Capítulo 19

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— Ceci! Ceci! — A voz de Renata rompe o silêncio, aguda e carregada de urgência. — Cecília, por favor, responde!

Uma dor lancinante arde em meu rosto, me despertando. Abro os olhos devagar e encontro Renata sobre mim, o rosto dela uma máscara de desespero, com lágrimas deslizando por suas bochechas e pingando no meu rosto. Tento enxugar as lágrimas dela com os dedos trêmulos.

— O que aconteceu? — Minha voz soa estranha, como se não fosse minha.

— Era exatamente o que eu ia te perguntar — responde Renata, a voz quebrada. — Quando cheguei, você estava caída, desmaiada no chão.

Sento-me com dificuldade, o corpo pesado como se cada movimento exigisse um esforço imenso. Ao meu redor, manchas de tinta espalham-se pelo chão, vestígios da paleta que tombou. Meus olhos varrem o ambiente com urgência, procurando pela tela. O quadro não pode ter sido danificado. Qualquer coisa, menos o quadro.

— O quadro! — Digo, o coração acelerando. E meus olhos pousam na tela que está coberta. — A tinta ainda não secou...

— Eu sei, Ceci, mas tive que cobrir. Aquele quadro... ele me dá arrepios. Parece que está vivo. Eu não aguentava mais olhar para ele.

— É a primeira vez que você não elogia um quadro meu, Renata. — Tento sorrir, mas o sorriso não chega aos meus olhos.

— Isso só mostra o quanto ele me incomoda. Primeiro, vi o quadro e depois vi você caída no chão. — diz ela, levantando-se de um salto. Eu me encolho com o movimento brusco. — Vamos, vou te levar ao hospital. Não é normal você desmaiar assim.

— Eu só estou cansada. Não comi e dormi direito. Passei a noite inteira pintando. Você sabe como fico quando estou inspirada. Eu perco a noção do tempo.

— Mesmo assim, Ceci. Desmaiar é demais. Você vai para o hospital, e ponto final.

Renata é inflexível. Quando decide algo, nada a faz mudar de ideia. A única coisa que posso fazer é tentar argumentar, torcendo para que ela me ouça. Mas nós duas sabemos que isso dificilmente acontece. E esse é um defeito que compartilhamos.

— Estou doente — confesso, a voz se reduzindo a um sussurro, enquanto olho para o chão. Minhas mãos ainda tremem, doendo, como se o peso do pincel que segurei ontem fosse demais para suportar.

— Eu sei, Ceci. Você está doente desde que nos conhecemos. Nunca esteve realmente bem. Está sempre juntando os cacos e tentando se curar dos danos causados pelos seus pais narcisistas, que sempre te negligenciaram e nunca se importaram de verdade com você. Seu pai sempre viveu para servir aos outros - colegas de trabalho, amigos de futebol, até a igreja. E sua mãe, sempre ocupada com fofocas, cuidando da vida alheia e acumulando tralhas. Eles nunca tiveram interesse ou tempo para você.

Engulo o bolo que se formou na minha garganta. Nada do que ela dizia era novidade. Convivendo comigo, ela percebeu que eles nunca se importaram. As poucas vezes que falei com eles desde que se mudaram para Belo Horizonte, fui eu quem liguei. Chegamos ao ponto de passar quase um ano inteiro sem nos falar. Eles não sabiam se eu estava viva ou morta, apenas enviavam um pouco de dinheiro para ajudar com as contas.

Meu salário de professora sempre foi baixo, então eu me contentava com a ajuda financeira. Achava que isso era um sinal de amor, uma prova de que se importavam. Mas era só eu me iludindo, mentindo para mim mesma. A verdade é que nunca fui amada pelos meus pais. E por isso tento encontrar amor nos menores detalhes, como um simples toque de dedos. Nesse momento, me lembro de Eric, de como o afastei, assim como faço com todos. A indiferença que uso como armadura só trouxe mais sofrimento, mais solidão. E a solidão... essa nunca vai embora.

Uma Sombra no OuroOnde histórias criam vida. Descubra agora