Capítulo 3

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A minha cabeça gira. A dor atinge a minha testa, se irradia para a têmpora. Meus pulsos doem. Minhas pernas fraquejam ao ponto de ser difícil ficar em pé e eu precisar fazer um esforço descomunal para não desabar no chão frio.

No braço do sofá, oculto nas sombras, pego o maço de cigarros que escondi das minhas amigas. Minhas mãos tremem para colocar o cigarro na boca e acendê-lo. Inspiro e expiro a fumaça e a dor parece reduzir. Aos poucos ela vai sumindo. Sei que não é pelo cigarro. Sei que no longo prazo ele piora a minha condição, mas no momento, ele me dá paz. E eu só preciso disso: paz.

P
A
Z

3 letras tão inalcançáveis quanto as estrelas no céu.

— Renata parece ter uma fixação pelos meus cigarros. Mas quem é ela para questionar meus hábitos? Se essa é a minha escolha de viver uma lenta autodestruição, que assim seja. Cada um escolhe seu próprio veneno. Uns se entregam ao açúcar, como ela mesma faz. Outros desafiam o ciclo natural do sono, como Evelyn, trocando o dia pela noite. Conscientes dos danos que o fumo, o excesso de doces e trocar o dia pela noite podem causar à saúde, ainda sim nos agarramos ao que nos faz mal.

Depois que Renata foi morar com Evelyn, a solidão se tornou uma rotina tão terrível... tão sufocante que fumar se transformou apenas um detalhe insignificante do meu dia. Não é o cigarro que está fazendo mal para mim. Na verdade, é a solidão que dilacera a minha alma.

A névoa cinzenta serpenteia entre meus lábios enquanto murmuro:

— Talvez sejamos todos narcisistas, acreditando que somos tão especiais... tão abençoados que Deus vai nos salvar mesmo que dia após dia fazemos a escolha de nos destruir.

Uma vibração sutil ecoa por mim. Estendo a mão para o celular, perdido entre as dobras do sofá. A mensagem de bom dia da minha mãe ilumina a tela, mas permanece intocada, como um artefato sagrado que não se deve profanar. É parte do ritual matinal dela, como se estivesse na padaria, pedindo o pão do café da manhã. Sei que ela não espera resposta. São saudações vazias como se fosse uma encenação do papel que ela acredita ser o da maternidade.

Bom dia...

Boa tarde...

Boa noite...

São desejos tão vazios quanto o meu coração. São palavras que não dizem nada. Não me envolvem com o calor do amor. Não me fazem sentir parte de algo maior, conectada com ela, com minha família, com qualquer um. Estou à deriva, navegando em um mar de solidão, sem âncoras, sem laços que me prendam.

A minha única companhia é uma caixa amaldiçoada, com um diário e um relógio que insistem em me lembrar que morrerei em breve. Uma morte tão estúpida quanto a minha vida.

Uma existência apagável.

Esquecível.

Assim como as folhas no vento de Ouro Preto.

Quando termino o cigarro, deslizo os dedos para desbloquear a tela, onde o gato preto de olhos verdes, meu visitante noturno fiel, encara-me. Sei que quando eu partir, ele sentirá minha ausência. Não porque ele gosta de mim, mas porque ele não terá mais o jantar dele. Ele depende de mim e é incrível pensar que existe um ser nesse mundo que dependa de mim.

Sinto uma sensação inebriante de poder.

É um tipo de poder alguém depender de você.

Poder de vida e morte.

E me dou conta que pela primeira vez lamento que morrerei. Não quero que ele passe fome. Esse gato, ainda sem nome, é mais constante em minha vida do que minha própria família. Ele merece um lar. Merece ter o que jantar. Se eu pudesse, continuaria viva, daria um nome para ele e me certificaria que nenhum dia lhe faltasse comida.

Uma Sombra no OuroOnde histórias criam vida. Descubra agora