100 - Tian

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Dan é o mais estudioso e também o mais amoroso, mesmo que as vezes eu desconfie que ele ama mais o pai, estão juntos boa parte do tempo, o garoto tem 19 anos mais as vezes parece um velho, faz atividades com Prame como pescar, ir na feira e antiquários, meu filho é também muito parecido com o pai fisicamente, aliás não tenho um único filho que se parece comigo, as feições deles são todas de Prame, até mesmo Nag que é tão feminina e delicada minha pequena bailarina lembra o pai, minha princesa tem quase 18 anos e já tem um grande contrato com uma enorme companhia de dança e um futuro brilhante pela frente, sendo assim me resta encaminhar os gêmeos, North e Mhok meus pequenos, com 7 anos e muita energia e disposição eles são meu pesadelo e minha alegria, são a razão de eu ter grandes olheiras e plenos sorrisos, não tem tempo ruim com os dois e a energia deles pela casa é contagiante, mas quando adoecem e isso acontece geralmente ao mesmo tempo, é como se uma nuvem densa e negra se abatesse, tanto sobre a casa, como sobre mim, meus filhos são minha razão de existir. Prame as vezes brinca que eu só cuido das crianças e eu respondo calmamente que isso não é verdade, que cuido e amo todos iguais, meus 5 filhos, por que claro Prame muitas vezes é igualzinho as crianças.
Temos um bom trabalho, uma boa casa, bons filhos, quem vê de fora julga como se fossemos uma grande família realizada e feliz, e de fato é assim, nunca demonstrei minhas tristezas na frente das crianças, até mesmo Prame não tem visto nenhuma lágrimas de tristeza minha já a anos, contudo existe uma parte de mim que nunca se satisfaz, igual quando a comida não sacia a fome diante da ansiedade ou a água não mata a sede quando quente, existe um pequeno buraco, um pequeno vazio, eu carrego esse fardo calada, aprendi a separar as coisas, a mostrar minha melhor face pra minha família, a fazer meus filhos e marido felizes. Pra tanto tive que me desfazer de certas coisas que me traziam angústia, o primeiro sapato, a primeira mamadeira, o primeiro brinquedo, tudo com ele foi o primeiro, até seu nome era esse, First, meu primeiro bebê...
As pessoas dizem que o tempo apaga tudo, mas acho aterrador como o tempo não apagou de forma alguma a única lembrança do meu First, seu choro sentido ao ser trazido a um mundo frio e grande em comparação com o útero quentinho e apertado, ele se debatia incomodado enquanto eu sorria chorando assim que o médico colocou ele nos meus braços, essa lembrança perseguia meus sonhos a tanto tempo, que fazia parte da minha rotina, não teve um dia em que eu não pensei nele, não teve um dia em que não ansiei abraçá-lo novamente.
Alguns amigos na época em que meu bebê sumiu me disseram que ao menos eu podia ter esperança já que ele podia estar vivo em algum lugar. Mas eu de forma egoísta pensei inúmeras vezes que minha angústia talvez fosse menor ao ver seu corpo sem vida, por que dessa forma eu pararia de me culpar por perdê-lo.

Hoje é um dia em que o vento está forte desde cedo, balançando as folhagens do quintal, trazendo uma fina poeira no ar, os gêmeos jogam vídeo game, minha bailarina está terminando a sobremesa na cozinha, meu gênio está estudando no escritório Prame está andando de um lado para o outro pela sala, eu pareço uma estátua de pé em frente o sofá, olhando quase sem piscar para a porta de entrada, todos nós estamos esperando, o barulho do vento na janela, dos passos do meu marido, do vídeo game das crianças no andar de cima, tudo parece que para quando a porta se abre, meu coração bate rápido, as mãos estão suadas, Art o advogado entra primeiro, sorridente, logo em seguida dois jovens, 21 anos, eu poderia me confundir facilmente e achar que qualquer garoto nessa faixa de idade fosse meu filho, mas não é assim, o rapaz alto, olhos grandes, cabelo espesso e muito preto, é como ver a minha cópia, não sei quando comecei a chorar, não sei quando corri pra ele tão desesperada que nem cogitei a ideia de que pra ele sou apenas uma estranha, não sei quando perdi completamente o controle e a cabeça e simplesmente a razão abandonou meu corpo enquanto eu abraçava com força meu First, sei que esse não é o nome dele agora, que ele nunca reconhecerá esse nome na vida e que nunca o chamarei pelo nome que eu dei, é como uma onda poderosa a dor que me invade agora, eu jurei pra mim mesma que nunca amaria nenhum mais ou menos do que o outro, mas a dor e a agonia que senti por duas décadas coloca por terra qualquer promessa ou afirmação, não que eu possa amar mais um rapaz que nem criei do que meus filhos criados por minhas mãos, mas isso que sinto por esse rapaz assustado em meus braços é algo que nunca senti e nunca sentirei por ninguém nessa terra.

***

Meus olhos assustados procuram os olhos de Suar, ele ainda está ao meu lado então fico menos tenso ao ver seu sorriso bonito, no entanto aquela mulher chorando ainda está me apertando e não dá sinais de que irá me soltar tão cedo, tem um homem que se sentou, ou caiu sentado no sofá assim que entrei, os olhos dele estão marejados e ele está segurando as mãos na frente dos lábios. Eu me sinto um pouco perdido, posso entender o coração de uma mãe que perdeu um filho, mas não posso aceitar essa pessoa estranha me abraçando tão abertamente como se fossemos algo que não somos, mesmo que ela seja muito parecida comigo, sim foi o que notei assim que entrei, nossa semelhança, mas fico um pouco envergonhado com toda essa comoção, só que não posso, não quero empurrá-la, então deixo ela me abraçar o quanto quer, até ela finalmente se afastar o rosto lavado pelas lágrimas, mas ela sorri na verdade ri, e parece genuíno pra mim, ela não diz nada mas volta o olhar para Suar, como se perguntasse quem é...

-vMeu namorado...

Não tenho tempo de terminar a frase, a mulher volta a chorar e dessa vez se pendura no pescoço dele, Suar é uma criatura muito mais iluminada que eu claro, então ele a abraça de volta e acaricia as costas da mulher a única coisa que ouço além do choro dela é a voz dele dizendo a ela que está tudo bem, que ela pode chorar.

E depois é uma tempestade o que se segue, o choro alto dela parece atrair todas as pessoas da casa e derrepente tem tanta gente na sala e estão divididos entre olhar pra mim e socorrer ela, eu me sinto meio tonto, ao sair de casa eu sabia que o dia seria um turbilhão, mais minha imaginação não chegava a tanto.

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