Estava agradavelmente a conversar com a Naomi. Não sei precisar o tema, mas o mais provável era ela estar a falar sobre o visual do seu novo amor. Era sempre assim. Verão após Verão, a Naomi apaixonava-se por um rapaz novo, tipicamente moreno de olhos verdes, sempre um ano mais velho que ela. Previsível. E eu, Charlotte Hart, a sua melhor amiga, aturava-a todos os anos, sempre as mesmas inseguranças.
Tocou.
Naomi e eu saímos do banco de jardim, junto ao campo de futebol. Fomos andando para dentro pois eu não gosto de me atrasar. Além disso, não podia dar má impressão no primeiro dia de aulas, certo?
Os corredores da escola estavam totalmente cheios. Centenas de alunos a dirigirem-se às salas, perdidos, pois já não recordavam onde eram as salas. A minha seria a 17. Para ser sincera, também não me lembrava onde ficava. Olhei para o lado, para perguntar a Naomi se sabia onde era mas ela não estava lá. Provavelmente ficou na conversa com alguém. Vantagem (ou desvantagem) de ser popular. A cada passo que dava, Naomi encontrava alguém conhecido. Eu não. Era uma espécie de sombra, poucos eram meus conhecidos.
Decidi encostar-me à parede, deixar acalmar, para ir procurar a sala. Quando a encontrei, deviam passar uns dez minutos do toque. Bati à porta, três pequenos toques, ao de leve. Do interior ouvi um "Entre!". Assim o fiz, entrei, atrasada, no primeiro dia de aulas. Pedi desculpa pelo atraso e, rapidamente, procurei Naomi, para me sentar junto a ela, mas ela já tinha companhia. O único lugar vago era o da frente, junto à secretária do professor. Lá fui eu, a tentar ir bem rápido, mas mal conseguia andar, só mochilas, mesas e cadeiras a atrapalhar. Abri o meu caderno, de argolas e cor de rosa, e comecei a escrever o sumário, que estava no quadro, com uma caligrafia confusa, mas encantadora.
Entretanto, o professor começa a apresentar-se: "Olá, eu sou o professor Stanley Vasquez, leciono Português e Latim. Estarei ao vosso dispor, para vos ensinar, mas também para vos ajudar em algo que precisem. Sem mais a apontar, por agora, apresentem-se, a começar aqui pela frente, pela...". E ficou a olhar para mim. Admito que fiquei envergonhada, odiava ser eu a começar a falar! Mas respirei fundo e comecei:
- Olá a todos, eu sou a Charlotte, tenho 16 anos, e pronto, acho que só tenho isso para dizer.
- Onde vives? Diz-nos o que gostas de fazer nos tempos livres, e, já agora, diz-me a nota que tiveste no ano passado a Português. - Disse o professor, tentando, obviamente, que eu falasse mais um pouco, e me apresentasse de forma mais completa.
- Bem, eu moro aqui, em Lisboa. Nos meus tempos livres costumo ler, ouvir música e relaxar em casa, não há nada melhor que a nossa casa. O ano passado tive um 18 a Português.
- Então significa que te deste bem o Camões? - E assim o professor soltou uma gargalhada, depois de finalizar a sua piada relativa aos poemas estudados, no ano anterior, do escritor.
Os meus colegas continuaram a sua apresentação, mas, em vez de olhar para eles, eu olhei para o professor. Entendi que os seus olhos eram de um castanho muito parecido ao meu. Desviei o olhar. Não queria que o professor reparasse que estava a olhar para ele, ainda pensava que eu era uma adolescente com a mania de se tentar envolver com os professores.
Quando todos acabaram, começamos a falar do conteúdo programático do 11º ano. Claro que os meus colegas, maioritariamente alunos que nem ali queriam estar mas eram obrigados, começaram a reclamar devido ao facto de terem de ler "Os Maias", de Eça de Queiróz. Para mim era uma situação pacífica, já tivera lido e relido a obra algumas vezes.
Tocou de novo.
Arrumei as minhas coisas e fui ter com a Naomi, que estava na outra ponta da sala, entretida a conversar. Até que ouvi o professor a chamar-me.
- Charlotte, esqueceu-se do seu casaco na cadeira. - Advertiu-me o meu novo professor de Português.
- Ah, ia esquecer-me dele aqui - voltei para trás, envergonhada - Obrigada! - e sorri.
E, sem eu esperar, o professor sorriu de volta. Fiquei corada, provavelmente. Cheguei atrasada, esqueço-me do casaco, deve pensar que eu sou uma tonta.
À porta da sala estava a Naomi, na conversa, enquanto me esperava. Quando me aproximei, despediu-se do grupinho de raparigas e fomos até à portaria da escola. O primeiro dia de aulas tinha acabado, finalmente. Naomi tinha o seu pai à espera, então eu fui, sozinha, a pé para casa. Auriculares nos ouvidos, na minha caminhada diária de 10 minutos.
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15:00
Romance"Mais um ano escolar, um como os outros, até que toca para a última aula do dia. Não me apetece nada, já estou cansada e ainda agora começou a escola. Mas quando entro na sala percebo. Tudo mudará a partir daí." ____________________________________...