Era um dia quente no oásis em que havíamos levantado acampamento para uma apresentação, como de costume. Artifae forjava o ferro quente em sua oficina improvisada, de modo que o som surgia ritmicamente, enquanto eu cuidava da limpeza dos animais do circo.
Eu estava começando a ficar entediada pela monotonia das tarefas e por ter que esperar a boa vontade do mundo para abrir algum portal. Você pode imaginar que paciência não é um dos pontos fortes para uma jovem de 15 anos, ainda mais se depende de um fenômeno natural que ocorre ocasionalmente, em qualquer dia, ou momento. E para ajudar, eu havia esquecido de alguns detalhes do seu funcionamento.
Sou retirada de meus pensamentos, quando o cavalo árabe que estava escovando pacificamente começa a se agitar e os demais começam a seguir seu exemplo. Andavam de um lado para o outro em suas jaulas enquanto emitiam seus sons. Ao mesmo tempo, sinto o cheiro de feromônio masculino se aproximando. Ao levantar meus olhos pude ver Mualim passando por mim, indo em direção a Artifae, encarando-me a cada passo que dava. O simples fato de lembrar do cheiro daquele homem me dá náuseas, assim como naquela época.
Pude ver de soslaio os dois homens ficarem frente a frente em seus silêncios. O ferreiro continuou sua canção solitária, enquanto o proprietário do circo acendeu seu charuto pacientemente mantendo seu olhar sobre mim.
- Até que, depois de um tempo, ela se tornou atraente. - A melodia morreu naquele instante com um baque seco dado pelo último golpe - Talvez eu faça uns testes com ela e a mude de espetáculo. - Soltou a fumaça do charuto pela boca.
A barraca do ferreiro ganhou minha total atenção assim que ouço o barulho de um banco cair. Artifae havia se levantado tão rápido que ainda pude ver seus cabelos balançando pelo movimento. Ele apontava o ferro incandescente para a garganta do proprietário enquanto mantinha a mão que segurava rente ao peito nu. Ele sempre deixava à mostra por desabotoar a parte de cima da camisa para amenizar o calor. Sabia que estava mantendo o ferro em seu peito como autocontrole. Bastava ele querer espirrar que o pior aconteceria.
- Não se aproxime dela. - rosnou.
Artifae era ameaçador a ponto de me questionar diversas vezes, como um homem, daquele porte, trabalhava nos fundos de uma tenda de circo. Ele era alto. Cerca de uma cabeça maior que Mualim. Seus cabelos, levemente ondulados e naturalmente brancos, chegavam à altura de seus ombros e vez ou outra tornavam-se cinzas por conta da fuligem que caia enquanto trabalhava o ferro. Seus olhos eram cinzas, mas era possível ver que mudavam de cor conforme seu humor e, naquele momento estavam negros como o breu. O que mais sustentava minhas suspeitas de que ele não era um ferreiro e tão pouco foi criado num circo, era o corpo forte e largo que carregava suas cicatrizes que brilhavam timidamente em seus antebraços e na base de sua mandíbula até sua clavícula, quase chegando no centro em que se unem, do lado direito de seu corpo. Lembrava-me das cicatrizes que os Black ostentavam em seus corpos orgulhosos.- Está se apegando, Artifae? - provocou Mualim - Sabemos o que acontece com as pessoas que têm afeição.
O ferreiro rosnou mais alto com o cenho ainda mais fechado como se vislumbrasse algo distante.
- Diga o que quer e caia fora. - Artifae abaixou o ferro quente enquanto olhava para mim, jogando o peso de uma perna a outra para pegar o banco e voltar a sua posição inicial.
Mualim arrumou sua roupa e postura enquanto observava ele recolher o material para continuar o serviço.
- Encontraram-te e querem te ver.
- Como é? - O olhar de Artifae era confuso.
- Fiz de tudo para convencê-los do contrário, como sempre, mas esses disseram que te viram com a Cristina nos arredores do circo quando foram fazer compras. - Tragou charuto e soltou a fumaça calmamente - Estão ameaçando derrubar cada pedaço de pau até te encontrar.
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Contos de Uma Peregrina - Deserto
Random- Ora, mas o q... - ele logo foi interrompido pela pressão aplicada pelo Marechal. - Não ouse. - Eu poderia jurar que a qualquer momento ouviria os dentes dele trincarem. - Uhm? Isso torna as coisas mais fáceis, não!? - O sorriso do homem se tornou...