Capítulo 08 - Praga

16 6 23
                                    

O tumulto havia terminado e uma enorme fogueira estava à minha frente queimando aquela criatura medonha.
Não me lembro dos eventos que ocorreram para chegar naquele momento, mas me lembro da ordem de Artifae para eu não encostar nas chamas ecoando na minha cabeça, enquanto me mantinha fascinada pela dança atraente do fogo.

Não havia cheiro, nem barulho, nem calor vindo da fogueira. A pele daquilo não regredia para continuar o processo da queima e permitir que os ossos aparecessem e dessem lugar às cinzas.
Como deve imaginar, estava tentada a encostar naquele amontoado de chamas, que ultrapassava a altura do meu mentor facilmente, mas não produzia um grau a mais do ambiente de calor.

Olhei em volta e vi Artifae em frente à barraca da comerciante cercado pela multidão, igual a um grão de açúcar cercado por formigas, na tentativa de os acalmar, o que parecia ser uma árdua tarefa.

Um a um, pouco a pouco, a multidão se dissipou conforme a fogueira desaparecia, até restar meu mentor e a vendedora. O lugar onde estava queimando não deixou sequer marca de sua existência no chão e não poderia culpar vento pela inexistência de cinzas, pois era um dia em que ele estava viajando longe daquela região.

- Garota! – A voz potente da comerciante chamou minha atenção. – Venha para cá!

Não tardei em obedecer após dar uma olhada no lugar que supostamente queimou alguma coisa. Enquanto me aproximava, a mulher entregou uma trouxa de pano feio para Artifae que continha o semblante cansado.

- Aqui, meu amigo, leve com você, eu insisto. – Meu mentor suspirou pesadamente enquanto acenava com a cabeça. – Também coloquei aquele seu pedido que me fez. Achei melhor deixar pronto para a próxima vez que nos víssemos, só não esperava que seria tão cedo.

- Eu agradeço a atenção e preocupação. Farei bom uso e guardarei para o momento certo. – Um sorriso torto e exausto apareceu e sumiu com a mesma velocidade em seu rosto até sua atenção chegar à mim. – Agradeça à nossa amiga pela hospedagem. Ela iria cuidar de você, mas tive que mudar os planos.

- Mas por...

- Apenas faça! – Artifae não permitiu que outra revoada de perguntas passasse por ele enquanto massageava as têmporas.

- Ahm... Bem, obrigada, senhora, por me hospedar! Lembrarei eternamente da sua bondade.

Assim como o deserto possui infinitos grãos de areia, Artifae possuía infinitos ensinamentos para passar. Entre eles, havia uma que ele me fez fixar na mente: A lição dos dois Gs – Gratidão e Gentileza. Toda vez que saíamos do circo para comprar suprimentos, ele falava sobre ser extremamente grata quando se era amparado tanto em alimento, leito ou vestimenta, ainda que a pessoa não tivesse conseguido suprir a necessidade mas vasculhou dentro da sua possibilidade como conseguiria ajudar. E ser gentil a quem te pede o mesmo, pois você já esteve ou pode estar no lugar de pedir.

Despedimo-nos da mulher e deixamos o mercado para trás logo que buscamos nossos animais, retornando ao deserto.
Se no dia anterior Artifae estava quieto, naquele momento ele era o próprio iceberg com a feição estoica e a diferença de estar menos tenso. Se antes eu tentava puxar assunto com ele, hoje era o dia que ele não desejaria ouvir o vento balançar seus cabelos. Com essa minuciosa análise da situação, distanciei meu cavalo dele.

- Perto de mim! – Sua ordem foi firme como um trovão, fazendo-me encolher os ombros e obedecer sem hesitar.

Cerca de uma hora de cavalgada depois, encontramos um oásis desabitado com sombra e água o suficiente para passarmos a hora mais quente do dia tranquilamente. Artifae desceu do cavalo dando sinal para que eu fizesse o mesmo, deixando-os junto com Smarágdi para se refrescarem enquanto íamos para debaixo de uma sombra.

Contos de Uma Peregrina - DesertoOnde histórias criam vida. Descubra agora