Capítulo Dez.

297 40 243
                                    

"É um grande compromisso começar a amar alguém. Você tem que ter energia, generosidade, cegueira. Há um momento no começo onde você tem que pular em um abismo: se você pensar sobre isso, não o fará."

(Jean-Paul Sartre.)

| ⊱ 10 ⊰ |

Ficou, ainda, parado por alguns segundos após fechar a porta, a visão fixa no piso brilhante e a respiração ofegante, fazendo seu peito subir e descer rapidamente, dolorosamente. Precisava de ar.

Apertou os olhos com força para conter as lágrimas que ameaçavam cair. Seus punhos cerrados. Os dedos cravados nas palmas das mãos. Sua mente inundada de memórias dolorosas. 

Os rostos do ex-marido e da ex-sogra se somando numa composição de palavras acres. 

Mordeu o lábio inferior até quase sangrar quando ouviu passos rápidos se aproximando. Ramiro quem surgiu no corredor, vindo da sala de estar.

E o choro escapou, traçando um caminho quente pela bochecha de Kelvin, quando levantou o olhar para o moreno. As milhares de vozes tumultuadas em sua cabeça silenciaram.

— O que aconteceu? Você está bem? Está machucado? — ele perguntou, se aproximando com voz baixa. 

O ruivo rapidamente enxugou o rosto com o dorso da mão e quase ensaiou falar, sentindo as palavras presas na garganta e a saliva espessando.

Vomitar não era uma opção. O súbito retorno do barulho em sua cabeça com a ânsia quase o fez sentir-se culpado, novamente, pelo que estava experimentando — a necessidade de apoio, o alívio trazido pela presença do homem.

As críticas do passado até tentaram ressurgir enquanto Kelvin soluçava — observando a expressão no rosto negro —, mas ele estava tão cansado de voltar para trás, de desfazer e refazer tudo... Os pensamentos foram abafados mais uma vez, pelo cansaço e pela força.

Sem dizer uma palavra, deu um passo em sua direção. Suspendendo os braços, silencioso e como uma criança, foi envolvido em um abraço firme.

Depois de ter se permitido reconhecer o cuidado, era como se uma parte de sua alma encontrasse descanso na de Ramiro.

A tensão em seu corpo começou a derreter. Fechou os olhos. Sentiu-se seguro.

— Estou aqui, estou aqui. — ouviu o sussurro em seu ouvido. Um silêncio e... — Quer ir para a sala?

Em resposta, apenas balançou a cabeça, recusando-se e preferindo afundar seu rosto no ombro mais alto, sem trocar olhares.

— Tem certeza? Talvez seja melhor você se sentar, talvez ajude um pouco.

Com a insistência, o ruivo permitiu que o conduzisse gentilmente até o sofá, sem proferir nada. Ramiro observou, com preocupação, a forma que o outro tinha o rosto pálido e os olhos vidrados.

Como se houvesse um pedido mudo por ajuda tremendo nas bordas das íris claras. Como se estivesse prestes a falar, mas as palavras não encontravam caminho para sair dos lábios entreabertos.

— Quer uma água? Uma água com açúcar? — perguntou assim que o sentou, já pronto para buscar o que fosse necessário, mas, antes que pudesse se mover, sentiu o agarre em sua blusa, suave o suficiente para apenas para chamar atenção. 

— Eu... Eu tentei confrontá-la, Ramiro. Mas ela é tão... — sussurrou vacilante, perdendo-se em um emaranhado de pensamentos fragmentados. O maior gentilmente colocou alguns fios de cabelo claro, bagunçados, para trás da orelha. — Não consigo mais suportar, as lembranças... Os sentimentos... É como se tudo sempre voltasse de uma vez...

A Rifa | AU! KELMIROOnde histórias criam vida. Descubra agora