Capítulo 23

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— Eric disse que você é uma pessoa amável — Eu sinto o peso das palavras, como se fossem um veneno sutil, infiltrando-se sob a superfície de uma conversa aparentemente banal. Meu estômago se revira. A frieza escondida atrás de seu sorriso me faz questionar quem é ela.

— Eu sou tudo. Menos amável.

Nesse momento, Eric aparece, impecável, encostado na porta. Mas não está vestido com suas roupas sociais habituais; ele usa coturno, calça jeans preta e uma blusa básica, e sua presença é tão magnética que me faz perder o foco. Eu me distraio por um segundo e Geovanna aproveita para sair da sala. Faço menção de ir atrás dela, mas Eric segura minha mão com firmeza.

— Temos que ir agora, Cecília — diz ele, a urgência na voz refletindo a gravidade da situação.

Concordo com um aceno, mas uma inquietação começa a crescer dentro de mim. Sinto como se cada que acontece a minha volta estivesse tentando me dizer algo, como se o próprio universo estivesse conspirando, e isso só aumenta meu desespero por encontrar uma saída, uma forma de nos salvar. Mas no fundo, sei que é só minha imaginação pregando peças em mim.

***

Enquanto ele dirige em direção à Estação de Trem de Ouro Preto, o som dos pneus no asfalto me acalma. Observo a paisagem passando pela janela, as morrarias, as casas históricas, como se estivesse vendo tudo pela última vez. Despeço-me silenciosamente.

A estação de trem é pintada de branco e as molduras da portas e janelas são amarelas. Um gazebo pintado de azul está no meio do jardim. Assim que Eric estaciona, desce do carro com a mesma calma que me desespera. Ele dá a volta no carro, o som de seus passos na calçada ecoando nas pedras. Abre a porta do meu lado, estendendo a mão na minha direção.

— Achei que iríamos de carro até Mariana — eu digo.

— Por que iríamos de carro se podemos ir de trem? Aposto que nunca andou de trem.

— Não. E nem quero. E essa é a pior hora possível para andar de trem. Não somos turistas de férias, Eric. Às vezes tenho a impressão de que você quer morrer. Você parecia arrasado quando cheguei de manhã, mas agora parece que aceitou a morte. Não consigo entender você.

— E se eu estiver cansado. Solitário. E se eu quiser morrer? — Ele diz com um tom de voz que parece aranhar os meus ouvidos.

— Você está me assustando.

— Desculpe. — Ele estende novamente a mão na minha direção, o gesto carregando uma fragilidade que me toca. — Só acho que o passeio vai te fazer bem. Vai te inspirar.

Olho para sua mão, hesitando por um momento, antes de soltar um suspiro resignado. Com um impulso que me faz sentir tanto medo quanto curiosidade, entrego o quadro para ele. Saio do carro.

— O passeio é rápido. Cerca de uma hora — ele diz.

— Vamos comprar os ingressos.

— Já comprei os ingressos.

— As vezes tenho a impressão que você tem tudo planejado.

— Nem tudo.

— Se você diz... — Não tento disfarçar meu descontentamento com irmos de trem para Mariana.

Dirijo-me ao vagão convencional, com suas janelas pequenas e claustrofóbicas, mas Eric segura meu braço.

— Vamos no vagão Panorâmico.

— Claro — respondo, forçando um sorriso que não alcança meus olho

E eu silenciosamente agradeço por ele ter escolhido o vagão panorâmico. As janelas de vidro vão do teto ao chão, tem ar-condicionado e os assentos de madeira para a minha surpresa são confortáveis. Durante o passeio, um guia nos fornece informações turísticas através de um alto falante e quando ele não está falando o passeio é embalado por belas canções brasileiras com a temática de trem e de Minas Gerais. Os minutos se esvaem, e minha mente se perde na vastidão da paisagem. O verde musgo das colinas, tão semelhante ao verde musgo dos olhos dele.

Uma Sombra no OuroOnde histórias criam vida. Descubra agora