Capítulo Cinco.

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"Palavras são pistolas carregadas."

(Jean-Paul Sartre.)

| ⊱ 05 ⊰ |

Ao saírem do hospital — praticamente no outro dia —, sentado no banco traseiro do sedã de Rodrigo, Ramiro parecia ainda um pouco entorpecido pelas medicações e pelo procedimento de drenagem que havia sido submetido imediatamente após uma avaliação médica. Felizmente ou não, a fratura nasal em si só se tornaria um problema para o Ramiro dos próximos dias.

Kelvin permanecia ao seu lado, em algum lugar entre a sua preocupação e o seu alívio, apenas observando o homem grande aplicar uma bolsa de gelo na região machucada. Durante a maior parte do trajeto, manteve-se calado, perdido em seus pensamentos, até que, quando o veículo adentrou um túnel, sua voz suave, sussurrada apenas para o moreno, foi ouvida.

— Você está se sentindo um pouco melhor?

Ramiro virou o rosto para o ruivo com calma, a feição cansada refletindo uma mistura de gratidão e, talvez, remorso; não conseguiu distinguir e, por isso, suas sobrancelhas finas se juntaram, em dúvida.

— Sim, estou bem. — Kelvin, então, suspirou com a resposta, endireitando-se no assento e evitando, novamente, o olhar do cacheado. — Sinto muito por tudo isso.

O viúvo abriu um pouco mais os próprios olhos, surpreso e ainda sem encará-lo, percebendo que aquilo não era mais sobre o acidente. O timing de Ramiro não poderia ser pior!

— Vamos apenas esquecer tudo isso, está bem?

Era uma ordem disfarçada.

— Sinto muito, Kelvin. — disse, afastando a compressa do rosto e fixando o outro com um semblante quase como de um filhote de cachorrinho de tão triste. — Sinto muito, mas eu não posso apenas esquecer...

Ao falar, sentiu sua mão direita ser apertada em advertência.

O mais novo não queria discutir aquilo com o advogado ali. Aquilo significaria admitir para ele que a rifa era uma péssima ideia e, com isso, ainda ter que confrontar a verdade e a hipocrisia sobre si mesmo e sua própria sugestão. Sentiu o estômago embrulhar de medo.

— Quanto tempo até você desentortar o nariz? — Kelvin nunca foi sutil sob pressão.

— Três, quatro dias... Para reduzir o inchaço.

O ruivo sussurrou uma afirmativa tão baixa que parecia só coisa da brisa, correndo pela janela entreaberta do motorista. E seguiram até a casa em um silêncio denso, opressivo, que os fazia remexerem-se desconfortavelmente, vez ou outra, em seus lugares.

O conselheiro teve que se despedir, deixando os outros dois homens na calçada. O amigo agradeceu, junto com Ramiro — que exibia um sorriso grato e um tanto tímido por toda a cena que o fez presenciar ao levá-lo para o hospital.

Com o carro já distante, o mais alto respirou fundo, sentindo o coração pulsar mais devagar, dolorosamente, em seu peito.

Kelvin observou o rosto de Ramiro, marcado por uma preocupação silenciosa, e não pôde evitar compará-lo ao jeito leve que o encontrara na ponte. Preferia, sem dúvida, o Ramiro que irradiava naturalidade, conforto, naquela ocasião. Mas como faria para ele esquecer tudo que descobrira sobre si?

Porque, para o viúvo, estava evidente que o que o outro queria discutir estava relacionado à mancha indelével que se formou em sua imagem desde que o moreno descobrira sobre a rifa. 

A Rifa | AU! KELMIROOnde histórias criam vida. Descubra agora