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Anoiteceu e amanheceu, e Poe continuava confinado em seu quarto.

Ainda perturbado pela memória junto à praia, esta ele registrou em seu livro, dezenas de palavras negras riscadas com a elegância da caligrafia sobre o papel áspero e amarelado.

Passaram cerca de 36 horas. Sim, ele contou. O relógio novo que o arrumaram lembrava-lhe disso a cada tique-taque; de um jeito ou de outro, Poe sabia que estava ficando louco.

Inquietação insana, pensava consigo, que não o deixou por muito tempo. Se tentasse olhar através da janela, não enxergaria nada além do vazio que sua mente o obrigava a ver: milhares de perguntas. Só isso. De onde elas vinham, isto ele não sabia.

O pior de tudo foi, de longe, quando ergueu-se da cama e percebeu: desde aquela tarde, não fora mais ao jardim para falar com Ranpo. Será que ele estaria desapontado com Poe por causa disso? Será que ainda estaria esperando por ele sob a cerejeira em flor? Flagrou-se pensativo sobre isso o tempo todo enquanto se vestia com as mesmas roupas de todos os dias e amarrava os compridos cadarços dos tênis Coca-Cola. Os tênis...

"Precisa de algo que te faça ver o que é real. Mas sequer você sabe disso."

"O que é que você ama?"

Cada palavra de Ranpo estava estampada na alma de Edgar. Se juntasse todas as peças, era inevitável a conclusão fatídica e perturbadora: Ranpo sabia de algo além.

Como seria possível? Isto é algo impossível de saber.

Então, outra vez diante da janela, tentou captar na paisagem do jardim de Ranpo estava lá. E para sua surpresa, não estava.

Quão peculiar fato; Poe sabia que ele raramente deixaria o jardim. Se sabia disso era por um estranho pressentimento particular.

Quando levou o livro manuscrito ao peito, firme entre os braços, as mechas cor de chocolate de sua franja obstruíram brevemente sua vista como já era costumeiro de acontecer. Mas pela primeira vez, ele se sentira incomodado com isso.

Ao achegar-se à mesinha de cabeceira da cama, ali viu os medicamentos previamentes separados junto de um copo d'água. Isso era bom. Mesmo que fosse só pelos remédios, estava com sede de algo real até fisicamente. Muito provavelmente Yosano deixara-lhe os remédios durante o sono dele. Melhor assim. Não conseguia olhar para o rosto da médica sem lembrar-se de que aos poucos estava cada vez mais à deriva em qualquer que fosse a doença que mergulhava-o naqueles espasmos psicológicos.

Com uma mão levou as pílulas branquicentas do tamanho de confetes à boca e virou todo o copo d'água de atrás. O remédio era amargo e parecia arder na garganta. Uma pequena porção de minutos era suficiente para que o medicamento desse dor de cabeça indicando o início dos efeitos.

Agradeceu por não encontrar Yosano no corredor. De alguma maneira esse medo infundado cultivara-se-lhe no espírito e o deixava taciturno ao olhar ao redor. Talvez não fosse medo dela, propriamente dito, mas de algo além.

Ocorreu que depois de um bom tempo se recusando --ou melhor, vendo-se debilitado nesse aspecto-- de ter uma refeição decente, viu-se com um sentimento libertador outra vez.

Edgar sorriu. Estava com uma tremenda vontade de tomar aquele café preto matinal para alimentar-lhe o ser.

•°•°•

A cada passo que Poe dava pelo corredor pouco movimentado do térreo em direção ao jardim do C.G.R.Y., a garganta dele parecia apertar lentamente, como aquela metáfora para explicar o mal do cigarro: é como se colocasse uma corda no seu pescoço, e aos poucos ela puxa e vai apertando-se até você morrer por asfixia.

⋆°• Lovely Memories⋆⁺₊ ~{Ranpoe♡}~Onde histórias criam vida. Descubra agora