Capítulo Sete.

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"Quando sou visto, tenho, de repente, consciência de mim [ ... ]."

(Jean-Paul Sartre.)

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Os dois homens permaneceram daquela forma, sorvendo em um silêncio cúmplice por longos minutos, com o formigar de sorrisos discretos e abobalhados ainda presente. Era como se as palavras fossem desnecessárias dentro daquela bolha ilusória e opaca que os isolava momentaneamente do mundo ao redor.

Kelvin até quis lutar internamente naquele momento, tentar convencer-se de que aquela atmosfera era irritante, excessivamente sentimental — afinal, aquele era Ramiro. No entanto, a verdade era que todas as suas preocupações desapareceram e ele sentia que talvez pudesse simplesmente existir, sem a necessidade de se explicar ou justificar.

Naquele breve instante, não eram apenas conhecidos recentes, pareciam velhos amigos reunidos para matar a saudade um do outro.

Aquilo era algo que Ramiro pensaria; era algo que o ruivo pensaria e Ramiro diria.

Observando o movimento ao redor, o homem alto quebrou o silêncio de repente, como se captando aqueles pensamentos barulhentos.

— Acho que não há necessidade de ficarmos de pé aqui. — disse, afastando-se do balcão de madeira escura e indicando com a cabeça uma mesa central, banhada pela luz laranja forte do final de tarde que entrava pelas janelas.

Com a sugestão, um estalo ecoou, a quebra seca de um galho que traz uma mensagem de alerta, por trás dos olhos castanhos dourados.

Ah, não, não. 

Kelvin ainda não podia simplesmente existir. Não podia simplesmente agir como um tolo, não podia simplesmente enxergar Ramiro como alguém em quem podia confiar e baixar a guarda. Não podia se dar aquele luxo ainda.

Precisava encarar a realidade, o momento que vivia, olhar para si mesmo.

"E agora, olha só para você, quebrado e patético!".

Kelvin balançou a cabeça em negação, com um sorriso em deboche defensivo.

— Estou bem aqui. Não quero ficar muito tempo.

Se fosse sincero, teria que admitir o medo que começou a surgir. 

Ele era o animal parcialmente indefeso que, felizmente, percebeu ter quebrado o galho antes de cair numa armadilha e lembrou-se de todo o contexto em que estava inserido, como se em algum momento tivesse ficado idiota o suficiente para esquecê-lo. 

Sim, tinha que ter medo. 

Medo, inclusive, de ser visto pelos olhos curiosos dos outros jogadores da rifa, medo de atrair atenção indesejada.

Nenhum jogador jamais o tinha visto em público com outro, e ele queria que continuasse assim. Mesmo que não parecesse o tipo que passa discretamente, sabia se esconder quando era necessário. Foi uma habilidade que aprimorou durante seu casamento: diminuir-se naqueles ambientes sociais até sumir.

Ramiro observou o semblante do ruivo com preocupação, percebendo a mudança.

— Você está bem mesmo? Pareceu, de repente, um pouco distante...

Relutou em responder imediatamente, mas a expressão do cacheado tinha aquela persuasão impossível, por ser tão sincera, que acabou cedendo um leve aceno positivo de cabeça.

— Você prefere manter as coisas discretas, certo? — a voz, um pouco mais baixa, lançou.

Kelvin ergueu o olhar, encontrando os olhos castanhos escuros. Os olhos que, em certos momentos, pareciam até pretos devido à profundidade inconfundível. E o sorriso pequeno.

A Rifa | AU! KELMIROOnde histórias criam vida. Descubra agora