Capítulo 15

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A campainha toca, interrompendo meus pensamentos. Meu coração acelera, e quase sem perceber, corro para a porta. Sei que não há razão lógica para essa pressa. Não é como se Eric fosse desaparecer se eu demorasse um segundo a mais. Talvez seja uma sensação de urgência de vê-lo, ou talvez seja apenas a necessidade de estar perto dele. 

O que ele é para mim?

Preciso manter o controle. Não posso me deixar levar por sentimentos. Ainda tenho muito trabalho pela frente com a pesquisa sobre Aleijadinho. O que aprendi na UFOP é só o começo. Desde então, novos detalhes devem ter emergido, novas camadas da história reveladas.

Lembro-me do trabalho que apresentei na universidade, uma análise sobre Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho. Filho de Manuel Francisco Lisboa, um mestre de obras e arquiteto português, e de Isabel, sua escrava, Antônio nasceu marcado por uma história de opressão e resistência. 

Sua certidão de batismo registra que, em 29 de agosto de 1730, na Vila Rica, hoje Ouro Preto, ele foi batizado na freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Antônio Dias. Naquele momento, foi alforriado por seu pai e senhor, um gesto que misturava poder e paternalismo, e que talvez tenha definido o curso de sua vida e obra.

Aleijadinho começou a manifestar os primeiros sinais de uma doença degenerativa que, pouco a pouco, o aprisionou em seu próprio corpo, marcando-o com o estigma do apelido que carregaria para sempre. À medida que sua forma física se contorcia e sua carne traía sua vontade, a dor se tornou sua companheira constante. Mesmo assim, ele continuava a criar, deixando que sua arte falasse por ele quando as palavras já não podiam.

Em uma época de transição entre o Barroco e o Rococó, Aleijadinho navegava entre esses estilos com uma maestria. A ausência de documentos e a prática comum de não assinar os trabalhos tornaram a identificação de suas obras um desafio. Aleijadinho, apesar de tudo, viveu cerca de 76 anos, resistindo com a mesma força com que esculpia suas criações.

A campainha toca, insistente.

— Já estou indo! — grito, abrindo a porta com uma tentativa de esconder a ansiedade na voz. — Ainda não tomei café da manhã, Eric. Pode esperar um pouco na sala? Já estarei pronta.

Mas não é Eric.

— Eric? — Renata pergunta, os olhos se estreitando em desconfiança. — Lembro de ter lido esse nome em algum lugar... O bilhete que veio com o vinho... Eric é o Alto da Cruz, certo?

Sou pega de surpresa, o coração disparando em meu peito. Como começar a explicar quem é Eric? O homem cujo destino é tão amaldiçoado quanto o meu? A verdade é um fardo que não quero compartilhar com ela. Não posso. Renata não pode saber da minha doença, sobre Aquele que Permanece. O medo de que, num ato de desespero, ela tente fazer um pacto para me salvar, sacrificando tudo o que ainda tem para viver, me paralisa. Não consigo suportar a ideia de vê-la desperdiçar sua vida, suas marcas no mundo, em uma tentativa desesperada de me salvar. Não consigo imaginar um mundo sem ela, e é esse pensamento que me faz calar, engolindo as palavras sobre Aquele que Permanece que nunca poderei dizer.

— Isso. Ele é o Alto da Cruz.

— Eu sabia que tinha algo errado — murmura Renata, segurando uma tupperware com as mãos trêmulas. — Você tem agido de maneira estranha, e agora... alguém pagou todas as minhas contas. Recebi uma carta anônima dizendo que minhas despesas serão cobertas pelos próximos 10 anos. Só pode ter sido o Alto da Cruz... Eric. Que tipo de acordo você fez com ele, Ceci?

Solto um suspiro de alívio ao perceber que Eric manteve sua palavra. A confiança nunca veio fácil, e a descoberta de que ele era o Alto da Cruz só fez aumentar minhas suspeitas. Mesmo agora, com a promessa cumprida diante dos meus olhos, a desconfiança ainda sussurra em minha mente. Mas a realidade é clara: não posso continuar negando o que ele fez por mim. Eric se tornou um aliado, e, por mais difícil que seja para mim admitir, ele conquistou minha gratidão. Tudo o que posso fazer agora é rezar para que essa confiança não se transforme em arrependimento.

Uma Sombra no OuroOnde histórias criam vida. Descubra agora