Prólogo

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Eleanor Quinn
Quatro anos atrás

O choque de realidade foi tão forte que eu pude ouvir meu coração se quebrando, como um espelho frágil. Eu nunca quis tanto que algo fosse apenas um sonho, ou nesse caso, um pesadelo. 

O lugar onde eu nasci, cresci e vivi estava em chamas e eu não podia fazer nada por isso. Assisti o fogo se espalhando pelas paredes da mansão como se fosse a mágoa disseminando pelo meu corpo. Cada segundo que passava, mais as chamas consumiam o meu lar e ficavam cada vez maiores. Todas as lembranças estavam em fogo, algumas talvez em cinzas. O dinheiro poderia facilmente restaurar as paredes, chão, teto e janelas da casa, mas, lá dentro havia algo que o dinheiro era incapaz de comprar. Tudo que restou de minha mãe se foi; as fotos, as cartas, as roupas e joias e o que eu mais amo, o piano dela. 

Eu caí de joelhos, assistindo a cena, com as lágrimas escorrendo pelas minhas bochechas. 

Eu simplesmente congelei, não conseguia me mover para sair dali ou pedir ajuda. Até que vi alguém abrindo a porta de entrada com um pouco de dificuldade. Suas roupas eram pretas e estavam bem queimadas em algumas partes e a pele que podia ser vista estava suja de cinzas. Era um homem e quando ele se virou para mim o meu coração quebrou ainda mais. 

Impossível. 

Encarei ele se aproximar de mim, com certa dificuldade, enquanto tossia várias vezes no caminho. 

- Você... – sussurrei, mesmo com a voz baixa, era possível ouvir minha raiva ali. 

Ele tossiu diversas vezes e quando me viu em sua frente, pegou minha mão e tentou me arrastar para longe do fogo.

- Me solta! – gritei. 

- Você quer morrer, porra? – ele me soltou, dando-me um leve empurrão para sua frente. 

- Talvez fosse isso que você queria quando colocou fogo na minha casa, não é? – por mais difícil que fosse, eu tentei não chorar. 

Ele se afastou um pouco de mim desviando o olhar para o chão. Já era possível ouvir as sirenes dos bombeiros se aproximando, as luzes refletindo em nós em frente àquele fogo naquela noite. Olhei para trás e, além de polícias e bombeiros, o carro do meu pai estava se aproximando da casa. Quando o carro parou e meu pai desceu dele, Maven se aproximou de mim novamente e sussurrou. 

- Por favor, confie em mim... 

Ele estava pedindo muito de mim. Toda a confiança que eu tinha na pessoa que eu amava e que eu achei que me amava também se foi. Ele não merece nada de mim. 

Meu pai veio até mim e colocou-se de joelhos ao meu lado, dando-me um abraço forte.

- Você está bem? – ouvi o tom de choro em sua voz. – O que ele fez com você? – ele me soltou e foi até Maven. – O QUE VOCÊ FEZ COM ELA?! 

Os bombeiros correram para apagar as chamas enquanto policiais se aproximavam de nós. 

- Me responda, garoto! O que você fez com a minha filha?! – ele agarrou a blusa de Maven enquanto gritava em sua cara. 

- Senhor Quinn, acalme-se! – um policial interveio na briga, afastando meu pai do garoto.
 
- Me acalmar? A minha filha podia estar lá dentro morta por conta desse imbecil! Gostaria que fosse algumas de suas filhas nessa situação, Karl? – vociferou. 

- Claro que não! Mas não sabemos se foi ele quem começou esse fogo! – o policial ainda não soltou meu pai. 

- E você tem dúvidas?

- Mas não fui eu, merda! – Maven finalmente falou. – Eu nunca iria machucar a Elen, até porque eu a amo. 

- Me ama? Colocando fogo na minha casa só porque brigamos é com certeza uma nova forma de demonstrar seu amor por mim! – mesmo com a voz fraca e chorosa, gritei o mais alto que pude para ele. – Você é um imbecil, Maven! – fiquei de pé. – Eu deveria ter percebido isso antes, deveria ter escutado meu pai, deveria saber que garotos como você NUNCA amam ou são amados! – eu não estava nem aí se iria magoá-lo, afinal, era o que eu queria. – Você sempre reclama do seu irmão mais velho, mas no fundo, é igual a ele! 

Ninguém falou nada depois disso. Tudo que se ouvia era os bombeiros apagando o fogo lá trás. Mesmo que eles apagassem tudo, nada seria o mesmo. Aquela casa teria marcas daquele fogo e eu também continuaria com o coração quebrado por isso.

Era minha culpa por ter sido ingênua demais e achar que ele me amaria. Mesmo sentindo muita raiva, eu, acima de tudo, sinto muita dor.

- As câmeras já estão sendo checadas, mas os vizinhos testemunharam, o que pode indicar que foi o garoto quem começou todo esse caos. - Um homem, com farda típica de policial, anuncia com um pequeno caderno de anotações em mãos enquanto ficava na frente de Maven. - Seja sincero, não é a primeira vez que você coloca fogo em alguma coisa, pequeno Dawson.

- Já disse e mantenho a minha palavra, não fui eu, droga. - Ele respondeu.

Andei até sua frente, disposta a dar um último recado para ele antes de nunca mais vê-lo. 

- Espero que na cadeia você encontre pessoas como você. – Meu dedo foi até seu peito. – E eu realmente espero que se lembre de que mesmo que tente, você carrega o legado podre da sua família. 

O barulho de algemas se fez presente atrás dele, que ainda me encarava enquanto estava prestes a ser preso. Ele sorriu. O cretino teve a coragem de sorrir.
 
- Nunca tinha visto esse seu lado afrontoso, Elen. Gostei dele. – Ele umedeceu o lábio inferior e pude ver o piercing brilhando em sua língua. 

- Uma pena, pois será a última vez que verá ele. 

Sua sobrancelha se arqueou e seu sorriso desapareceu. Ele deu passos lentos até mim, a ponta do seu nariz quase encostando na minha testa. Seu peito subia e descia em um ritmo constante enquanto ele me encarava. Aquele olhar não era mais o mesmo, não era o olhar que ele sempre me dava. Havia... ódio.

- Olhe para mim, Eleanor. - Eu sabia que ele não estava só pedindo isso.

Levantei o olhar até encontrar o dele. Os olhos completamente sombrios, algo que, mesmo sendo um pouco assustador, era lindo e combinava perfeitamente com ele. Seus cabelos eram castanhos bem escuros e alguns fios roçaram em minha bochecha quando ele se aproximou do meu ouvido. Seu hálito quente soprou sutilmente ali, descendo pelo meu pescoço até chegar em meu ombro.

- Você pode ter razão, Elen, eu posso ser igualzinho ao meu irmão. - Fechei os punhos, tentando controlar o ímpeto de soca-lo. - E também pode estar certa sobre eu ir para a cadeia, mas, sabe de uma coisa? - senti seu sopro quente subindo até meu ouvido novamente. - Se eu realmente for para lá, reze. Apenas reze para que eu não saia de lá.

- Eu não tenho medo de você. - Não era mentira, não até certo ponto.

- Ah, é? - ele sorriu de escárnio. - Acho que é bom saber disso, muito bom. - Não havia nenhum sorriso em seu rosto quando ele se afastou e finalmente deixou o policial levá-lo até o carro.

Tive vontade de correr atrás dele, gritar enquanto batia nele, mas eu só continuei parada, olhando para o pior cenário da minha vida. Retornei meu olhar para a minha casa novamente e, mesmo sem todas aquelas chamas, ela estava ainda pior para mim. Era como se a fúria do momento tivesse passado, deixando visível todas as feridas que vieram logo após. Sem aquela luz forte do fogo, sobrava apenas a cor cinza totalmente sem graça por toda a casa.

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