uma notícia boa, tendo ocorrido o que ocorreu naquele dia...
A médica ponderou um instante. O olhar dela pareceu vasculhar algo de diferente no rapaz sentado do lado oposto da escrivaninha. A atitude já estava provocando calafrios em Poe.
-Sabe de uma coisa, Poe?- Iniciou Yosano, ainda pensativa- quando eu era menor, gostava de caçar borboletas para guardá-las com meus livros. Na época eu não tinha noção de que estava matando animais indefesos para meu próprio proveito. Um dia... meu irmão chegou até mim e disse... -ela fez uma pausa dolorosa, não mais olhando para o paciente, porém para algo que havia dentro dela mesma e que estava perdido à parte de seu corpo- "ei, Aki, você não tem pena delas? São criaturas tão bonitas, mas incapazes de perceber sua própria beleza. Enquanto você as mata, elas só querem um lugar no mundo para chamar de seu. Você nunca entenderá por que elas vivem do jeito que vivem, por isso é injusto". Eu fiquei muito mal com aquilo, porque ainda pensava como uma ingênua que borboletas de nada serviam e portanto não faria mal fazer o que eu fazia. Não imagina o quanto minha consciência pesou. -De súbito, Yosano aparentou ficar um pouco menos "assustadora" aos olhos de Poe. Ele ouvia cada palavra como se já conhecesse o discurso, mas por alguma razão ouvi-lo novamente era uma ideia que o atraía.
Aquela estirpe de quimera semeada de sabedoria soara-lhe familiar, provocando uma estranheza na concepção de Edgar.
-É realmente um pensamento contemplativo... mas, se me permite a pergunta...?
-O que isso tem a ver com o que eu precisava falar a você?- Yosano previu a questão, apoiando o queixo nos dedos levemente manchados de caneta e sorrindo, receptiva- é uma coisa meio pessoal. Se tem uma coisa que aprendi é que, para você, tudo fica mais fácil de se compreender se olharmos ao redor com nossas próprias analogias. Cada um entende as coisas com suas particularidades, sem existir certo ou errado.
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⋆°• Lovely Memories⋆⁺₊ ~{Ranpoe♡}~
Hayran KurguEdgar Allan Poe não consegue se lembrar de absolutamente nada do seu passado além das informações básicas. Seu nome, sua caligrafia, as coisas que aprendera na escola, bem como detalhes românticos da vida que ele não faz ideia de onde aprendeu; o me...