Ele fica em silêncio, ponderando, estudando minha reação. Não posso vacilar. Me mantenho firme. Então, um sorriso predador se forma em seus lábios. Ele desliza os dedos pálidos pelo cabelo dourado e solta uma gargalhada que ressoa pelo cômodo, reverberando até meus ossos.
— Ah, Cecília. Você me pegou.
Pisco várias vezes, mordo a ponta do dedo, estou tão furiosa que sinto a necessidade de acender meu cigarro e fumar. Inspirar e expirar até meus pulmões explodirem, até a raiva pelo desgraçado debochado à minha frente se dissipar.
Desgraçado.
— Quero o pagamento adiantado pelo quadro que você encomendou! — exijo, sem hesitação. Preciso do dinheiro para Renata e Evelyn. — Depois, nunca mais quero ver essa sua cara mentirosa.
— Receio que isso não será possível. Estamos ligados por algo que nem entendemos direito. Se nos separarmos, morreremos.
— Já estamos separados. Não confio em você! — vocifero, a fúria transbordando em cada palavra.
— Que bom. — Ele responde com um sorriso carregado de escárnio. Os olhos permanecem frios. — Eu também não confiaria.
A raiva me consome, e quero jogar o abridor de cartas que está em cima da mesa na cara dele. Quero vê-lo sangrar, ver se é humano. Nenhum mentiroso deveria ser tão bonito. É injusto. Faz as pessoas baixarem a guarda, achando que beleza equivale a caráter. Bem feito, Cecília. É para aprender a nunca mais se deixar enganar por um rostinho bonito.
— O que você fez com meus quadros?
— Meu dom é ter olhos para a arte. Você achou mesmo que iria passar despercebida por mim?
— Passo despercebida pela maioria das pessoas — digo com um tom de voz monótono. É a simples verdade.
— Você nunca passou despercebida por mim, Cecília.
Meu coração, traidor, dá um salto no peito, e eu me odeio por isso.
Você já não aprendeu a lição de não confiar em rostinhos bonito, Cecília idiota?
— Seus quadros retratam com perfeição o barroco de Ouro Preto. Fazia tanto tempo que não via obras assim. A ilusão de movimento e profundidade, a profusão de cores e detalhes são únicas. — O brilho intenso em seus olhos enquanto ele me encara é perturbador. — São perfeitas.
Algo está errado.
Uma voz na minha cabeça grita para eu correr, mas, desafiando todos os sinais do meu corpo, fico parada.
Estou cansada de fugir.
Chega de correr.
É hora de lutar.
— Não gosto do jeito como você me olha — digo.
— Como eu te olho?
— Do jeito que um ser que criou séculos de guerras, mortes e destruição olharia para uma arte que quer possuir.
Estou paranoica? Quanto mais conheço Eric, mais ele parece com Aquele que Permanece.
— Me desculpe. Não queria assustá-la.
— O que fez com meus quadros, Eric? — perco a paciência e grito, minha voz carregada de frustração.
— Estão bem guardados — ele responde, sem rodeios.
— Guardados para quê?
— Para quando você se for... — Ele parece perdido em pensamentos quando diz: — As pessoas só valorizam algo quando o perdem. E isso se aplica à arte. Só passam a reconhecer o valor de um artista após a sua morte. Quantos morreram na miséria, sem receber o reconhecimento que mereciam? Mozart, Vital Brazil, Aleijadinho, Gutenberg, Schubert, Poe, Wilde, Rembrandt, Van Gogh, Tesla... a lista é interminável.
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Uma Sombra no Ouro
FantasyUma mistura dos bestsellers "A biblioteca da meia-noite", "A vida invisível de Addie LaRue" e do clássico "O retrato de Dorian Gray" Às vésperas de seus 30 anos, as únicas conquistas na vida de Cecília Resende foram o diagnóstico de ansiedade e dep...