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Nem acredito que o primeiro fim de semana de aulas tinha acabado. Daqui para a frente não teria descanso. Com as aulas e a preparação para o concurso iria deixar de ter tempo, ou pelo menos tanto tempo, para mim. 

  Preparei tudo para o dia seguinte. A roupa, a mala e o lanche habitual - uma barrita de cereais. Tudo pronto. Agora bastava-me ir jantar, tomar um banho e aproveitar as últimas horas antes da semana infernal. 

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  O dia estava quase a acabar, já só faltava a aula de preparação. Contudo, ainda tinha uns 20 minutos de intervalo pela frente. Fui até ao banco junto ao campo. Estava sossegada a ouvir música, na escola praticamente vazia, - nas primeiras semanas ninguém ficava o último bloco, ainda não havia apoios nem atividades extra-curriculares - acompanhada pelo leve sopro do vento. 

  O meu telemóvel tocou. Era a minha mãe. O que é que ela queria? Raramente me liga durante o tempo de aulas.

- Estou, mãe? - perguntei eu, com a minha voz, incrivelmente baixa.

- Charlotte... Charlotte, fica na escola até ao último tempo, a tia Cecília irá buscar-te. - disse a minha mãe, com a voz a tremer.

- Mas mãe, o que se passa? - Perguntei eu, começando a ficar nervosa.

- O teu pai... ele... está no hospital, teve um acidente grave, mas ficará tudo bem. Eu tenho de ir filha, não te preocupes, ficarás na casa dos tios esta noite ok? - disse, começando a soluçar e a chorar compulsivamente.

- Mãe, ok, amo-vos muito. Eu porto-me bem, vai dando noticias por favor! - Disse eu, não sei como, para ser sincera.

- Sim filha, amo-te. - E desligou o telemóvel.

  Comecei a chorar muito. Odiava não saber ao certo o que se tinha passado. Será que tinha sido muito grave? Como teria acontecido? Imensas perguntas me assaltaram a mente, estava chateada, nervosa, ansiosa. As lágrimas escorriam pela minha face e eu não as conseguia travar.

  Estive uns quinze minutos ali, sentada a chorar, até que tocou. Invés a ir direta à sala, fui lavar a cara à casa de banho. Não valeu de nada. Notava-se que eu tivera estado a chorar. Mas, esperançosa, saí da casa de banho e fui pelos corredores até à sala, ter a tal aula de preparação com o professor Stanley. A porta estava aberta. Bati, pedi licença e entrei. A sala parecia muito maior sem a turma lá dentro. Fui sentar-me em frente ao professor, era o que fazia sentido. Tentei não olhar nos olhos, para que ele não reparasse que eu tinha chorado. Mas reparou. Reparou e a sua expressão facial mudou. Passou de sorridente para preocupado. 

- Charlotte, está bem? O que se passa? - Interroga-me para tentar perceber o porque.

- Sim... está... - Minto eu, descaradamente.

- Não me minta. Sabe que eu estou aqui para a ajudar. O que lhe aconteceu?

- O meu pai teve um acidente, eu não sei de mais nada. - E com esta frase o meu choro ressuscita. As lágrimas começam a escorrer, abundantemente. 

  O professor Stanley nada fez. Pegou na minha mão e transmitiu-me, através daquele simples toque, que era normal chorar. Para além disso, transmitiu-me também uma certa confiança, e um certo abrigo. 

  Assim que me acalmei, uma meia hora depois, houve, finalmente, uma voz naquela sala. Os últimos trinta minutos tinham sido estranhos, apenas os meus soluços de choro a ecoar nas paredes. Mas o professor quebrou esse silêncio que não era um silêncio pelos ruídos que eu emitia. Sussurrou algo como "Vá, querida, tem calma, tudo ficará bem.". Não tomei muita atenção, admito. Mas admito que a presença do professor me acalmou. Bastante. Incrivelmente. 

  Não fizemos nada de produtivo nesta primeira aula. Eu não estava capacitada. O professor Stanley não quis forçar muito. Resumimos a hora que faltava até acabar a falar dos nossos gostos de leitura. Eu disse que adorava ler, sentada na rede, cá fora, junto à piscina. Em dias de Inverno, era junto da lareira que me sentava. O professor tinha um gosto extremamente parecido. Nesta conversa descontraída descobrimos que éramos deveras parecidos. 

  Entretanto o toque final soou pelos corredores vazios da escola. 

  Despedi-me do professor Stanley com um mero "Adeus professor, até amanhã.", apesar da minha vontade momentânea ser dar-lhe um abraço e agradecer pela conversa e pelo apoio. Mas não, eu, Charlotte Hart, não tive coragem. 

  À entrada da escola estava a minha tia Cecília. Sempre vestida de forma chique, com uns óculos escuros a acompanhar. A minha família era uma família de posses. Com as suas origens em Inglaterra, mais especificamente em Londres, a minha família sempre morou nos mais conceituados bairros da cidade londrina. Viemos para Portugal porque o meu pai, Jeffrey Hart, um conceituado advogado inglês, conheceu a minha mãe, Ana Maria de Melo, uma advogada cascaense (de Cascais). Entretanto apaixonaram-se e a minha mãe engravidou de mim. Dois anos depois de eu nascer, mudaram-se aqui para Portugal. Pior. Erro. De. Sempre. Não gostava muito de Portugal, por isso aproveitava cada possibilidade para ir viajar. 

  A tia Cecília já tinha ido buscar o pequenote Mikey, o meu irmão de quatro anos, e Rodrigo, o meu priminho de cinco anos. Estavam os dois muito entretidos a brincar no banco de trás. Provavelmente, Mikey não fazia a menor ideia da razão pela qual tinha sido a tia a nos ir buscar, ao contrário de ser a nossa mãe, quando saía do escritório e passava pela escolinha dele. 

  Todo o caminho até casa foi um pouco estranho. O ambiente entre mim e a tia Cecília estava tenso. Ela era irmã da minha mãe, mas era bastante próxima da família inteira. Nem sabia o que dizer. 

  Quando finalmente chegamos a casa, fui até ao quarto onde iria dormir e encontrei uma muda de roupa, o básico para a minha higiene e os livros para o dia seguinte. Preparei logo tudo. Ao fundo do corredor, ouvi a minha tia a chamar-me. Fui ter com ela à cozinha.

- Chamou tia? - Interroguei eu, mesmo sabendo a resposta.

- Sim.  Estou a preparar o jantar porque hoje a empregada esteve de folga, mas pensei que nós as duas poderíamos ir jantar ao centro comercial. O tio vai ficar por casa, vem mais cedo do consultório. 

- Pode ser, mas eu tenho aulas amanhã. - Disse eu, tentando arranjar uma desculpa, visto que não me apetecia muito ir.

- Nós voltamos cedo. Prepara-te que assim que o tio chegar vamos embora.

  Quando a tia punha algo na cabeça levava a dela sempre avante. Mas, pensando melhor, talvez me fizesse bem. Fui brincar com Mikey e com Rodrigo, estavam a brincar com carrinhos, e eu fui até lá, tentando integrar-me na brincadeira dos miúdos.

  O centro comercial estava incrivelmente cheio para uma segunda à noite. Fomos jantar e, de seguida, fomos às compras. A tia e eu compramos imensa coisa, nas mil e umas lojas a que fomos. Quando estavamos a vir embora vejo alguém que eu sei que conhecia. Era o professor de Português, agarrado a uma mulher. A sua namorada suponho eu. Não sei porque, mas fiquei com alguns ciúmes. Depois de me ter dado atenção e de me ter reconfortado, ganhei um carinho especial pelo professor Stanley. 

  "A sério Charlotte? Ciúmes de veres o teu professor giro e carinhoso agarrado à mulher?"

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