A jovem saiu do transe quando foi forçada a piscar algumas vezes após uma lufada de vento que não a ajudou a conter as lágrimas que tentava segurar. Enquanto esfregava os olhos, convidou o casal para irem se refugiar do sereno da noite em sua humilde casa. A dupla de estranhos logo se dispôs a seguir a pequena figura saltitante que, hora ou outra, virava-se para trás para ter certeza de que não haviam desaparecido e que tudo fora fruto de sua imaginação.
Ao chegarem na residência, a garota agitou-se por todo o lugar para acender lamparinas e organizar o que julgava estar fora do seu devido lugar.
- Por favor, - a jovem secou as lágrimas nas mangas da camisa antes que escorresse pelo rosto – sentem-se! Peguem as melhores cadeiras. Não reparem a bagunça. É que não esperava que... alguém aparecesse.
O homem fez conforme sugerido enquanto a mulher continuou em pé observando a decoração daquela casa aconchegante.
- Pequena, poderia trazer um pouco de água para que esse velho homem possa beber? – Pediu enquanto apoiava as costas confortavelmente na poltrona que havia escolhido.
A garota logo deixou a sala com o eco de seus pés descalços batendo no piso de madeira e logo retornando com o som do mesmo a acompanhando.
- Qual é seu nome? – A mulher perguntou enquanto observava um dos diversos retratos que compunham a decoração.
- Epanequini! – Respondeu a jovem enquanto entregava o copo de água ao homem – Mas podem me chamar de Pane.
- Diferente. Romeno?
- Grego, senhor.
- Distante.
- Sim, senhora! Digamos que minha família vai muito longe em busca do que quer. Diversos lugares! Sendo eles distantes ou próximos, se queremos algo, percorremos o caminho que for para ter.
- E o que sua família buscou na Grécia? – Continuou a mulher.
- Respostas.
-Sobre?
- Nossos antepassados.
- Por que suspeitavam desse lugar? – Perguntou o homem apoiando os braços sobre os joelhos.
- Bom, segundo a mitologia, Zeus consegue se transformar em tudo que desejasse... achavam que tinham alguma relação.
- Uau! Zeus? – Ele não conseguiu conter o riso – Costumam nos comparar com Loki quando o assunto são as transformações. Acho que é a primeira vez que nos comparam com algo relativamente positivo. ⸘No és verdade, cariño?
- ⸘ Sí, és verdad! – A mulher se aproximou apoiando uma das mãos sobre o ombro do marido – Mas o que me intriga é que até agora, não questionou quem somos. Nos transformamos, somos estranhos e agora estamos na sua casa. Não lhe incomoda?
Epanequini deu de ombros.
- Por que perderia tempo com isso? Já sei quem são!
- Tem certeza, pequena? – O homem a encarava com uma sobrancelha arqueada.
- E a manga é amarela? – Respondeu com ar divertido – Vocês são os senhor e senhora Fortress, Taier e Cristina Fortress. – A garota pousou os olhos na mulher a sua frente – Ou, Cristina Pellegrino, como é mais conhecida.
- Como sabe? – Questionou Cristina.
- Como disse, somos uma família curiosa e, uma das principais perguntas que fazemos é "Por que nos transformamos", seguidas de "Por que temos que manter segredo e nos isolar? ".
- Então...?
- Quando pensamos em algo como Loki ou Zeus vimos que havia algo que não batia, já que eles conseguem se transformar em absolutamente tudo, enquanto nós conseguimos apenas nos transformar em animais com endoesqueleto. Então, somos levados a uma terceira história, uma que conta sobre a criação e tentativa de equilíbrio de, não só um, mas vários mundos. – Procurou em volta até achar o livro que lia antes de sair para pescar – Em uma das viagens, foi encontrado este diário, seu diário e do seu pai antes de você, com todas as anotações de treinos, seus progressos, descobertas de plantas medicinais e, vez ou outra, algum desabafo sentimental. – Ela suspira pesadamente – Mas, absolutamente nada sobre como funcionamos.
- Bom, parece que fiz mais do que certo em não colocar essas informações no diário. – Disse enquanto sentava-se no braço da poltrona em que o marido estava.
- O que? Por que?
- Veja bem: este diário estava em mundo distante desse e, que para passar, é necessário certo conhecimento. Então, se esse diário foi achado aqui, o que garantiria que não iria cair em mãos erradas?
- E por isso nós temos que viver tendo lendas como bases? Viver com dúvidas e isolados até que aprendamos a controlar tudo? – Pane pôs-se em pé em um salto.
- É por isso que está sozinha nessa casa? – Taier interferiu notando os olhos da garota se enchendo de lágrimas.
- Sim... – respondeu com a voz fraca – tudo o que sabemos é que a "grande" matriarca conseguiu controlar seus dons sozinha há mais de 1610 anos, por isso, quando uma criança manifesta o dom, é mandada para uma casa distante, onde possa aprender a manter o controle livre de preocupações da vista alheia... é claro que não conseguimos com sua maestria, mas controlamos parte deles. – Olhou desanimada para o chão.
Pane pode jurar que havia ouvido um trovão, mas quando ergueu os olhos pode ver os olhos do casal a sua frente tão duros e distantes que sentiu um pequeno aperto em seu peito.
- Mas, - continuou enquanto olhava para as mãos – nunca acreditei que fosse o método mais correto para isso.
A atenção do casal se voltou para ela.
- Por que? – A voz de Tier emanava a tensão que sentia.
- Porque nem na história da criação, nem na história das suas jornadas a solução é dada com a solidão... se tem algo que aprendi com a história de vocês é que precisamos e, sempre haverá alguém para superarmos o passado para que possamos ter um futuro iluminado. – Voltou a encontrar o olhar do casal agora gentil e acolhedor – Desde que se casaram ESSA é a lei absoluta! A única lei que fizeram e desejaram que fosse imutável! Por isso, por eras e eras marcamos nossos corpos com o símbolo da família. Mas parece que a família se esqueceu desse significado e usa em seus corpos apenas como um brasão qualquer.
O casal se entreolhou por um momento comovidos por ouvirem que algo que foi iniciado apenas entre eles há mais de um milênio repercutiu em um coração como aquele.
- Então... qual é o seu pedido, pequena? – Taier olha Pane com compaixão.
- Quero que me ensinem tudo sobre meus dons para que eu possa recomeçar, sair dessa solidão e mostrar às futuras gerações que é melhor aprender juntos.
Taier não pode deixar de sorrir com a resposta e aguardava algo positivo vir da esposa, mas seus olhos carregavam o oposto.
- ... recomeçar... – Cristina suspirou pesadamente – Talvez seja mesmo o momento de recomeçar, - Pane teve seu olhar iluminado – mas não do jeito que imagina. Nossos ensinamentos já se perderam. Acho que está na hora de repassá-los novamente.
Epanequini começa a saltitar comemorando pela sala.
- Agora, - interveio Taier – por que não se senta e conta sobre a história que está fora do diário, assim podemos saber se é verídica ou não e se pode aproveitar algo.
- O que? Mas...
- Acabei de dizer que não será do jeito que pretende. – Cristina arqueou a sobrancelha enquanto sorria.
- Por queeee? – Pane protestou sem conseguir conter o biquinho em seus lábios.
- Vai descobrir! – A matriarca sorria – Agora, sente-se e conte-nos tudo.
Após um longo suspiro, a garota se sentou na frente do casal e começou a história que tinha conhecimento.
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Contos de Uma Peregrina - Deserto
Rastgele- Ora, mas o q... - ele logo foi interrompido pela pressão aplicada pelo Marechal. - Não ouse. - Eu poderia jurar que a qualquer momento ouviria os dentes dele trincarem. - Uhm? Isso torna as coisas mais fáceis, não!? - O sorriso do homem se tornou...