Capítulo 04
Não sei se foi porque havia tratado Lan Zhan de forma deplorável com aquela minha acusação — que mais tarde descobri ser totalmente infundada — ou se foi por ter ofendido o imóvel dele, mas assim que ele deixou a casa, comecei a tirar os plásticos de cima dos móveis e notei que o lugar não era tão ruim assim.
Ainda era rústico e tinha uma decoração horripilante?
Com certeza.
Era completamente diferente de onde eu escolheria morar por vontade própria?
Pode apostar.
Nojento?
Definitivamente, não.A lareira na sala, por exemplo, era uma coisa bem legal, assim como o closet escondido no quarto, com espaço suficiente para acomodar mais de um terço do meu guarda-roupa. A cozinha era toda planejada e bem espaçosa, daquelas em que você conseguia se imaginar preparando os pratos mais mirabolantes do mundo enquanto ouvia música alta. E o sofá era bem confortável também, mesmo com uma aparência velha.
O antigo Wei Ying simplesmente ignoraria o sentimento de culpa e continuaria fingindo até a morte que estava certo. Daria um jeito de transformar a falta de educação numa espécie empoderamento contra o “babaca do meu vizinho”. Mas eu não queria ser essa pessoa, não mais.Deixei Pequim para trás com o objetivo de abandonar um pouco da minha futilidade, queria muito passar a agir como uma pessoa boa. Sendo assim, não tinha sentido não admitir quando estava errado.
Peguei um pedaço do bolo de laranja que comprei na feirinha, coloquei em um prato, respirei fundo e caminhei até a casa ao lado.
Dei três batidas na porta e esperei ser atendido, esforçando-me para não deixar com que a vergonha me fizesse sair correndo, como uma criança depois de apertar a campainha do vizinho.Lan Zhan apareceu.
Ele continuava sem camisa e, dessa vez, como mantinha o meu olhar baixo, foi impossível não observar aquele corpo bonito. A sua pele branquinha, os poucos fios claros em seu corpo e os gominhos em seu abdome trincado.
E aquele volume em sua virilha continuava lá, fazendo-me questionar se era mesmo tão grande assim.
Pela sua expressão facial, podia dizer que ele estava completamente surpreso em me ver parado ali.
Eu também estava.— Eu sinto muito por ter feito aquela acusação... Foi injusto da minha parte — disse forçando um sorriso que eu queria muito que soasse como um cachorrinho arrependido depois de bagunçar a casa toda. Queria parecer fofo e sincero, digno de receber o seu perdão. — E pra provar isso, eu preparei esse bolo... É uma receita antiga de família.
Uma mentirinha inocente não faria mal, não é?
Ele sorriu e tirou o prato da minha mão.
— Aceita dividir comigo? — ele me convidou, abrindo o restante da porta.
Eu queria?
Não mesmo.
Contudo, não podia recusar.
Não depois de ter sido um cretino com ele.
Eu precisava me redimir e se isso significava entrar ali e bancar o vizinho gente boa, tudo bem por mim.Hesitante, balancei a minha cabeça, aceitando o seu convite.
Entrei na casa dele e isso fez com que eu gostasse ainda mais da minha. O lugar era desorganizado, escuro e não tinha muitos móveis. Isso quase me deixou feliz por ter adiantado seis meses de aluguel, pois parecia que ele precisava mesmo de dinheiro.
A sala era basicamente composta por um sofá, uma televisão e um videogame.
E era só isso.Ao notar o meu olhar, totalmente perdido pela casa, ele comentou: — Deixei o melhor pra você... Então, acho que isso deve tornar a minha casa ainda pior do que nojenta.
Ah, qual é?
Eu já havia me desculpado!— Você não pode só comer a porcaria do bolo e me desculpar? — respondi, recusando-me a continuar interpretado aquele cachorro acuado.
Sabia que havia errado, mas não deixaria com que ele me chutasse daquela maneira.— Ah, é claro, o bolo que você cozinhou... Uma receita antiga da sua família, mas que também pode ser comprado ali na feirinha?
Fala sério!
— Vendido na feirinha? Essa receita está há décadas na minha família, Lan Zhan — pronunciei sem vergonha alguma. Como ele continuou me encarando com aquelas lanternas douradas, finalmente assumi: — Tá bom! Eu não cozinhei a droga do bolo e comprei ele na feirinha da cidade. Tá satisfeito, agora?— Sim, eu estou satisfeito. Adoro pegar homens metidos e mentirosos no flagra — ele respondeu, claramente usando uma entonação diferente na palavra “pegar”. — A sua sorte é que eu gosto muito de bolo de laranja. Então, relaxa vizinho, vou aceitar as suas desculpas. — Ele se levantou, foi até a cozinha e retornou com dois garfos. Após me dar um deles, Lan Zhan completou:
— Está com uma cara ótima.O meu vizinho irritante deu uma garfada e levou o bolo até a sua boca, sujando-a com a calda de chocolate. Ele lambeu o lábio inferior e isso me deixou inquieto, fez com que eu o imaginasse lambendo outras coisas com aquela sua língua grande.
— Você vai comer ou eu vou ter que fazer um aviãozinho pro bebêzão? — A sua voz grossa trouxe-me de volta daqueles pensamentos impróprios.
Revirei os meus olhos e peguei um pedaço do bolo.
Provei de má vontade.
Uhmm.
Era bom.
— Por que você não ficou com a outra casa? — questionei-o, realmente curioso sobre o motivo que o fez morar em uma muito inferior. Dando-me conta de que isso era basicamente dizer que a casa dele não era boa o suficiente, acrescentei:
— Não que tenha algum problema em morar aqui.
— A regra número um desse condomínio é manter os meus inquilinos satisfeitos — Lan Zhan respondeu, claramente flertando comigo. — Só o melhor pra você, Wei Ying ... Satisfação completa. Entendeu?
— E isso inclui dar em cima dos seus inquilinos também?
— Só quando são bonitos.Se ele não fosse o meu vizinho — e o proprietário do imóvel —, pularia em cima dele ali mesmo e limparia com a minha língua o restinho da cobertura do bolo em seu lábio rosado. Mas infelizmente Lan Zhan era e tudo o que eu menos queria era arrumar um encosto numa cidade de apenas três mil habitantes.
— Precisa se preocupar não, vizinho... — Lan Zhan disse, terminando de limpar o chocolate de sua boca. Foi quase como se ele estivesse lendo a minha mente. — Quando eu quiser pegar você, vou pegar.
Convencido!
— Pra me pegar, vai ter que melhorar muito nesses seus flertes — respondi deixando o meu garfo sobre o prato. Levantei-me do sofá e prossegui: — Acho melhor ir embora porque se eu te xingar ou enfiar esse prato no meio da sua cara, não tenho mais bolo nenhum pra um novo pedido de desculpas.Ele me acompanhou até a porta.
— A próxima é na sua casa — Lan Zhan continuava com um sorrisinho besta e convencido.
— E pode deixar que dessa vez eu levo a comida... Vai ser tão gostoso que você vai se lambuzar todo.— Melhor não, eu não como qualquer porcaria — rebati.
Depois de rir e balançar a minha cabeça, amando e detestando aquele canalha, completei:
— Boa noite, Lan Zhan.
(.....)
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"UM AMOR DE VIZINHO
FanfictionSINOPSE: Wei Ying é um pediatra que, após sofrer com uma crise de consciência, decide abandonar a vida fútil e luxuosa que levava em Pequim e realmente honrar o seu juramento como médico, ajudando moradores de uma pequena comunidade na cidade de Yil...