Capítulo 1

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1 ano tem 365 dias.

8.760 horas.

525.600 minutos.

E mesmo assim... já não é mais o suficiente para mim.

Eu gostaria de poder comprar tempo...

Quando se está prestes a completar trinta anos, o tempo se torna tanto seu aliado quanto seu inimigo mais cruel...

Se torna uma benção...

E uma maldição...

Bênçãos e as maldições são como faces distintas de uma mesma moeda, onde o que um dia foi uma dádiva se metamorfoseia em tormento, e o que antes era um fardo se converte em salvação. Contudo, para mim... tenho vagueado por uma terra árida e amaldiçoada por tanto tempo que já não sei mais quem eu sou.

Eu pisco. Uma vez. Duas vezes. Pisco até meus olhos lacrimejarem. Até eu sair do meu torpor. Não estou em uma terra árida e amaldiçoada. Pelo contrário, estou em casa. No sobrado dos meus pais, mas que nunca foi um lar para mim. Lar era uma palavra desconhecida para mim. O sentimento de não-pertencimento, e desamor que emana do sobrado é tão palpável quanto o pincel que eu seguro entre meus dedos.

Aperto as pálpebras até elas doerem. Dor sempre foi uma constante que me ancorou na realidade. Mas, para a minha surpresa, a minha visão continua desfocada. E minha respiração cada vez mais ofegante como se eu tivesse corrido uma maratona. Meus pulsos doem. Minhas mãos tremem tanto que requerem muita concentração para fazer a simples ação de segurar um pincel.

Coloco o pincel no suporte e respiro fundo. No fundo da minha garganta, como uma tempestade de raios, sinto o choro querer emergir. A minha vontade é de chorar, mas eu não choro. Eu rio. Rio tão alto como eu não fazia há muito tempo. Rio de desespero. Rio porque eu já deveria saber que isso aconteceria. É o preço que eu pago pela arte. É o preço que meus ancestrais pagaram pela arte.

Vale a pena?

Qual o sentido de fazer isso?

Qual o sentido da sua vida?

As perguntas surgem na minha cabeça. Não sei a resposta. Cansei de procurar um sentido na minha vida. Um propósito. Respostas. O que faz sentido para mim é viver a minha arte. Mesmo que ela seja medíocre. Mesmo que ela não seja reconhecida. Mesmo que uma parte minha grite dizendo que eu quero ser reconhecida. Que eu quero produzir a arte mais sublime e... perfeita. Que, na verdade, eu quero ser... perfeita.

Nunca pinte, escreva, dance, cante. Nunca. Prometa para mim, Cecília. Não queira ter a morte horrível que a sua avó teve. A voz doce e melodiosa da minha mãe ecoa na minha cabeça.

Mas o pai disse que a minha avó morreu de intoxicação pelo chumbo das tintas que ela usava, eu disse.

Seu pai está enganado. Ela morreu pela arte. Por favor, prometa que não terá o mesmo fim trágico que sua avó teve. Eu a vi definhar em cima de uma cama, Cecília. Foi horrível!

Prometi para ela que nunca produziria nenhuma forma de arte, mas...

Eu menti.

E agora enfrentarei as consequências.

Você merece! Não faz nada certo!

Não percebo quando o riso se converte em um choro silencioso. Seco as lágrimas que escorrem pelo meu rosto. Não posso deixá-las caírem na pintura. O quadro foi encomendado pelo meu principal cliente. O que mais comprou as minhas obras durante os anos. Sei que morrerei. Mas uma parte minha sente satisfação em saber que morrerei fazendo algo que alimenta a minha alma. Já que não consigo mais dar aulas de história.

Uma Sombra no OuroOnde histórias criam vida. Descubra agora