Capítulo 02
Queria começar a chorar de desgosto, simplesmente cair sobre aquele piso gorduroso e me derreter em lágrimas, de uma forma desnecessária e muito dramática.
Havia pagado pelos primeiros seis meses de aluguel.
Contudo, não era como se o dinheiro fosse o grande problema.
Começaria a trabalhar já no dia seguinte, então não tinha como procurar por uma nova casa e, mesmo se tivesse tempo — o que eu não tinha! —, não estava numa grande capital, com um milhão de opções na palma da minha mão. Sabia que a única coisa vaga que encontraria em cima da hora seria em um quarto ainda mais nojento numa pensão qualquer.
Estava com tanta raiva que nem me dei ao trabalho de tirar os plásticos de cima dos móveis, apenas fui para a suíte e me joguei em cima da cama.
Liguei para minha mãe e avisei que havia chegado em segurança, que ainda estava vivo.
Ainda.
Não contei sobre a casa, tampouco que havia odiado a cidade em minutos. A irredutível doutora Wei — ou só “mãe” — afirmou inúmeras vezes que viajar para o outro lado do país era uma péssima ideia.Então, não queria ganhar um “eu avisei, Wei Ying!”.
— Filho... — Ela ficou em silêncio por alguns segundos. Foi como se minha mãe estivesse naquele quarto, observando-me em meu pior momento. — Tem certeza de que quer mesmo ficar nesse fim de mundo?
Ela não me deu tempo para responder e lhe contar uma mentira ruim. — Uma parte minha... A mais esperançosa... Achou que quando você chegasse aí, acabaria se dando conta da loucura que está cometendo.Novamente, a minha mãe não me deixou argumentar, fingindo que tudo estava perfeito: — Eu sei que é por uma causa nobre e, sim, isso me dá bastante orgulho, mas você não podia só fazer uma doação, querido? Nós podíamos apoiar uma ONG juntos. Você não tinha que se mudar pra essa cidadezinha e trabalhar numa UPA.
E, de repente, com uma simples e rápida conversa com a minha mãe, notei o quanto estava sendo fútil com toda a história do apartamento.
Havia me mudado por um motivo.
Um ótimo motivo.
Eu me comprometi a utilizar esse novo ano para algo bom, para finalmente fazer uma coisa que realmente me orgulhasse. Não podia ficar chorando por conta do apartamento horrível, arrotando futilidade.
Depois de me instalar na cidade — e sobreviver a esse período —, poderia muito bem alugar outro lugar. Mesmo demorando, podia procurar até achar um cantinho que fosse do meu agrado, com a minha cara.
Não havia razão para dramas desnecessários.
— O lugar é incrível! — finalmente respondi, tentando não pensar no terreno lamacento do lado de fora, cujo barro continuava impregnado na sola do meu sapato. E nem nos homens grosseiros que estavam na casa ao lado, rindo de mim.— Eu agradeço a preocupação, mãe. Sei que essa minha decisão pegou todo mundo de surpresa e também sei que vocês não aprovam isso... Mas, ao chegar aqui e ver a cidade de perto, nunca tive tanta certeza de algo na vida.
Eu me despedi dela, afirmando a todo momento que não deixaria de avisar se precisasse de alguma coisa — principalmente me resgatar do “fim de mundo”, caso mudasse de ideia —, e desliguei a ligação.
Logo em seguida, liguei para a minha irmã mais velha.— O lugar é horrível!
Essa foi a primeira coisa que eu disse para Wei Qing.
A minha irmã riu e soltou:
— Mas o que é que você estava esperando, hein, Wei Ying? A gente tinha visto as imagens desse lugar na internet e, perdoe a minha sinceridade, mas não tinha nada de muito bonito aí.— Eu estou falando do apartamento, garota... Se é que dá pra chamar essa merda disso — expliquei, permitindo-me rir agora da minha situação.
— Mas, pelo amor de Deus, não conta nada pra mamãe. Ela ia surtar e viria até aqui me buscar. E sinceramente? Acho que voltaria com ela.Assim como meus pais, Qing também achava a minha decisão impulsiva e estúpida, como se fosse uma simples crise existencial, que poderia muito bem ser curada com uma tarde de compras no shopping. No entanto, diferentemente deles, ela respeitava a minha decisão e não tentava, a todo instante, me fazer desistir, gritando o quanto eu estava sendo irresponsável e ingrato.
— Quem está surtando sou eu, só de me lembrar que agora você está do outro lado do país... Do outro lado do país, Wei! — Qing suspirou e disse de forma frustrada:
— O que é que eu vou fazer sem você aqui, hein?— Tenho certeza de que você ficará muito bem sem mim. E, de qualquer forma, você também pode vir me visitar — comentei não me controlando e rindo. — Só não se esqueça de trazer botas de borracha para passar pela lama do meu quintal.
Comecei a rir só de imaginar Qing caminhando pela grama lamacenta. Eu era muito fresco e não tinha problema nenhum em admitir isso, mas a minha irmã caçula conseguia me superar nesse quesito. Qing não gostava de barro nem dentro de um SPA.
Desliguei a ligação com um sorriso no rosto e isso fez com que toda a confusão envolvendo o apartamento parecesse minúscula, um probleminha bobo que eu poderia resolver mais tarde.Como a viagem de ônibus havia me cansado muito — em parte porque eu nunca conseguia dormir durante uma viagem —, fui me deitar antes mesmo das oito horas da noite.
Peguei o meu cobertor e travesseiro numa das malas, e o sono me encontrou rapidamente, fazendo com que eu adormecesse em cima daquela cama que certamente continha inúmeras bactérias dos últimos inquilinos.(.....)
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"UM AMOR DE VIZINHO
FanfictionSINOPSE: Wei Ying é um pediatra que, após sofrer com uma crise de consciência, decide abandonar a vida fútil e luxuosa que levava em Pequim e realmente honrar o seu juramento como médico, ajudando moradores de uma pequena comunidade na cidade de Yil...