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Capítulo 13

— Tenho que confessar uma coisa... Uma coisa horrível! — disse para Yanli de forma muito hesitante, como se estivesse prestes a lhe dizer que havia cometido um crime. Os olhos da atendente vieram até o meu rosto. Com a total atenção dela, revelei: — Eu transei com o Lan Zhan . — Como já havia começado, fiz questão de lhe contar tudo: — Várias e várias vezes.
Diferente do que havia imaginado, Yanli não parecia muito chocada com a minha “grande revelação”, era quase como se ela já estivesse esperando que eu me envolvesse com o bombeiro, mesmo ele sendo um homem casado.
Não sabia se isso era uma coisa boa ou ruim.
— Você não parece muito surpresa — tornei a falar, não evitando um sorriso constrangido. — Eu sou tão previsível assim?
Ela fez uma careta, antes de prosseguir: — Um pouquinho — Antes que pudesse lhe dizer mais alguma coisa, a minha amiga emendou: — É que, pela maneira com que você sempre falava sobre ele, eu imaginei que não conseguiria evitá-lo por muito tempo. E sinceramente? Eu nem acho que você deveria.
Isso me arrancou um sorriso.
— Ele é casado, Yanli — fiz questão de lembrá-la do grande problema.
“Você não pareceu se preocupar muito com isso durante todas aquelas vezes” o meu subconsciente debochou.
— Com uma mulher que você nunca nem viu, Wei Ying — ela argumentou, como se isso melhorasse as coisas.
— A gente nem sabe se eles realmente estão juntos, se vivem mesmo como um casal... Talvez os dois só não se divorciaram porque a louca não quis assinar os papéis do divórcio. — Não consegui deixar de revirar os meus olhos para aquele plot de novela das nove. Em resposta a isso, ela acrescentou:
— Acredite ou não, isso acontece muito, queridinho.
Eu não acreditava, ainda mais vindo de Lan Zhan . Ele não parecia ser um homem que aceitaria ficar preso a outra pessoa contra a sua vontade. Mas, ao mesmo tempo, ele sempre deixou claro o quanto detestava a esposa.
— De qualquer forma, eu me sinto a pior pessoa do mundo — continuei com a lamentação, sendo muito sincero. — Eu queria estar com ele, mas não dessa forma, como um amante... Confesso que, se ele não fosse comprometido, cogitaria até em começar um namoro.
Como eu sempre agia como se tivesse horror a relacionamentos, Yanli arregalou os olhos ao me ouvir mencionando a palavra “namoro”. Provavelmente, ela se deu conta do quanto eu estava envolvido por Lan Zhan  que o meu interesse ia muito além do sexo.
— Sabe do que a gente precisa, amigo?
Após eu balançar a cabeça, deixando claro que não fazia a mínima ideia do que eu “precisava”, ela prosseguiu:
— Sorvete!
— Sorvete? — indaguei, incrédulo com a resposta, já que não precisava disso.
— Pensei que você diria algo como “vergonha na cara” ou “um pouco de amor-próprio”.
— Mas isso aí não dá pra gente comprar ali na feirinha — Yanli respondeu rindo, apresentando-me um bom ponto.
Como ainda tinha alguns minutos de horário de almoço e adorava sorvete, não me importei.
Assim como já havia feito algumas vezes, Yanli virou a placa, mudando de “aberto” para “fechado”. Voltei o meu olhar para ela e não precisei dizer uma única palavra, pois a minha amiga compreendeu exatamente o que estava em minha mente.
— É só uns minutinhos, seu chato... Não vai aparecer ninguém — ela disse, assim que deixamos a padaria restaurante em que ela trabalhava.
— Você é certinho demais pra um destruidor de lares.
Como não era o meu trabalho, não me importei, mesmo sendo cumplice daquilo. Apenas mais uma ação de caráter duvidoso para a minha longa listinha.
Continuamos conversando enquanto caminhávamos pela calçada. Yanli estava me contando sobre o quanto ela estava descontente com o trabalho na padaria e usou isso de justificativa para o seu — nas palavras dela — péssimo desempenho como funcionária.
— A minha mãe mesmo já me disse que não adianta eu ficar de cara feia e mal-humorada atrás daquele balcão, porque os clientes não têm culpa por eu detestar o meu trabalho — ela prosseguiu, com o olhar perdido nos carros que passavam.
— Eu nunca vi você com cara feia — rebati, já que realmente não me lembrava de vê-la tão mal-humorada. Yanli parecia sempre tão leve. — O seu defeito é essas escapadinhas marotas que você sempre dá e, é claro, assistir séries durante o expediente.
— Você só me pegou assistindo série uma vez — ela argumentou rindo.
— Isso porque eu costumo ser muito boa nisso. Consigo ver um episódio de Friends e somar todo o caixa do dia. E o meu chefe só disse que a soma não batia duas vezes. 
Lembrava-me de que o seu maior sonho era ser atriz, mas que isso não tinha funcionado muito bem para ela. Yanli se mudou para Qinghe, morou em um buraco e passou o maior perrengue enquanto fazia vários testes, mas não conseguiu nenhum trabalho.
— Eu acho que você deveria tentar de novo... — Levei os meus olhos em sua direção. — Aquele lance da atuação.
— Ainda mais do que eu já tentei? — respondeu-me ela, como se fosse uma completa loucura. — Pra mim já deu, não aguento mais. Podemos dizer que eu não amo o meu trabalho, mas pelo menos consigo pagar as minhas contas com ele... Não tenho mais dezoito anos pra continuar sonhando em ser famosa.
Sabia o quanto podia ser frustrante receber vários “não” e que não era fácil ver todas as portas se fechando bem na sua cara. No entanto, nada que realmente valesse a pena chegava de mão beijada, nem mesmo para mim que havia nascido em um berço de ouro.
Diria isso a Yanli, mas algo me impediu.
Uma pessoa.
Uma que roubou todas as minhas palavras.
— Merda — deixei escapar e isso chamou a atenção da minha amiga.
— Vamos só continuar caminhando e ignorá-lo.
A nossa frente, estava a tentação do meu vizinho, desfilando com a farda de bombeiro dele.
Não estava desconcertado apenas porque Lan Zhan certamente faria algum comentário bobo ao cruzar comigo. Estava assim porque me sentia mal apenas por ser visto em público com ele — o homem casado com que transei inúmeras vezes nas últimas semanas.
Yanli voltou o olhar dela para frente e finalmente avistou Lan Zhan .
— Não vá me dizer que você também conhece esse babaca? — ela indagou enquanto revirava os olhos. — Essa cidade realmente é um ovo.
Pelo jeito, ela ainda não havia ligado os pontos.
Com um sorriso sem graça, respondi, como se não fosse óbvio o bastante: — É ele... O Lan Zhan !
Os olhos dela se esbugalharam e a minha amiga abriu a boca para responder, mas, antes que ela tivesse a chance, o bombeiro se aproximou de nós dois.
A expressão do rosto dele era horrível, como se um de nós o tivesse ofendido.
— Você? — Lan Zhan indagou, assim que se aproximou da gente, com uma seriedade que eu nunca tinha visto.
— Qual a surpresa? Caso você tenha se esquecido, eu trabalho a alguns quarteirões daqui.
— Não estou falando com você, Wei Ying — ele me interrompeu, voltando o seu olhar mais aterrorizante para a minha amiga. — Estou falando com essa cobra do seu lado.
Cobra?
Pensei que Yanli não o conhecesse. Durante todas as nossas conversas, ela afirmou que não tinha ideia sobre a pessoa com quem eu estava me relacionando e até mesmo estranhou isso, já que vivíamos numa cidade minúscula.
— Nós... nós somos amigos — pronunciei muito confuso com aquela cena, pois aparentemente eles se conheciam e não se davam bem. Voltei o meu olhar mais do que perdido para Yanli e indaguei: — Você o conhece?
Com uma expressão séria no rosto, ela me respondeu: — Se eu o conheço? Esse idiota é o meu marido.
“Esse idiota é o meu marido”.
Essas seis palavras soaram em um loop interminável pela minha mente.
Eu havia ouvido direito?
Não.
Não podia ser verdade.
— Ele, o quê? — questionei, assim que consegui me recuperar daquela informação, torcendo para aquilo ser algum tipo de brincadeira, uma piadinha dos dois.
— Nós dois somos casados — Yanli repetiu, com aquela mesma expressão séria, fazendo-me perder a noção de tempo e espaço.
— Acho que isso também significa que você estava transando com o meu marido.
Fiquei tão atônito ao ponto de perder as forças nas pernas e, por muito pouco, não me esborrachei no chão.
— Viu só o que você fez, sua infeliz? — Lan Zhan gritou, assim que me agarrou, impedindo com que eu caísse.
— Ele praticamente desmaiou.
Talvez seria até melhor mesmo desmaiar — o que, infelizmente, não havia acontecido —, pois isso me daria uma rota de fuga de todo aquele constrangimento que parecia não ter mais fim.
— Eu não estou entendo...
— Você disse para ele que o seu nome era Lan Zhan ? — Yanli questionou-o, voltando os seus olhos escuros para o ruivo, que continuava irritado. — Está tentando esconder a sua má fama mudando de nome?
— Não escondi nada, o meu nome é Lan Zhan ... Lan Zhan, Só você e minha mãe me chamam de Wangji— ele rebateu com um sorriso frustrado.
— E, convenhamos, não sou eu quem tem má fama nessa cidade.
Yanli não se conteve e começou a rir.
— Diz isso pra todas as meninas que você comeu e dispensou.
Nunca tinha visto Lan Zhan tão desconfortável quanto naquele momento. Sua expressão não esteve feia daquela forma nem quando eu o acusei de me aplicar um golpe.
— Eu só não vou dizer o tipo de mulher que você é, porque não quero soar desrespeitoso na frente do Wei Ying.
A atendente revirou os olhos.
— Sabe a parte mais engraçada? Pelo que eu me lembro, você costumava odiar quando te chamavam de Lan Zhan — ela continuou, amando tirá-lo do sério. — E quanto a minha suposta má fama, não fui eu quem...
— Eu não atravessei a rua pra lavar roupa suja com você, Yanli. Se eu pudesse, nunca mais trocaria uma só palavra com você. — Meu vizinho interrompeu-a.
— Vim pra saber o que você está fazendo aqui com o Wei Ying? — Sua expressão tornou-se ainda mais agressiva. — Esse é mais um dos seus joguinhos idiotas?
— O quê? Você só pode estar brincando... — ela disse rindo de forma frustrada. Aquela foi a primeira vez que Yanli demonstrou se sentir ofendida, desde que começaram a brigar na minha frente. — Primeiro, eu não fazia ideia de que vocês dois estavam juntos... Não sabia nem que você gostava de homem... Nós nos conhecemos por acaso, o que é normal já que moramos num lugar minúsculo, seu escroto.
— Até parece que foi por acaso... — Se as suas palavras não tivessem apontado o seu ceticismo, sua risada sarcástica o faria. — Como se eu não te conhecesse, garota!
Estava completamente avulso naquela discussão, ainda que meu nome fosse um dos motivos da briga do casal.
Foi só eu ter esse pensamento que a atenção de Yanli se voltou na minha direção, como se ela finalmente tivesse se dado conta de que eu estava ali, presenciando a tudo aquilo.
— Você pode, por favor, dizer a esse babaca que eu não me aproximei de você com segundas intenções?
Voltei o meu olhar para Lan Zhan , mas antes que tivesse oportunidade de abrir a minha boca, ele me disse:
— Você não conhece essa vadia.
— Então, eu sou a vadia? — ela questionou deixando um riso de frustração escapar.
— Sério mesmo, Wangji?
— Vamos embora! — Lan Zhan comentou, agarrando o meu braço. Ele voltou o olhar na direção de Yanli e completou: — E quanto a você? Pare de se meter na porra da minha vida. E se afaste do Wei Ying... Não vou pedir de novo.
O bombeiro não deu tempo para que a esposa lhe dissesse mais nada, simplesmente continuou andando e me arrastando junto com ele pela rua.
— Dá pra me soltar? — questionei, saindo daquele meu transe. Com os meus olhos no rosto dele, prossegui:
— Que droga foi isso? — Não deixei com que ele me respondesse, acrescentando: — Você acabou de ameaçar ela?
— Se você a conhecesse, não tomaria partido — ele respondeu, como se isso explicasse tudo.
— Eu a conheço.
— Não mesmo — ele afirmou.
Eu estava muito confuso e não tinha ideia do que estava acontecendo. Era muita informação, mas não o suficiente para responder todas as perguntas que não paravam de brotar na minha cabeça.
— Por que você não me disse que o seu nome era Wangji? — quis saber, ainda não acreditando que ele havia escondido um detalhe tão importante.
— Tecnicamente, o meu nome é Lan Zhan ... Então, não é como se tivesse mentido pra você — ele respondeu, tirando-me do sério.
— Quer saber? Eu não tenho tempo pra isso, seja lá qual for o seu nome — disse ao me dar conta de que, na verdade, eu não queria prolongar aquela conversa.
— Tenho que voltar para o hospital e para os meus pacientes.
— Eu juro que posso explicar tudo isso, Wei Ying.
Forcei um sorriso de descrença e lhe respondi: — Pode mesmo, Lan Zhan ?
Antes que ele tivesse oportunidade de dizer alguma coisa, prossegui de forma frustrada: — Então, só me responde uma coisa... Por que é que você me deixou achar que ainda tinha uma esposa?
Não havia sido uma pergunta muito complexa, entretanto, ele demorou uns vinte segundos para começar a falar.
— Eu não sei... Por que eu sou um idiota? — ele finalmente respondeu, não me passando a mínima confiança. Ao notar que aquilo não funcionaria comigo, o bombeiro continuou: — Fiquei tão surpreso com a ligação daquela desgraçada que eu nem pensei, só disse a palavra esposa e fui atender. Eu só fui me dar conta do problema quando retornei e encontrei a porta da sua casa trancada. Aí eu notei que tinha feito merda.
— Tudo bem, mas isso aí só explica aquela noite. Você mentiu pra mim durante um mês inteiro. — Aquela desculpa não era boa o suficiente, não justificava absolutamente nada. Eu passei mais de um mês me corroendo com o casamento praticamente inexistente que ele possuía. — Achei que você fosse comprometido de verdade...
— Eu queria contar... E eu quase contei. — Os olhos dele fugiram de mim, antes que Lan Zhan continuasse:
— Mas aí pensei que seria mais divertido daquela forma.
O quê?
Divertido?
Como me deixar achando que ele tinha uma esposa podia ser divertido?
— Divertido?
— Eu queria saber se você cederia, se ficaria comigo mesmo achando que eu era casado — ele prosseguiu, não melhorando as coisas. E como se aquilo não pudesse ficar pior, ele concluiu com o que foi a cereja do bolo:
— Foi meio que uma aposta interna... Uma que, convenhamos, eu venci.
— Uma aposta interna? — indaguei, incapaz de acreditar naquela canalhice.
Babaca.
Idiota.
Cretino.
— Foi tudo uma piada pra você? — pensei em voz alta, chocando-me com aquela verdade assustadora. Estava tão nervoso que comecei a rir. Não precisei de uma resposta dele e concluí eu mesmo: — É claro que foi!
— Você não...
— Você só estava amaciando o seu ego, não é? Queria esfregar na minha cara que conseguiria ficar comigo, mesmo com a questão do casamento... Você apostou contra o meu caráter e ganhou.
— Quando você coloca dessa forma, realmente parece algo horrível, mas...
— Parabéns. Você realmente venceu essa aposta,  Lan Zhan — disse com uma imensa vontade de começar a chorar.
— Jogou tão bem ao ponto de conseguir mexer até com os meus sentimentos.

(...)

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