Capítulo 23 // Stella

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   Mamãe está chorando. Ela bate no peito e balança a cabeça enquanto vê a foto do papai. A foto mais bonita dele, sorrindo com a cara suja de sorvete que eu passei em seu rosto.

  Estamos em um lugar fechado com várias pessoas de preto. Várias flores decoram a sala mas eu não gosto delas, elas cheiram mal. Aqui tudo é tão estranho, tem um cheiro estranho e mamãe não para de gritar enquanto chora. As pessoas seguram seus braços mas ela grita com eles.

  Tento abraçar a mamãe mas ela me empurra. Meus olhos também estão molhados. Caem água sem parar e meu peito dói. Não quero ver mamãe dessa maneira. Não quero ver o papai dentro da caixa. Não quero ser abraçada e receber sorrisos tristes de um monte de gente estranha. Não quero mas ficar aqui. Quero gritar isso mas acho que só ia piorar tudo.

  De repente vejo um menino que passa correndo no corredor na minha frente. Ele tem o meu tamanho e veste roupa preta que nem eu. Limpo meu rosto molhado na manga do vestido e vou atrás dele. Não quero ficar aqui. Mamãe nem está me vendo.

  Ando pelo corredor e não encontro ninguém. Caminho mais um pouco e vejo uma porta aberta no corredor. Vou até ela e paro de frente a entrada. Posso ver minha sombra no chão que está maior que eu.

  Olha para dentro. Está cheio daquelas flores horríveis, faço uma careta quando as vejo. No canto vejo uma sombra encolhida. Aperto os olhos e percebo que é o menininho. Ele está abraçando os joelhos com a cabeça escondida entre eles. O percebo tremer um pouco enquanto levanta a cabeça e olha pra mim.

  - Posso sentar com você? - pergunto e ele continua me olhando não falando nada. Vejo que ele tem um curativo na testa - Não quero ficar ali.

  Ando até ele não esperando sua resposta e me ajeito ao seu lado. A sala está toda escura. Tendo só uma luz amarelada acima de gente.

  - Por que você está aqui? - me viro em sua direção mas ele não responde. Somente me observa com seus grandes olhos verdes e tristes - Mamãe me falou que... Papai morreu. Por isso eu estou aqui - minha garganta arde quando eu falo - Seu pai sumiu também?
  - Eu odeio isso tudo! - ele grita de repente e eu me assusto - Eu queria estar com o papai e a mamãe - o menino diz com voz apertada - Eles me deixaram sozinho. Eu odeio isso tudo!

  Ele volta a abraçar seus joelhos junto ao peito. Sua cabeça se enterra entre eles e seus ombros tremem quando ele começa a chorar baixinho.

  - Para! - eu brigo com ele sentindo meus olhos se encherem de água de novo - Não chore senão eu vou chorar também! - puxo seu braço mas ele não me escuta.

  Decido fazer o que papai fazia comigo sempre que eu chorava. Passo meus braços ao redor dele e o aperto forte. Ele para de chorar um pouco e levanta a cabeça parando seus olhos tristes em mim.

  - Papai falou que os abraços tiram a dor - digo com a voz engasgada me lembrando dele - Me deixa tirar a sua.

   O menino solta os joelhos e se inclina em minha direção. Ele encosta a cabeça em meu ombro e respira ofegante. Eu o abraço mais forte e ele começa a soluçar chamando o pai e a mãe. E eu choro com ele porque eu sei muito bem como ele está se sentindo. Eu podia sentir sua dor. Porque eu também a sentia.

  - Tudo bem...Vai ficar tudo bem - faço um círculo com as mãos nas costas dele, como Papai fazia comigo.

  Continuei fazendo carinho em suas costas e sussurrando que tudo ia ficar bem. Mesmo sabendo que não ia ficar, eu também queria que tudo ficasse bem. E acho que ele também, porque se acalmou e não estava mais chorando.

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