Capítulo 17

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Entramos no meu sobrado em silêncio, nossos passos abafados pelo piso de madeira antiga. O ar parece mais denso aqui. Caminhamos até a sacada do segundo andar, e a brisa fria da noite em Ouro Preto encontra minha pele, arrepiando-a. O perfume distante das árvores se mistura com o cheiro da cidade adormecida.

Para minha surpresa, Eric tira um maço de cigarros do casaco. O gesto é inesperado, mas há algo de natural nele, como se o ato de fumar fosse um velho hábito retornando para confortá-lo.

— Não sabia que fumava — murmuro, minha voz quase perdida no vento gelado da noite.

Ele solta uma risada amarga. Seus olhos permanecem escuros.

— Nas circunstâncias atuais... — Ele faz uma pausa. — Não importa mais.

O significado por trás de suas palavras é claro: ele já não vê o futuro com a mesma esperança de antes. Ele me oferece um cigarro, e, após um momento de hesitação, aceito. Aceito que o destino cruel nos uniu nesse ritual de fumar, um elo frágil em meio ao caos.

— Com esse vento frio, será difícil acender — comento, mais para quebrar o silêncio do que pela real dificuldade.

Ele retira um isqueiro do casaco e acende seu cigarro com um gesto ensaiado. Estendo a mão para pegar o isqueiro, mas ele me ignora, inclinando-se para encostar seu cigarro no meu.

— Respire — ordena.

Aproximo-me, sentindo seu calor em contraste com o frio cortante da noite. Sua respiração, quente e pesada, se funde com a minha. Quando nossos cigarros se tocam, respiro fundo. O cigarro se acende entre meus dedos trêmulos, e a fumaça sobe preguiçosa ao redor de nossos rostos. Por um momento, é tudo tão próximo, tão intenso. Mas então me afasto, desviando o olhar para o céu. 

As estrelas me parecem uma fuga. São tão brilhantes e inalcançáveis, testemunhas silenciosas do tempo. Algumas já morreram há milhares de anos, mas suas luzes ainda viajam até nós.

Penso em sua solidão antiga e distante. Se eu vivesse tanto tempo assim, será que me perderia em mim mesma? Não fiz nem trinta anos e já sinto o peso de estar viva, como se carregasse séculos de existência. É exaustivo. E, sem aviso, as palavras que venho segurando desde o Escadabaixo escapam de mim, como uma confissão amarga que não posso mais conter:

— Acho que finalmente entendo ele.

Eu me viro para encarar Eric. Ele me observa, seus olhos verdes e profundos refletindo a luz tênue das estrelas, tão exuberantes quanto a vegetação das montanhas de Minas Gerais.

— Ele está miserável. É uma criatura incompreendida. Solitária. Ele não pode morrer, mas também não consegue viver de verdade — minha voz vacila, carregada de uma vulnerabilidade que me assusta. As palavras que eu digo são um reflexo do que eu sou. Estou falando dele, mas é como se estivesse falando de mim. Ele é imortal, poderoso, mas, no fundo, preso a um ciclo interminável de existência vazia. E eu? Eu sou apenas uma humana, frágil e patética, mas... sinto essa mesma prisão. Estou presa em uma existência vazia — Ele quer morrer, Eric.

Eu sei que ele quer morrer...

Em um passado não tão distante, desejei pelo fim.

Mas eu mudei.

Quero viver. 

Vida e morte. 

Luz e escuridão. 

Duas forças que coexistem.

Dois lados de uma mesma moeda, e, talvez, o equilíbrio entre elas seja o que define a existência humana.

Uma Sombra no OuroOnde histórias criam vida. Descubra agora