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Capítulo 12

— E aí, doutor? — Lan Zhan  roubou a minha atenção. Ele estava deitado em minha cama, usando apenas uma cueca boxer vermelha, uma cor que combinava muito com ele. — Depois de todos esses meses, o que você está achando da cidade?
Os pais dos meus pacientes sempre me faziam essa pergunta.
“Está gostando da cidade?”.
Sabia que algumas dessas perguntas surgiam porque eles tinham medo de que eu fosse embora e abandonasse a cidadezinha sem pediatra.
— Eu acho que gosto — respondi, tentando ser o mais sincero possível.
— Adoro o trabalho que estou desempenhando aqui, gosto da casa e também...
— Gosta da mangueira do seu bombeiro, não é? — ele me interrompeu, deixando-me extremamente sem graça.
— Não, eu não vou deixar você transformar essa conversa num dos seus flertes ruins, seu cretino — rebati fazendo-o rir. Depois de pensar mais um pouco naquela pergunta inicial dele, acrescentei: — Eu estou orgulhoso de mim mesmo.
Nunca me imaginei vivendo numa cidadezinha daquelas. Mais do que isso, havia deixado Pequim e partido nessa jornada completamente sozinho, sem nenhum conhecido ou familiar me acompanhando.
— Eu sei que, pra qualquer outra pessoa, isso pode parecer uma coisa boba, mas eu tinha medo de não conseguir viver longe de todos que eu conheço... Longe do meu porto seguro — confessei, sentindo-me envergonhado por estar admitindo aquilo.
— E também não é tão simples para um homem gay deixar a cidade grande e se isolar num lugar minúsculo desses.
Eu tinha muitos trejeitos, era um homem mais afeminado. Nunca consegui esconder isso — e nem queria. Então, sentia muito medo de sofrer preconceito numa dessas comunidades em que eu estava indo para “fazer a diferença”.
Foi um dos argumentos dos meus amigos, para tentarem me impedir de fazer aquilo.
“Você vai mesmo pra uma cidade no interior, com um monte de gente preconceituosa?”.
— Tem esse estereotipo de que as pessoas no interior são mais preconceituosas do que as da cidade grande, justamente porque não convivem muito com a diferença — contei a ele, relembrando de todas a ansiedade que eu senti antes de chegar à cidade. — Mas, por incrível que pareça, não me aconteceu nada... Nada além de alguns olhares...
Sentia-me aceito na cidade, completamente acolhido pelos pais dos meus pacientes. E tinha certeza de que todos eles, no mínimo, desconfiavam de que eu era um homem gay.
— Eu sofri muito no tempo de escola — contei, detestando relembrar daquela época. — Acho que carrego alguns traumas até hoje... Coisa que terapia nenhuma levou embora.
Eu sempre fui muito amado e respeitado dentro da minha casa. Mas fora dela costumava ser um inferno, principalmente porque sempre me destaquei muito dos outros garotos.
Sempre foi óbvio o quanto eu era diferente.
E as pessoas não gostam de diferença.
— Se alguém se atrever a olhar feio pra você nessa cidade, eu mato — ele comentou, roubando-me um sorriso.
— Não é pra rir não, eu tô falando sério.
— Você gosta de bancar o herói, não é? — brinquei rindo da expressão séria dele, como se realmente fosse matar quem olhasse feio pra mim. — Um tanto clichê pra um bombeiro.
— Não é pra bancar herói não, é pra proteger o que é meu.
Aquilo despertou um milhão de borboletas em meu estômago.
E fez com que eu me imaginasse em um relacionamento com Lan Zhan .
Sendo dele e também tendo-o para mim.
Ainda com os meus olhos no rosto do bombeiro, fui tomado por uma dúvida.
Uma que não consegui deixar de colocar para fora: — As pessoas sabem sobre você?
Diferentemente de mim, Lan Zhan  era muito heteronormativo. Se não fosse pelas cantadas ruins dele, eu jamais saberia que ele também sentia atração por homens.
— Pouca gente sabe — ele me respondeu, retribuindo o meu olhar.
— Eu sempre soube que também gostava de caras, acho que desde a minha pré-adolescência. — Lan Zhan sorriu e então completou: — Então, não precisa se preocupar, doutor... Eu sou muito bem resolvido.
— Não foi isso o que eu quis dizer... — justifiquei-me rapidamente. — Queria saber como foi crescer nessa cidadezinha sendo diferente.
Ele pensou por alguns segundos e então me respondeu: — Mas acho que a questão comigo é que eu nunca fui muito diferente... — Ele riu e balançou a cabeça. — Com exceção da minha bissexualidade, acho que sempre curti as mesmas coisas que os meus amigos... Basicamente: carros, futebol e cerveja.
Sentia-me um fracasso como homem, pois não dava a mínima para nenhuma dessas três coisas.
— E os seus pais, como foi que reagiram?
— Meu pai morreu quando eu tinha cinco anos — ele revelou e isso fez com que eu sussurrasse “eu sinto muito”.
— E minha mãe só foi saber no começo do ano passado. A mesma coisa com os meus amigos.
Era bem recente.
— Eu sempre namorei mulher, então não sentia necessidade de contar para todo mundo que também gostava de homem — ele me disse e isso deixava claro o quanto enxergávamos as coisas de maneira distinta. — Meus namoros foram longos e isso me impediu de viver outras experiências... Então, quando terminei um relacionamento de anos, decidi que experimentaria tudo o que ainda não tinha vivido e foi assim que eu fodi quase todo os gays dessa cidade.
— Você é um safado.
— Peixe que cai na minha rede, eu devoro mesmo.
Infelizmente, não consegui deixar de trazer a tona um assunto sensível.
— E a sua esposa? — indaguei, martirizando-me por me lembrar de que ele era comprometido. — Ela sabe?
— Eu acho que não — ele respondeu e isso gelou o meu estômago. — Eu só contei para as pessoas importantes... E ela não está inclusa nessa lista.
— Mas...
— Podemos não falar sobre isso, amor? Eu não quero estragar essa noite falando sobre uma pessoa que eu detesto — ele me interrompeu. E eu balancei a cabeça, concordando em deixar esse assunto de lado, mesmo possuindo um milhão de dúvidas.
— Tudo bem.
Lan Zhan me puxou, deitando-me em cima do peito dele e, mesmo me sentindo muito culpado, amei estar na companhia daquele homem.
Lan Zhan  realmente era um dos pontos positivos daquela cidade para mim.
Eu não tinha dúvidas disso.
— Eu acho que nunca agradeci você por toda a sua ajuda — disse a ele, ciente de que estaria completamente perdido sem aquele bombeiro atrevido. — Desde que eu cheguei, você está sempre facilitando tudo pra mim.
— Tenho que manter os meus inquilinos satisfeitos, esqueceu? — ele brincou, piscando pra mim.
— Obrigado, de verdade.
Lan Zhan ficou sem graça e negou com um aceno de cabeça.
— Não precisa me agradecer por nada, Wei Yng — ele respondeu. — E quero que saiba que eu vou estar sempre aqui pra quando você precisar de mim... Seja pra devolver uma aranha pro gramado, pra arrastar algum móvel pesado ou então pra uma foda bem gostosa.
A última parte me roubou um sorriso.
E contribuiu para que eu me aninhasse naquele corpo aconchegante e adormecesse.

(....)

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