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Os últimos dias eram preenchidos por memórias daquele dia, aquele abraço assaltava-me a mente. Provavelmente eu estava só a exagerar. Foi uma abraço de reconforto, nada mais. As noites davam possibilidades infinitas à imaginação. Os meus sonhos consistiam naquele abraço. Nas aulas, era a sua íris castanha que me fazia vaguear, o seu perfume atrevido e simultaneamente delicado, as suas vestes casuais, simples mas elegantes. Admito que o aspecto físico me atraía imenso. Quando fosse maior era ao pé de um homem parecido que me imaginava. Mas agora? Agora era um pouco ridículo sentir-me atraída pelo professor. Tinha mais uns 20/30 anos que eu. Mas era jovial, de aspecto e de mente. E isso era  que me deixava louca e pensativa, a sua jovialidade interior, a sua personalidade, a suavidade com que me tratava, o carinho. Nas aulas era o mesmo de sempre, imponente, mas nas aulas de preparação era super carinhoso. Era um abrigo. 

  Afastei-me de Naomi, não consegui contar-lhe o que tivera acontecido. Isolei-me um pouco. Tive covardia de enfrentar o mundo, que continua igual para todos, excepto para mim. Ela não pareceu importar-se. Nos primeiros dias ainda perguntava se eu a queria acompanhar até ao bar, proposta que eu recusava. Após isso, não quis saber mais. Dado o toque, Naomi e as suas amigas saíam rapidamente da sala, fugindo para longe da minha vista.

  A época dos testes estava próxima. Os meus dias eram passados entre os livros. Livros na escola, livros em casa. Eu vivia sempre entre os livros. O concurso de literatura também se aproximava, mas isso era algo que não ocupava a minha lista de preocupações pois as aulas de preparação estavam a fazer efeito, e eu sentia-me confiante. 


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  Ouvi as palmas vindas das bancadas. Na linha da frente estava o professor Stanley, com um sorriso enorme, lindo. Ao seu lado estava a minha mãe e o pequeno Mikey, super animados com a minha vitória. Sim, eu ganhei o concurso de literatura! Incrível. Não pelo dinheiro, isso era irrelevante, mas era algo que eu adorava, ganhar era bastante bom. Assim que acabou a entrega dos prémios, um cheque, flores e uma caixa com perto de quinze livros lá dentro, fui ter com eles. A minha mãe deu-me um abraço.  Mikey apenas dizia "Mana, mana, estás rica e tens livros, agora vais ser famosa.". Tão querido este miúdo. Peguei nele ao colo. Os cinco anos, feitos recentemente, começavam a notar-se, e estava a ficar pesado. O professor Stanley disse-me, quando pousei o meu irmão no chão:

- Muitos parabéns Charlotte. Eu sabia que iria conseguir. É uma miúda inteligente e muito especial! - E piscou-me o olho. 

  O QUE É QUE ACONTECEU AQUI? O professor piscou-me o olho? Eu não acredito. O meu coração começou a pulsar mais e mais rápido. 

- Tenho uma sugestão, se a senhora aceitar, obviamente. - E vira-se para a minha mãe, com o seu sorriso leve e charmoso - Hoje à noite há um concerto dos Pentatonix, no Porto. Eu tenho dois bilhetes para o mesmo, e sei que a Charlotte é fã da banda. Devido a isso mesmo, eu pensei em levá-la. - Sugere o professor, enquanto eu o admiro, fascinada pela sugestão.

- No Porto? É um pouco longe. Mas se a Charlotte quiser, e me prometer que se porta bem, eu deixo-a ir. 

  A minha mãe está a deixar? Eu. Vou. Ver. A. Minha. Banda. Preferida. Não pode ser. Com o meu professor de Português, que me deixa louca, mesmo sem saber. O professor e a minha mãe começaram a combinar os pormenores. E eu, em êxtase, sem conseguir tomar noção do que iria começar. 


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- Charlotte, daqui a dez minutos está o professor Stanley a pedir para desceres e tu ainda estás por vestir. - Disse a minha mãe, irrompendo pelo meu quarto, enquanto eu me secava do banho.

- Mãe, eu sou rápida! - Digo eu atrapalhada. Não quero fazer o professor Stanley esperar.

  Pego nas minhas jeggins pretas, no top branco e nos ténis igualmente brancos. Visto tudo apressadamente. Vejo as calças azuis na cadeira. Dobro-as e coloco-as na mala. Seria só uma noite, mas pronto, era necessário uma muda de roupa para o dia seguinte.  Vou até ao armário e pego em roupa interior, num top, numa camisa e num casaco. A mala está quase pronta. Vou à casa de banho, pego na escova e na pasta de dentes, em tudo o que iria precisar, e guardo na mala. Agora está pronta. 

  Do exterior oiço um automóvel a apitar. É o professor Stanley. Dou um beijo à minha mãe, um abraço a Mikey, pego nas malas e salto para fora da porta. Estou verdadeiramente excitada. Quando olho para o interior do carro está Stanley a olhar para mim, com um sorriso nos seus lábios.  Com um salto, sai do carro, abre a bagageira e diz-me para por lá a mala. Depois vem e abre-me a porta. "Que verdadeiro cavalheiro" penso para mim. Agradeço. Stanley põe os óculos de sol, aumenta a rádio e diz:

- E é agora que a nossa viagem vai começar. Aperta o cinto. Porto, cá vamos nós!

  Nem eu imaginei que seria uma viagem, em tantos sentidos.

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