"Um amor, uma carreira, uma revolução: outras tantas coisas que se começam sem saber como acabarão."
(Jean-Paul Sartre.)
| ⊱ 03 ⊰ |
— Tudo começou há poucos anos... Ele veio aqui para tratar de negócios, acompanhado de alguns políticos. Desde então, passamos a nos encontrar quase todos os dias.
Berenice direcionou seus olhos pequenos para o céu extremamente azul, como se buscasse algo específico — mas permaneceu, ainda, diante do ruivo. As pontas dos seus cabelos morenos se desvaneciam em um tom mais mel, criando um degradê natural que parecia se iluminar com os raios do sol.
Kelvin não tinha dormido naquela noite. Aguardou aquele momento — o momento de estar diante da casa da amante de seu falecido marido, o momento de encontrá-la no alpendre tradicional, com teto inclinado coberto por telhas de barro, para, ali, próximos a um conjunto de cadeiras de vime e uma mesinha de centro, permanecerem de pé sob o sol matinal.
Que bela cena.
A casa de Berenice ficava situada em uma região bastante afastada da residência dos Santana, no meio de edifícios comerciais. Não era algo para impressionar-se, era até clichê.
Enquanto dirigia-se para lá, mais cedo, Kelvin temia a confirmação da traição de seu falecido marido, temia que lágrimas pudessem escapar diante da garota, no entanto, naquele momento, ao fitar os olhos dela, percebeu uma estranha sensação de vazio tomar conta de si.
Não havia raiva, não havia tristeza. Havia um gelado vazio que o perturbava profundamente.
Ao observá-la, uma parte dele reconhecia a atração que Frank devia ter sentido por ela. E não pôde deixar de se questionar se sua própria identidade, como homem gay, tinha contribuído para a crise de seu relacionamento.
— Ele costumava falar muito sobre a sua filha comigo... Ele a amava e eu não suportava isso. Pedi para ele escolher entre você e eu. — ela expira tão profundamente que o próprio ruivo sente os pulmões esvaziando. — Brigamos e ele foi embora, de carro.
A confirmação do que acontecera naquela noite.
A revelação de que Frank amava Berenice de verdade, amava ela a ponto de se desestabilizar emocionalmente daquela forma.
A imagem do acidente tingida com o cruel fato de que o homem que ele amava havia sido levado por uma paixão por outra pessoa, se pensasse melhor.
E Kelvin queria odiá-la, mas uma parte sentia compaixão por ela; uma parte que sabia que ela também estava sofrendo com a perda de Frank, que ela estava culpando a si mesma.
Mas aquela espécie de empatia não era suficiente para cobrir um vazio, o oco da traição.
Sem proferir mais uma palavra, o ruivo se retira do local.
[ ... ]
— Uma rifa? Eu não entendo. — Rodrigo arqueou as sobrancelhas, a confusão cruzando seu olhar como se o melhor amigo tivesse subitamente começado a falar em uma língua desconhecida. — Explique.
— Bem... Uma rifa. — deu de ombros. Sua expressão, carregada de sarcasmo e irritação, estampava seu rosto ameaçadoramente; cada palavra saía de sua boca quase paralisando o outro. — Ouça, eu não tenho dinheiro, tenho uma filha e estou sozinho.
Aquilo não era uma simples troca de palavras; o que fez o advogado hesitar por um momento, sentindo-se desconfortável, e inspirar profundo antes de continuar.
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A Rifa | AU! KELMIRO
FanfictionKelvin Santana, ao perder o marido, descobre todos os podres do antigo parceiro, incluindo a enorme quantidade de dívidas que ele deixou. Desamparado no mundo, com uma filha pequena para cuidar e muitas contas para pagar, se vê obrigado a tomar a de...